quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

NO MOTEL

Eles estavam em uma cama de motel e a coisa caminhava dentro da normalidade até o momento em que a mulher do quarto ao lado, possuída pela volúpia, começou a gritar.

- André!?
- Que?
- Os gritos desta mulher tão te perturbando?
- Humpf.
- É que a coisa desmanchou, né?
- Sabe o que é?
- Fala.
- Estes gritos.
- Que que tem?
- São da minha mulher.
- Sério? Tá brincando.
- Sério.
- Ela grita desse jeito? Ah! Mulher grita tudo parecido. Nem esquenta.
- É que ela falou.
- Falou o que?
- Hóstia.
- E aí? 
- É que quando ela tá com tesão ela fala hóstia.
- Mas por que?
- Ela é andaluza. É uma expressão espanhola.
- Puxa vida. Que peninha de tu.
- Óh. Tá ouvindo? Falou de novo.
- É. Ouvi sim. Ela fala hóstia mesmo.
- Quer ver que se a coisa esquentar ela vai falar “me cago em la hóstia”? Prestatenção.
- Hum.
- Óh! Ela falou. Ouviu?
- Ouvi sim, mas parece que depois disso ela falou mais alguma coisa.
- O que?
- Se não to enganada ela falou “me cago en la hóstia Valdemar”.
- Tem certeza?
- Acho que tenho.
- Taquiuspariu. Não pode ser.
- Por que? Quem é o Valdemar?
- Meu sócio.
- Ai, que júdio, querido.
- Putz.
- E agora?
- Agora vou ficar aqui pra ver se ela goza.
- Mas como é que você vai saber?
- Ela também  fala nessa hora.
- Fala o que?
- Por mis cojones.
- Que que é isso?
- Por meus culhões?
- Mas ela tem culhão?
- Sei lá. Acho que na Espanha todo mundo tem porque essa palavra tá em tudo que é frase.
- Entendi.
- Óh, escuta como ela grita.
- Hum.
- Óh. Tá ouvindo? Ouviu?
- Ouvi sim.
- Gozou, a safada.
- E acho que gozou, e gozou muito bem. Falou “por mis cojones” seis vezes.
- Não, não... Não foi tudo isso. Falou três, no máximo quatro vezes.
- Eu contei, querido. Ela ia falar a sétima, mas acho que se engasgou no meio.
- Parius. Valdemar mandou ver. Comeu minha mulher, fiadaputa.
- Mas peraí, André. Você não tinha me dito que era casado.
- Você não perguntou.
- E eu aqui, ainda com pena de você.
- Hum.
- Chupa, chapéu.
- Hum.
- E não chora.
- Hum.
- E para de falar hum.
- Tá.
- André.
- Que?
- Fazer cocô numa hóstia dá tesão?

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Â


Ânimus vinha descendo a ladeira pensando que não teria muitas horas para dormir e a segunda feira que estava despertando, já começava a cuspir os primeiros carros das moradias e foi na esquina que Ânimus se deteve, pois ali havia uma porta de garagem branquinha, impecável, e por que não?, ainda não havia pessoas na rua, coisa mais simples é abrir a bolsa e tirar o tubo e serão alguns movimentos rápidos, uma breve coreografia e o rapaz de braços longos sentiu o cheiro acre da tinta esvoaçando, isto era o oxigênio que fazia seu coração palpitar e então, mastigando a raiva, de olhos fechados, na ponta dos pés e braços abertos, elegante como um toureiro, caminhando de costas, afastou-se dez pequenos passos, respirou fundo e num repente escancarou os olhos para admirar o resultado final, picho massa, ficou irado, brother, inda mais com uma baita luz que bate nele pra galera toda poder visualizar até na madruga, e vai irar geral, man, vai irar as pessoas que vão criticar a mácula negra feita naquela porta tão recém pintada, uma maldade, uma falta de respeito, dirão e pensarão os passantes, e Ânimus devolveu o tubo à bolsa e desfez o sorriso pois a claridade do dia que se aproximava apontava obrigações e virar a noite sempre lhe trazia uma sensação de que haveria uma segunda vida atropelando uma primeira que nem foi vivida direito, uma vida de solavancos e tropeções e esta merda de sol já vai aparecer, viver deveria ser uma noite interminável onde a gente pudesse pichar até as nuvens pra irritar Deus, que certamente é o que mais merece, e Ânimus se foi ladeira abaixo com estes pensamentos num passo de soldado que tem intimidade com a guerra, porque do jeito que a coisa é, é guerra mesmo e não tem outra palavra.

