segunda-feira, 30 de março de 2020

29/março/2020

Acordei com a certeza de que hoje era segunda. Acho que vai ser uma tendência nos perdermos no tempo.

Fomos tomar sol. Mami e eu. Diz que é importante a vitamina D contra invasões viróticas.

Diz também que alguns chás contém interferon que também combate. Chá verde, dente de leão e camomila. Ontem vi uma lista de alimentos que aumentam o ph do sei lá o que, mas acabei perdendo.

Desde o começo da quarentena não bebo uma gota de álcool. Pretendo diminuir o açúcar.

Mas ficamos tomando sol na frente do cachorro. Escultura de meu avô. Gostamos do cachorro. Nos esquecemos dele por anos e entao, como hoje, voltamos a falar sobre ele. Ele transmite uma enigmática dignidade.

O GRUPO

De repente, não mais que de repente, plim!

Me colocam num grupo no MSN.

Fico alvoroçado com o fato.

No entanto, é geralmente infrutífera a tentativa de achar para qual finalidade o grupo serve.

Mesmo assim, não saio do grupo.

Não me queixo nadinha.

Tampouco demonstro que me acho uma grande especiaria gritando no Face que não me coloquem em grupos.

Mantenho a serenidade dos humildes.

Noto que boa parte das pessoas interage mandando um dedão.

Outras poucas fazem algum comentário que, apesar do esforço, não consigo entender.

Mas a grande maioria vai saindo do grupo, sem dar qualquer explicação.

Se vão em debandada como ratos irritados em fila indiana, afinal de contas, são pessoas sérias que têm mais o que fazer ao invés de perder tempo num grupo de MSN sem sistema. Ora, por favor!

A tudo isso observo com bastante interesse e curiosidade.

Fulano saiu do grupo.

Beltrano saiu do grupo.

(fico aqui com meus botões. Será que alguém se magoa com tais procedimentos? Nunca verifiquei queixa).

Siclano saiu do grupo.

Passada a ventania das evasões, me resta a sensação de estar sozinho.

Melancolia.

Observo bem. Só sobrou eu mesmo.

Mantenho o silêncio por um tempo indeterminado.

Seguido a isso, para tirar todo e qualquer tipo de dúvida, grito a plenos pulmões;

HELÔOOOU! Tem alguém aí!!??

Não há resposta.

Nada.

Sendo assim, com a calma de um diretor de almoxarifado, desligo a luz e fecho a porta sem ruído. Há que se ter um pouco de responsabilidade nesta vida virtual.

Então, com a redentora sensação do dever cumprido, posso perambular pela casa quase sem nenhuma culpa e quem sabe até procurar uma bergamota perdida pela geladeira.

Bah.

É o que tem.

O que tem é pouco, eu sei... mas pelo menos é.

quarta-feira, 25 de março de 2020

23/março/2020

Hoje é segunda feira e parece que talvez isto não faça tanta importância, se é segunda ou quinta ou sábado. Estamos enclausurados e temos medo. Além do medo, nossas consciências não estão serenas pois lá fora tem gente que não queria estar lá fora, mas precisa estar. Ao mesmo tempo, surpreendentemente, tem gente lá fora desdenhando dos riscos ou não se importando com os riscos que podem criar para outras pessoas. Cada vez mais me encho de certeza de que uma parte do povo brasileiro está doente e o flagelo que nos assola é a peste sobre outra peste. A esperança é de que se anulem. Seria divino.


Estava agora papeando com uma amiga sobre a peste. Falávamos sobre o traste (deixei de usar o termo “besta”) e sobre os contaminados do desgoverno. Minha amiga não tá muito ligada no nome dos atores que compõem a despolítica e quando perguntei a ela se tinha sabido sobre o Alcolumbre, ela se animou, pois pensou que haviam inventado um novo tipo de álcool gel pra satisfazer a demanda.

Hoje repostei um velho texto sobre fantásticos episódios de meus três filhos quando crianças. Logo vieram a Marilice Corona e a Jannice Corona e lembraram de outras passagens que conto a seguir.

Tato e a Mana estavam na sala brincando com o botão liga/desliga da TV e o controle remoto ao mesmo tempo. Maior curtição. No mesmo momento um ligava e o outro desligava. Não demorou muito pra TV estragar e perder a imagem, ficando apenas o som. A mãe colocou os dois de castigo e ouviu a seguinte conversa vinda do quarto:

TATO - Pobrezinha da mãe. Ficou sem TV.
MANA - Mas agora ela tem um radião.

Certo dia o Tato perguntou à mãe se uma pessoa podia viver duzentos anos e ela, ocupada que estava, não querendo encompridar o assunto, respondeu que sim, que o Matusalém tinha vivido quatrocentos anos.

Alguns dias depois, Tato estava brincando com um amiguinho e o assunto caiu na idade e de repente ele grita do quarto:

Mãe, como é mesmo o nome do teu amigo aquele que tinha quatrocentos anos?

Acho que é um momento em que tá todo mundo cheio de lembranças.

