sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

DO FUTEBOL

A partida de amanhã me fez lembrar o tempo em que vivi em Madrid.

O apartamento onde eu morava, na Calle Enrique Trompeta, situada num bairro operário chamado Legazpi, distava talvez uns mil metros do Vicente Calderón, estádio do Athletic Madrid.

O rival, Real Madrid, o time da simpatia do ditador Francisco Franco, tinha o estádio, Santiago Bernabeu, no Passeo de la Castellana, área nobre da capital.

O Real, na real, é coxinha.

Várias tardes de outono e verão eu ia bater uma bolinha no passeio de Usera, um parque bacana que ficava entre minha casa e o estádio. Eu era craque. Canhoto e habilidoso.

Lembro de um dia em que um cara chamado Antenor, que era adido da embaixada brasileira em Madrid, conseguiu uns convites pra Atlético e Grêmio. Me convidou, assim como a um cantor brasileiro que vive na Europa faz muitos anos chamado Fernando Girão de Freitas.

Lá fomos nós pro Calderón assistir ao tricolor. Fiquei impressionado com a torcida silenciosa, que aplaudia as jogadas como se fosse num teatro. Acho que perdemos de 1 a 0 e lembro que a partida foi bem chocha, como todo amistoso, mas fiquei emocionado de ver o Grêmio entrando em campo.

Num determinado momento, um jogador gremista se machucou e o massagista entrou no gramado pro atendimento. Era o Banha. Banha, é claro, como já dizia o apelido, era vistoso, gordão. Comentei isto com os colegas e o Girão, que tinha uma voz de navio, gritou.

BANHAAAAAA!!!!!!

A voz gigante foi ouvida pelo estádio inteiro. O Banha, surpreso, acenou pro lado de onde nós estávamos e a espanholada toda ficou nos olhando.

Isto aconteceu no ano de 1986.

Tá fazendo mais de 30.

Era um outro tempo.

Espanha tinha um rei que era ídolo, um presidente idem, que era Felipe Gonzalez e o prefeito de Madrid era o cara. Tierno Galvan.

A palavra da hora era "socialismo" e a Espanha reluzia. Era barato e digno viver na Espanha.

Tierno morreu logo em seguida, Gonzalez, anos depois, foi pego com falcatruas e o rei, faz pouco tempo, acabou sendo flagrado por fotógrafos matando elefantes na África. Pode?

Em 81, estes caras tinham abafado uma nova tentativa de golpe de direita no país. Era uma época de enterrar os últimos dejetos do fascismo de Franco, quando de repente, os militares canalhas resolvem tentar repetir a molecagem.

Pegaram uma cana braba.

Tá fazendo 30.

Acho que era um tempo em que a ética ainda era algo que tinha algum valor.