Exatamente uma hora depois, enquanto Ânimus, o bancário, cabeceava seu sono no ônibus superlotado, aquela porta recém pichada foi abrindo lentamente e o carrinho azul de Cora, a professora, emergiu da casa que ainda cheirava a café e quando o portão se fechou não demorou muito para que ela deixasse o veículo e colocasse as mãos na cintura para observar o presente de Ânimus, os traços vigorosos e expressivos que foram feitos em tão poucos segundos e ela inclinou a cabeça para mudar os ângulos da visão, colocou a mão no queixo e decidiu retornar à casa por uma porta lateral e não tardou a voltar à rua com tintas e pinceis e sem perda de tempo usou gris e vermelho, alguns detalhes apenas, uns poucos contornos escarlates muito vivos e traços cinza chumbo aqui e ali para sublinhar as formas brutas daquela garatuja negra que o pichador havia feito durante um passo de balé e Cora tomou distância para enxergar o resultado e já havia escolares da vizinhança observando com curiosidade aquela atividade rara, tão cedo da manhã e a professora, depois de coçar a cabeça para saber o que a cabeça dizia, voltou a entrar e a sair novamente com aquilo que faltava, o amarelo, apenas alguns respingos de amarelo, um quase ocre, coisa pouca, pequenos sóis e aí então sim, estava concluída a criação que talvez lembrasse um tanto alguma figura nipônica, mas aquilo também era Espanha, o amarelo deu ares de escudo e brasão, assim pensou a professora que abaixou-se com divertida agilidade para desenhar sua assinatura no fundo preto, imitando os caracteres que usava Miró e então ouviu o alarido entusiasmado da gurizada que descia apressada a ladeira em direção ao colégio, que já eram quase oito, viu que estava atrasada, havia de meter-se 
logo de uma vez  em seu carrinho azul e ir-se, pois do outro lado da cidade havia muitos alunos esperando, ávidos pelas cores de Cora.