21/3/2020

Oitavo dia da quarentena. Aqui em Porto Alegre fez um dia lindo, tão lindo que fica difícil acreditar no que está acontecendo em nossas vidas.

Músicos do mundo inteiro estão fazendo lives e ontem vi Chick Corea falando sobre Jobim e tocando Insensatez direto de sua casa.

Músicos e artistas variados daqui da região começaram a se organizar para encontrar uma saída para este problema gigante que vamos passar. Trabalho zero.

A última tocata da qual participei, antes da clausura, aconteceu no Odeon. Foi numa sexta, dia seis deste mês. Fui substituir Leandro Hessel na banda Jazz Guig. Estudei um pouco o repertório pra não fazer feio e tomei um Uber. Depois de muito tempo de abstemia pra tocar, resolvi encher o pote com o Chope do Celestino Paz Santana, que é de primeira. Odeon tava lotado de uma gente interessada no som que rolou macio e com boas dinâmicas.

Num determinado momento, em meio a uma bossa, fiz uma citação do jingle da Varig. Este jingle é uma espécie de fotografia que trago sempre nos bolsos e pra mim significa um pequeno retalho de felicidade.

No momento em que terminei a frase, vejo que lá do outro lado, o Marcelo Figueiredo sorri pra mim. Ele havia entendido. E mais que isso. No intervalo, meu bom e velho amigo, veio me contar com olhos marejados que o pai estava na UTI e que era uma questão de dias ou talvez até de horas. Me abraçou e disse que eu tinha dado a ele uma grande ideia, pois o pai havia trabalhado na Varig toda a vida e tinha muito amor pela empresa. Disse também que levaria seu sax até o leito do pai pra tocar pra ele e que certamente o velho iria gostar.

De fato, acho que o pai do Marcelo veio a falecer dois dias depois.

Mas daí é bom tentar rir um pouco e lembro de um episódio que já faz uns trinta em que chegamos cedo a um Pub que ainda estava fechado e depositamos nossos instrumentos na porta do local. Ficamos afastados alguns metros, quatro ou cinco músicos conversando, quando um menino de uns vinte anos se aproxima da gente, aponta pros instrumentos e, animado, indaga.

- Aquilo ali é um sax, né?

Acho que foi o Marcelo que respondeu ao rapaz e ainda falaram sobre alguns detalhes do instrumento e logo alguém perguntou se ele também tocava. O guri fez uma cara de bonzão e mandou.

- Eu tenho o meu curso.

Como ele tinha vindo da direção de onde ficava situado o Clube da Saudade, pensei que talvez pudesse ser profissional e tocasse ali. Perguntei.

- E tu toca no Clube da Saudade?

O menino levantou os braços, como quem pede desculpas por algo. Respondeu.

- Não, não. Eu só particular.

Carregamos por anos essa brincadeira do “eu só particular”. Acho que nesta data ali também estavam o baixista Ze Natálio e o Baterista Jua Ferreira.

Aqui vai um videozinho do lindo jingle da Varig, uma marcha rancho em tom menor que embalava os natais de minha infância. Mais tarde a Varig comprou a Cruzeiro e adicionaram à peça um rabicho em tom maior pra logo então vir a famosa assinatura Varig,Varig, Varig.

domingo, 22 de março de 2020

20/março/2020

Acho que é o sétimo dia da chamada quarentena. Vamos tentando nos adaptar a este flagelo que já está à nossa volta. O medo e a incerteza nos acompanham nestes dias. Tenho pensado que cada dia é um dia. Um dia a mais que vamos bem.

Tenho feito contato diário com os mais próximos pra saber como estão de ânimo, se precisam de alguma carona pra supermercado ou farmácia. Hoje tive de sair pra buscar medicamentos pra minha mãe. Fui a algumas farmácias. Existe medo de que as pessoas também acabem com os estoques das farmácias.

Mas queria contar um lance bacana.

Minha mãe tem um primo. O Nei. Regula com ela de idade. Uns 85. No fim do ano fomos visitar o Nei que estava com graves problemas circulatórios nas pernas e teve de amputá-las. Se pensou que não resistiria à operação, mas resulta que foi se recuperando lentamente e parece que está muito bem, voltou o ânimo e tudo. O Nei sempre foi um cara atencioso com todas as pessoas. Muito afetuoso o Nei. Um astral leve.

Ontem, fez aniversário e minha mãe ligou.

Ele parece um tanto alienado com o que está acontecendo. Ficou feliz com o telefonema e contou como andavam seus dias.

- Olha, Magali.Tu nem sabe como tenho dormido. Eu durmo muito. Sabe por que? Porque eu sonho. Sonho com minha mãe, com meu pai. Sonho com meus irmãos. Sonho com nossa casa lá em Serafina e estamos sempre brincando na casa, no quintal. Vou pra cama, Magali. Durmo e sonho todo o tempo. É tão bom.

Acho que neste momento estamos todos sonhando acordados com vários momentos passados de nossas vidas.