segunda-feira, 30 de novembro de 2015

CACHORRADA

Meus filhos eram pequenos e ganharam o Alvin. Alvin era um Bichon Frisé. Um cachorro branco, peludo e fofinho. Já nos primeiros dias notamos que ele era bastante mijão e não parecia haver maneira de ensina-lo a não ser assim. Além disso, vomitava toda a casa e isso certamente acontecia devido à rica dieta que lhe administrávamos, à base de Negresco e Traquinas.

Logo depois fomos morar um tempo com minha mãe. Minha mãe também tinha cachorros e este fato fez o Alvin se tornar 5 vezes mais mijão. Queria marcar todo o território possível. Uma tarde foi pego em cima da mesa da cozinha mijando no açucareiro. Minha mãe ficava furiosa e o Alvin, pra se vingar, mijava no meio da cama dela.

Cena boa de se ver era dar um pão de queijo pra ele. Ele adorava brincar com pão de queijo.

Atirava pra cima. Quando caia, deitava em cima, se esfregava. Ficava nessa farra um tempão. Até que chegava um momento em que estancava e olhava fixo pro pão de queijo. Então levantava a perna, dava uma mijadinha em cima e comia. Bota tempero aí!

Minha mãe tinha um puddle, o Luizinho, que regulava de tamanho com ele. Brincavam horas. Ficavam em êxtase quando um mijava na cara do outro. Era o ponto alto da brincadeira.

Tinha também o Bastião, um buldogue branco gordo e irascível. Pulava na gente. Brabo. Um dia perdi a paciência e sentei uma fita de vídeo na cabeça dele. A força com que fiz aquilo foi brutal. Bati pra matar. Quando vi, ele ficou com uma cara faceira, como que pedindo mais. Gostou do barbarismo. Minha irmã, que assistiu à cena lamentável, chorava.

E tinha o Trapizomba. Um Pastor Alemão gente finíssima. Dócil e amigo. Pagava uns boquetões inacreditáveis pro Luizinho com uma língua de 20 cm. Slurb, slurb, slurb. O Luizinho ficava de olhos arregalados. Estático. Não acreditava que pudesse existir tamanho prazer.

Uma noite ouvimos um grito na área e quando abrimos a porta o Alvin tava com um olho pra fora. O Trapizomba deve ter mastigado a cabeça dele e a pressão fez o olho saltar. Não deu pra salvar o olho. O veterinário operou e descobriu que ele tinha catarata no outro. A partir deste dia, além de mijar sem parar, ele começou a latir também. Latia 24 horas.

Isto aconteceu já faz bastante tempo, Agora todos devem estar ao lado do Senhor, com exceção do Bastião que deve ser cupincha do Demo. O Alvin certamente está mijando todo o céu. Putz. Pensando nisso reparei que aqui no sul não para de chover. Será que tem a ver?


POA - novembro - 15

sábado, 21 de novembro de 2015

ALMA DE ESPELUNCA

...daí vc vai num japonês em q já foi diversas vezes porque os caras são bons e vc gosta e então pede uma cerveja já de cara, porque vc tá muito afim desta cerveja, mas a cerveja demora e vc pede de novo e demora mais ainda e então só é trazida por uma terceira pessoa, e uma porção da comida que faz parte do combinado não vem pra mesa e vc tem de perguntar se está mesmo incluída e tem de pedir mais de uma vez pra que venha e o sabor das coisas resulta surpreendentemente duvidoso, chegando ao ponto de lembrar arroz de leite, pode isso? mas vc come igual, afinal o restaura é legal, vc conhece bem e por isto deve estar apreciando, e no final, meio q contrafeito, pede a conta pra um garçom que não traz e pede pra outro q também não traz e vc,  que já começa a se acostumar com esta nova prática, acaba levantando e vai no caixa, mas no caixa tem um casal q não cede espaço, devem estar pedindo comida pra levar, mas não, apenas estão batendo papo com a mulher q trabalha ali e ela não repara na sua presença e tampouco cessa com a conversa e então é melhor se afastar um pouco pra ficar observando entre dentes aquela falta de senso e de repente alguém que está com vc, q é mais observador que vc, revela a novíssima novidade – Olha só! O restaurante mudou de nome!, então vc metaboliza esta informação fresca  e junta com todos os outros pontos conflitantes e a realidade cai como uma marquise melancólica sobre sua cabeça, a cena se desnuda claríssima, seu pateta, vc acaba de jantar num restaurante q é apenas a casca do q  era antes e q certamente vai rachar e ruir  logo em seguida, vc comeu e bebeu distraidamente, sem notar a alma de espelunca que passeava pelo ar, seu viajandão,  vc só foi descobrir tudo isto quando já era tarde, tardíssimo demais...

sábado, 14 de novembro de 2015

O CIGARRO SEM FUMAÇA

Muitas vezes, quando estou lendo, me vem a sensação de que a literatura é muito maior do que a música. Ainda não sei explicar isto, mas hora destas consigo desenhar com os detalhes necessários. Dia destes consigo pegar o sentido exato e traduzir em palavras. 