Foi na quinta de madrugada que Ânimus enxergou de longe a viatura estacionada na ladeira. Pensou que seria melhor entrar por uma rua transversal e assim evitaria passar pelos PMs, mas andava farto deste sentimento cansado, o medo, então decidiu continuar sua marcha com seu passo decidido de oficial e lembrou do picho daquela noite vagabunda e ficou curioso, vamos ver se essa gente limpou ou pintou a porta de novo, mano, que se isso aconteceu não vai dar pra repichar porque os homens tão no bico, meu, e o rapaz foi se aproximando e diminuindo o ritmo pois já podia perceber que havia cores sobre seu desenho e não estava entendendo o que poderia ter acontecido e completamente alheio aos policiais que agora estavam a poucos metros de distância, estancou em frente à garagem de Cora e a raiva companheira de todo o sempre não deu as caras desta vez e sim um assombro que lhe invadiu o corpo deixando as pernas trêmulas com aquela visão e a palavra que seus lábios deixaram escapar uma vez se repetiram mais duas, bonito, bonito, bonito, bro, que coisa essa, mano, que dá assim bem aqui no peito, uma ânsia de gritar e rir e chorar tudo ao mesmo tempo, mano, e Ânimus foi observando os detalhes dos traços enquanto passava a mão pelo metal do portão, como um marceneiro que alisa com carinho a madeira que foi recém trabalhada, e então reparou que havia letras na parte inferior e agachou-se para ler Cora em amarelo no fundo negro e pensou que sim, mano, eu também quero colocar aí a minha firma, tá ligado, eu também sou autor, mas os homens tão aqui bem nas minhas costas me fresteando, brother, já escuto até as vozes, eles vão meter confusão, mas eu coloco a bolsa aqui no meio das pernas e os caras não vão sacar minha intenção, porque tem de ser agora, porra, é só um A e um chapéu em cima, vai levar meio segundo e depois de feito tá feito, bro, e daí me jogo pela viela e mesmo que eles venham com o cambura eu me lanço na praça que tá pertinho, véio, e na praça ninguém me segura, eu sempre fui sombra da noite, e então com cuidado o rapaz tirou o tubo da bolsa e preparou o ataque, Ânimus, neste instante ouviu que as vozes dos militares haviam subido de tom, certamente já se dirigindo a ele que sem mais, ao lado direito de Cora, num átimo, rabiscou seu  e a fuga começou com passos rápidos pela ruela mas o som dos coturnos fez Ânimus desabalar carreira pela ruela escura, eu corro pra caralho, mano, com aquela farda pesada eles não me pegam, eu sou The Flash, porra, e este som, o que é isso? estes locks tão me mandando pipoco, man? tão atirando em mim? mas que gente mais doida e malvada, malvada e sem talento, mandaram bala e erraram todas, descarregaram os berros e nenhuma pegou, man, eu corro pra caralho que sinto o ar gelado na cara, este vento é meu,  corro tanto que tô até voando, tão bom voar assim, enxergando tudo que é telhado das casas, porque voando desse jeito vou pichar terraço pra ser visto de avião, vou pichar arranha céu e o caralho, man, tudo que é monumento nas maiores alturas vai ganhar meu desenho e minha firma, voando assim desse jeito, tão leve que tô, man, voando assim eu picho o planeta.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

NA NUVEM

Eu tinha postado um texto e ela gostou e digitou qualquer coisa  e vi que ele logo em seguida respondeu ao comentário dela com uma figurinha e fiquei assistindo a ela simpaticamente devolver a cortesia e ele não ter dúvida de mandar de volta uma figura com coraçãozinho, corajoso que é, pois uma figurinha deste naipe geralmente cria uma estrada sem retorno, e observei quando ela contestou com um kkk e ele então inventou uma frase de efeito que ela respondeu à altura e logo surgiu o silêncio que sempre pode sugerir uma fuga para o inbox e justo uma semana depois, com o Arpoador ao fundo e luzes de um sol da mais pura justiça que banhava a tudo e a todos, lá estavam eles, num beijo destes de filme antigo, numa foto que já está lá na nuvem e dali jamais sairá, mesmo que um dia o planeta esteja completamente desabitado, o beijo daqueles dois é uma paisagem que é pra sempre, pelo menos dentro da minha retina, e tudo isso me fez lembrar Galeano que disse algo parecido com "somos todos mortais até o primeiro beijo e o segundo copo, e qualquer um sabe disso, por menos que saiba".

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

DESTA VEZ DECAPITANDO



Quando terminou 2016 eu desejei feliz ano velho aqui nestas páginas, pensando que 2016 não nos deixaria tão cedo e confesso que achei este ano muito doloroso, mas também muito valoroso. Aprendemos bastante neste tortuoso caminho ou pelo menos foi uma boa chance pra aprendermos alguma coisa, quem sabe darmos uma amadurecida.

Agora, o que a gente tá vendo é que este 17 que se apresenta parece que vai nos fazer ter saudades do 16.

Então já me vem de novo aquele célebre diálogo do Millôr.


- O Brasil está melhor!
- Melhor como?!
- Melhor que no ano que vem.

O país polarizado, a gente se espancando, se ofendendo, se odiando, todos a bordo de uma mesma nave que em velocidade imutável, inexoravelmente vai pelo espaço em direção a um gigantesco muro.

Não dá pra acreditar que de uma hora pra outra tenha ficado tão clara a nossa idiotia, a nossa preguiça, nossa inoperância.

