terça-feira, 27 de janeiro de 2015

PARA QUE ABRAMOS NOSSOS OLHOS


A gente gosta de passar em ponte. A gente, quando passa em ponte, sempre olha pra baixo, pra ver o rio. Temos atração pela água. Muita e sempre.

Vivi na Espanha, na década de 80 e, pouco antes de voltar ao Brasil, no verão de 86, toquei com um trio de ciganos que estava bombando no país. Por isso, pude viajar bastante, principalmente para o sul, Andalucia.

Muitas vezes me surpreendi ao passar por pontes e ver o leito do rio seco. A Espanha tem muitos rios mortos. O leito está ali, mas não tem água. Eu me perguntava. "Por que será que não tem água, se o leito está ali"?

Agora, com a crise hídrica da região sudeste, eu e minha ignorância descobrimos o que quando o nível da água baixa, deixando o leito em contato com a atmosfera e o sol, este leito perde a capacidade de impermeabilidade que tem. Torna-se poroso e então a água da chuva acaba penetrando no solo, indo se misturar ao lençol freático. É assim que, dolorosamente, o rio morre.

A Espanha sempre teve problemas com falta de chuvas. Não era raro ver cartazes e tabuletas com a frase; NO MALGASTEIS EL AGUA.

Lá, o verão chega de uma hora pra outra. Você sai à rua num dia qualquer de junho e está fazendo 30 graus, então você pode voltar pra casa, pode tirar e guardar jaquetas e mantas e pode também estar certo que serão 90 dias de sol e altas temperaturas. É muito raro chover no verão.

A água das torneiras de Madrid vem de longe, das montanhas, e é maravilhosamente fresca, até na estação mais quente.

Agora, por aqui por estas terras, está havendo uma espécie de terrível contagem regressiva em São Paulo, principalmente. Vai acabar a água. É o que parece. É o que dizem. E as autoridades não parecem estar muito preocupadas.

As autoridades acreditam que vai chover. Estamos no fim de janeiro e está dando na TV a notícia de que animais de criação estão morrendo devido ao calor e à falta de água e luz, tão necessárias para sua refrigeração. É o caos assustador que vai dando suas primeiras tintas.

O governo federal também parece estar se lixando para as notícias de que a Amazônia está sendo devastada de forma cada vez mais acelerada. Há uma possibilidade de que esta seca esteja relacionada com o desmatamento. Mas as autoridades não se preocupam com este tipo de coisa. Este tipo de coisa não dá voto e o importante é ter o poder. A qualquer custo. O poder pelo poder. E nós, na galera, não queremos pensar nisso também. Não queremos tirar nossa cara da frente do smartphone. “Me deixa quieto com meu brinquedo de fugir”.
Foi-nos dado o dom da racionalidade, mas já são milhares de anos e estamos muito longe de dar uma ajeitada na casa. Como é que pode?

Somos os cegos que não querem ver, como no romance de Saramago. “O ensaio sobre a cegueira” faz uma metáfora exatamente sobre tudo isso. Vamos acabar transformando nosso planeta num grande pântano de caos e tragédia, porque não queremos enxergar.

Acho que a humanidade está precisando tomar uma lição. A natureza é sábia e vem nos dando seus avisos, mas continuamos apáticos.

A natureza vai começar a agir com mais rigor. Vai começar a administrar seus remédios mais fortes. Para que por fim nos modifiquemos. Para que por fim abramos nossos olhos.


fc - JANEIRO -15 -pOa


segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

VOCÊ GOSTA DE SEXO? MESMO?

Ele tava se achando e mandou um selfie de pau pra menina que ficou assustada e, puta da cara, botou a boca na rede social, se queixando da babaquice e da incurável falta de sensibilidade dos homens.

Cada vez mais me envergonho de pertencer ao gênero masculino. Os homens não se conformam com o fato de que as mulheres, em sua imensa maioria, não gostem destas coisas e os caras continuam ridícula e infantilmente a se fotografar. Deve ser muito engraçado  ver a cena. O cara se contorcendo todo pra fazer o selfie-mango.  Eu jamais faria isto. Quer dizer. Não que eu me lembre. Mas seguindo o assunto.


A mina até pode elogiar a foto do guri, mas elas fazem isto porque são gentis e bondosas e não gostam de magoar ninguém, mas na real, tão nem aí.

São raríssimas as mulheres que ficam animadas quando recebem uma foto com este teor. Pra mim, estas são as mulheres que realmente gostam mesmo, mesmo, mesmo de sexo.

Eu sei que tem mulher que leu esta frase e já ficou irritada, mas sabe o que? A mulher, a meu ver, gosta mesmo é da relação e o sexo é apenas um meio de chegar até ela. É uma espécie de moeda de troca.

Você gosta de sexo? Gosta mesmo?

Pra mim, quem gosta de sexo, pensa um pouco em sexo todos os dias e sempre dá um jeito de ter um orgasmo, sozinho ou acompanhado.