Nestes momentos, também sempre me vem à cabeça que já ouvi pintores, escritores e outros artistas famosos dizerem acreditar que a música, sem sombra de dúvida, é a mais fantástica entre todas as artes.

Ontem estava pensando que isto talvez  aconteça pela agilidade que  a música tem. Pela miniatura que pode ser, pela fluidez, por ser fragmento que pode ser interrompido e continuado logo a seguir.  Pode durar 30 minutos mas também pode durar 3. Podemos escutar a mesma música 3 vezes seguidas e no dia seguinte podemos repetir a dose. Em casa, na rua, no elevador. Não faríamos o mesmo com um conto, muito menos com um filme. A arte do humor também não permite muita repetição. A piada logo se torna velha.
 

Só na música existe o bis imediato. No final de uma peça quando todos se levantam,  fico com o maior medo de que peçam bis e que se repita a peça toda de novo.

Agora mudando de assunto, mas continuando no mesmo. Teve uma época em que só se aplaudia de pé aquilo que era muito fantástico. Hoje as pessoas aplaudem qualquer coisa de pé, mas acho que, na real, ficam de pé porque não suportam a ansiedade. “Beleza, tava muito bom, tava ótimo, mas quero sair daqui logo de uma vez”.

Antes era mais pelo cigarro, mas agora as pessoas querem sair pra teclar. Muitas delas nem aguentam esperar o fim. Teclam no meio do filme, do concerto, da peça. Acho que existe gente que entra numa sala de cinema só pra poder teclar sem ser incomodada.

O smart phone é o cigarro sem fumaça e é um cigarro que vai se revelando pouco a pouco. Vicia e vicia muito.

Não faz mal ao pulmão. Parecia inofensivo. SQN.

domingo, 8 de novembro de 2015

OS SAPATOS ESQUECIDOS


Nos últimos dias se tornou comum que maus pensamentos me visitem no momento em que abro a porta de casa para tomar o corriqueiro rumo da padaria. Desconfio que isto anda rolando com você também.

Isto certamente está acontecendo devido à notícia que já se espalhou por todas as querências de que na realidade não há e nunca houve efetivo policial à altura para frear a criminalidade que está por aí.

As autoridades fizeram este desfavor à comunidade riograndense. Informaram aos meliantes que eles podem ir pra galera sem medo.

Ontem, depois de vencer o aflitivo pensamento de que alguém pode me apontar uma arma, saí pelas ruas e um outro novo sentimento me tomou. A atmosfera anda muito esquisita. Estamos em novembro, mas as cores do céu, tenho certeza, são de maio. E estes ventos gelados só podem provir dos Alpes Suiços. É cosa de louco.

Estas constatações misturadas vão dando uma sensaçãozinha de final dos tempos. Não é?

Então estava caminhando e tentando digerir estas impressões, quando me deparei com algo que vez por outra acontece, e sempre me assombra.

Ali, no meio do passeio público, numa calçada que não tem muito movimento de passantes, havia um par de sapatos jogado, esquecido. Acho que eram sapatos femininos e estavam em muito bom estado. Eram sapatos quase novos. Como explicar sapatos deixados assim na via?

Então resolvi fotografar, não sem antes dar uma boa olhada ao redor pra me certificar que não havia ladrões malvados querendo confiscar meu precioso smart phone.

Fotografei porque a configuração deles era por demais curiosa e sugestiva e juro que não mexi na cena.

Era como uma pose de Fred Astaire. Como se a pessoa tivesse sido abduzida em algum momento qualquer em que a dança lhe estava proporcionando extrema alegria. Os sapatos deixados seriam uma espécie de assinatura dos extra terrestres.

Este já é um sentimento bastante melhor. Antes, quando via sapatos bons esquecidos na rua, sempre me vinha a ideia de que o dono havia de certa forma desistido. Ou que havia chegado à conclusão de que sua vida tinha chegado num ponto tão ruim que seria melhor começar tudo de novo. Descalçar os sapatos e abandona-los seria a primeira atitude, mesmo que isso viesse a acontecer em praça pública.

Depois que o chapéu saiu de moda, o sapato se tornou a peça mais emblemática da indumentária. Conheço gente que acha que você pode vestir qualquer trapo, mas os sapatos tem de estar bala. Estas pessoas acham que se você calçar um bom sapato, já está bem vestido.