Estávamos nos achando. Pensávamos que tínhamos evoluído como nação.

Que nada.

Nem imaginávamos que este era um país bomba relógio. Uma faísca jogada na gasolina. Um edifício construído em alicerces de isopor.

Tão falando em Lula pra 18. Como? Vai fazer aliança com quem? E pra que? Nossa decadência moral é tão gigante que não tem sentido nenhum. Não temos ferramental humano pra construir nada que preste nesse momento. E mesmo que Lula pegue, vai ser amparado por qual justiça? Aqueles juízes melequentos e comprometidos que toda hora vem pra TV assegurar que as instituições estão firmes e fortes?

E tem mais. Os coxas não deixam isso acontecer. Foram autorizados pelos homens da lei a dizerem quem joga e quem não joga neste campinho.

Melhor deixar rolar. Deixar um ordinário destes da direita pegar o poder e exterminar o que ainda sobra do país.

Depois da convulsão, se ficar algo de pé, a gente reconstrói. E desta vez com cuidado. Desta vez varrendo de uma vez por todas aqueles que sempre e sempre repetiram a mesma molecagem. Desta vez decapitando.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

CURSO DE ARRANJO

Esta semana recebi um amável convite para administrar um importante curso de arranjo.

Realizar-se-á na Floricultura Pareci semana que vem. Serão cinco aulas.

Primeira aula: Como despetalar a margarida sem que ela choramingue.

Segunda aula: A harmonia de seu jardim. Se você tem pavor de que o cravo brigue com a rosa, jamais os coloque debaixo de uma sacada.

Terceira aula: Como transformar sua planta carnívora em vegana em três etapas.

Quarta aula: A importante técnica de manter sua tulipa sempre cheia.

Quinta aula: Como fazer com que sua samambaia deixe de ser uma parasita e decida procurar emprego logo de uma vez pra botar algum dentro de casa.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

CHAT NO WATT

- Alô.
- Oi, querida.
- Tudo?
- Médio.
- que foi?
- Pressão.
- Como assim?
- Sei lá. A alma apertada.
- Sério?
- É. O espírito parece que não vai suportar o descompasso do mundo, das pessoas.
- Hum.
- E uma coisa vai tomando conta...
- Que coisa, Otávio?
- Sei lá, é como se fossem tentáculos que obstruem a possibilidade da gente sentir, de se expressar.
- Tanto assim?
- É. Tanto assim, querida.
- Hum. Sei. E tem algo que eu possa fazer por você?
- Tem.
- E o que seria?
- Me manda uma foto pelada.
- De novo, Otávio??? Ontem você tava com aquela diarreia e te mandei 5 fotos peladas. Olha aquelas.
- Aquelas não tem mais validade, Lia. Foram enviadas pra curar um outro tipo de mal.
- Aiaiai, querido. Essa aposentadoria tá te fazendo mal. Quem sabe você espera eu chegar em casa e me pelo pra você.
- Isso não adianta. Você sabe.
- E o quê que adianta receber foto pelada de quem tá casada com você há mais de 30 anos?
- Ah, sei lá. Daí imagino que você é uma vadia asquerosa que fica mandando foto pelada no meio do expediente.
- E este tipo de foto melhora a pressão?
- Melhora muito.
- Teu espírito vai ficar mais levinho, meu Dodô?
- Humhum.
- Tua alminha vai ficar coisa queri?
- Vai sim.
- Não amola, Otávio!
- Não vai mandar?
- Não, né? Ontem quase me pegaram nua no banheiro que tá com a tranca estragada. Se isso acontece, tô demitida! Sem chance!
- Nem um peitinho?
- Não enche Otávio, tenho de trabalhar!
- A coxa. Manda uma da coxa, pelo menos. Você saiu de vestido hoje, que eu vi.
- Não amola. Levanta daí e vai lavar a louça que a pia tá cheia.
- A panturrilha? Manda da panturrilha, querida, por misericórdia...
Tu-tu-tu