Quem gosta de sexo, sempre dá uma furungada nuns filmes pornôs, mesmo achando tudo uma merda, tudo falso, mas dá uma olhada pra ver se encontra algo que pareça verdadeiro, que seja diferente e estimulante.

Quem gosta de sexo mesmo, acha que o sexo é, e sempre será, a mais genial invenção do Senhor e não há nada neste mundo que se compare, então quem gosta de sexo, nunca deixa o sexo pra depois da novela, depois do jantar, depois do futebol ou depois do Fantástico. Sexo é agora e é urgente.


Sexo é melhor que cinema, é melhor que teatro, e exposição, então, nem se fala.

Quem gosta de sexo faz sexo depois da feijoada. Faz devagarinho pra não ficar enjoado, mas faz. Aliás, ainda vou descobrir: Por quê que almoçar dá um tesão desgraçado?

Você é daqueles ou daquelas que se recusam a fazer sexo virtual e vem com o mimimi de que tem de ter olho no olho? Que tem de ser coisa de pele? Então você não gosta de sexo. Você gosta é de relação. É uma coisa diferente.

Quem gosta de sexo faz sexo por cam, por telefone, por escrito, faz sexo por mensagem.

Conheci uma menina que me contou que fazia sexo por sinais de fumaça com os colegas escoteiros nos acampamentos, quando era bandeirante, e Seu Durval, um velho amigo da família, de profissão telegrafista, me confidenciou que trepava por código morse com Dona Irina, que trabalhava no telex de Bagé. Isto na década de 40. Diz que melava bem o chão da casinha. No dia seguinte os colegas impertinentes se queixavam dos sapatos grudentos.

Por fim, aqui faço também uma pequena confissão. Certa feita fiz sexo por fax. E foi o maior tesão.


Quem gosta de sexo mesmo, faz sexo até com dor de dente ou pedra no rim.

                                 
                               FC - janeiro - 15 - pOa


domingo, 25 de janeiro de 2015

É Sábado - ORBITAIS 3

É sábado, é fim de tarde e tenho de caminhar. Tenho de caminhar pra fazer a tal da manutenção, capice? Pra poder atuar e assistir com mais qualidade e por mais tempo.

Muitas vezes juro caminhar todo dia até o último dia. Quem sabe até, se caminhar todo dia, nunca aconteça o último dia.

Nunca cumpro o prometido, mas hoje é um dia em que resolvo caminhar, e vou no ritmo exato para que haja o tal ganho cardíaco, vou na velocidade certa também para não alucinar com excessos de oxigênio, afinal de contas a caminhada sempre gera pensamentos e pensamentos nunca quero deixar de te-los.

É um ruído muito forte que me assusta na avenida. Sigo a trajetória da moto que passa em velocidade demencial e sinto que o primeiro sobressalto me traz a raiva, velha companheira, mas a raiva logo cede seu lugar a outro sentimento, quando torço para que o cara não se estrebuche no chão. Aquele homem de capacete arrisca tudo por uns grãos de adrenalina e esquece completamente que existe alguém por aí que pensa tanto nele e que às vezes até reza.

Entro por uma ruela deserta, ando 50 metros e passo por um guardinha de rua, o qual não consigo ver o rosto. A música muito clara que vem de seu radinho me turva a vista. É alguma canção de Roberto, do disco “Em ritmo de aventura”. A nostalgia, depois de cegar-me por um breve instante, desce a jato, arrepiando a espinha, e movediça, atrapalha meus passos quando se mistura a folhas secas e pequenos redemoinhos. É sim. Parece que vai chover.

Então lembro, e não há nenhuma razão para isto, que tenho de ir ao supermercado comprar uvas. O que acontece é que devoramos todas as uvas. Não vê que é inhaca de pobre? A uva é a única fruta barata deste verão e por isso a comemos com fúria. Agora tenho de comprar mais. Tomara que ainda haja e que continue barata. Andam dizendo por aí, que se faltar água, as frutas vão ficar mais caras do que o ouro.

Caminho as últimas quadras e este último pensamento gris me traz a urgência de beber. Mas não posso. Estou tomando antibióticos. Então vai assim mesmo. Na seca. Eu encaro. Encaro estes novos tempos que vêm se desenhando um tantinho apocalípticos. Sigo caminhando e tento pescar no ar outros devaneios. Quem sabe, junto com eles, virão cores mais vivas.

É sábado, é fim de tarde e os redemoinhos crescem, brincando rente ao chão e isto me faz lembrar do filme "Beleza Americana". Mas não vou falar sobre isto, já que pressinto ter de acelerar o passo. Parece mesmo que vai chover. Os pensamentos então estancam ou se perdem de vez, não sei ao certo. Mas agora já não me angustio. Mais tarde os esculpo pra sempre no branco da máquina de salvar.

Fc – janeiro - 15