Se você leu estas imprecisas linhas e viu a foto, deve ter notado que há cocô de pássaro num dos pés.

Isto também me fez pensar que talvez esta mulher, a dona dos sapatos, estivesse indo à padaria, assim como eu, e assaltada por esta imensa gama de maus pensamentos, fez algum desesperado pedido aos céus que foi imediatamente atendido, e no momento em que viu que havia se livrado de vez de sua triste condição humana, bateu asas e se foi, não sem antes dar uma boa cagada no símbolo de sua jornada.

Eu já ia dando o "enter", quando ainda me veio o palpite final de que talvez um fantástico beijo a tenha tirado do solo, a tenha feito levitar para logo em seguida ser levada nos braços pelos fios da madrugada, um beijo que a deixou assim, assim, sem palavras, sem lembranças, sem enredo. Um beijo que a fez esquecer dos sapatos e de todo o resto... um beijo daqueles que ri de tudo, que ri até do medo.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

CONSULTAS MÉDICAS E MULHERES BRABAS

Já faz tempo, andava me gripando muito e resolvi marcar uma consulta com um homeopata que diziam ser fera. Entrei no consultório, ele pediu pra eu tirar os sapatos e deitar numa maca. Então começou a me examinar e foi fazendo algumas perguntas. Num momento dado ele quis saber se eu sentia um calor esquisito nos pés. Respondi-lhe que não. 

Ele seguiu com a consulta e logo repetiu a indagação ao que respondi. 

- Não, Dr. Me sinto muito bem com meus pés. 

Ele pareceu contrafeito, mas seguiu com o exame e fez 3 ou 4 perguntas seguidas e rápidas e logo veio com a carga novamente.

- E nos pés? Não sente um tipo de calor?  

Tentando me pegar distraído, hein? Não consegui conter o riso e continuei negando. Negaria até a morte, afinal de contas nunca senti calor algum nos pés. 

Depois de terminado o exame ele estava me prescrevendo as medicações e me explicando algumas coisas tipo:

- ... os resfriados constantes provém de um excesso de água, e isso é o que faz você sentir este calor nos pés que é o sintoma...

Caraca. Fiquei olhando pra ele. Comecei a sentir um calor nos pés, mas devia ser uma vontade de sapecar um chute na bunda do cara. Me receitou uma penca de remédios caros pra caramba, com umas dosagens complicadíssimas, e a metade não encontrei nas farmácias e  acho que até mandei fazer e nunca  busquei. Mas quer saber? Não tenho nem nunca tive calor nos pés. 

Um tempo depois fui numa iridologista. Sabe o que é, né? Pela íris o médico descobre todas as perebas que a gente tem. Entrei no consultório, ela mandou sentar. Se aproximou e ficou assim, de pertinho, olho no olho. De repente falou.

- O senhor bebe?
- Bebo sim.
- Hmpf.
- Você sabe isso só olhando a íris?
- Não. É pelo bafo mesmo. 

Coisa parecida com o anterior. Consulta barata pra alegrar a gente, no entanto os remédios homeopáticos uma fortuna. Ah. Outra coisa.  Só manipulavam na farmácia que pertencia a ela. Não fiz, é claro.

No Rio de Janeiro fui num peruano, especialista energético. Deitei na maca e o cara começou a botar umas fichas de pedra em cima do meu corpo. Na testa, no pescoço, no peito. Nos chakras, certamente. Se retirou do recinto, que se não me engano tinha música Zen e incenso. Daqui a pouco voltou e começou a tirar as fichas. Sentenciou com um  sotaque castija:

- Você está com a próstata inflamada. 
- Não. 
- Não? 
- Acabei de fazer exames da próstata. Minha próstata tá a milhão.

O cara embrabeceu. Pode?

Estas consultas todas foram inventadas pelas mulheres. Sempre obedeci às mulheres. Então elas inventavam que eu devia ir e eu ia. Sempre fui ameba. 

Aqui no prédio tenho um vizinho que tem uma mulher bonita que grita ensandecida com ele. Enche o magrão de desaforos. Fico com a maior inveja. Faz tempo que não tenho mulher que grita comigo. 

Pra terminar, aqui vai mais uma experiência. Esta não aconteceu comigo. Acho. 

O cara sentou na frente do gastro e começou a se queixar.

- Doutor, pela manhã náusea ao escovar os dentes. Uma dor aqui do lado direito sempre incomodando. E diarreia também. Dia sim, dia não.

O doutor ouviu aquilo tudo e perguntou.

- O senhor bebe?

O rosto do paciente se iluminou com um sorriso.

- Aceito.