segunda-feira, 8 de maio de 2023

ZUUUULLLL


A mana falou pra Cata que sempre que a gente enxerga um carro azul, a gente vai ter muita sorte. Então, quando a Cata grita ZUUUULLLL, a gente sabe que ela viu um carro azul e está feliz porque vai ter muita sorte.

Há muitos carros prateados, brancos e pretos pelo trânsito. Há também vermelhos em bom número, mas carro azul é raro de se ver. A simpatia da Cata ficou na minha cabeça e sempre que passa um carro azul eu reparo e penso na sorte que isto vai me trazer.

Dia destes, no estacionamento do Super, havia uma BMW fantasticamente azul. Pensei na sorte que isto seria e também pensei na sorte do proprietário, é claro. Saímos juntos do estabelecimento e o cara, no sinal, acelerou o carro que, surpreendentemente, tinha a descarga aberta fazendo um barulho desgraçado. A máquina gloriosa e ruidenta ultrapassou facilmente os carros dos mortais que estávamos por ali, mas logo embicou numa entrada de prédio e desapareceu na garagem. O prédio era modesto e isso, somado à atitude do motora, me fez desconfiar que poderia ser uma lataria de BMW grudada no chassi e motor de um Maverick envenenado. De qualquer forma, o carro me pareceu lindo naquele azul que fui pesquisar numa tabela e resulta se tratar do Azul Capri e disso tenho alguma certeza mas não muita

Mas o que gostaria de contar é que a simpatia da Cata me ficou tanto na cabeça, mas tanto, que, na noite passada, até cheguei a sonhar com o fato.

Estava eu por uma Rambla pilotando um conversível enorme de um azul celeste absoluto e quando falo "celeste absoluto", significa que o azul não pode ser mais celeste do que é. Fui dirigindo aquela nave pelo macio do asfalto perfeito da Rambla de Badej, e a cor daquele mar, assim como a cena dos aviões decolando ao fundo da paisagem, me deram a certeza de que sim, de que estava em Badej, a cidade das poetizas itinerantes e logo lembrei de que o prefeito da cidade, para que Badej viesse a ter muita sorte, havia proposto que carro azul não pagaria estacionamento e os badejianos, que tem por tradição amealhar todo tipo de trocados, foram sensíveis ao apelo do alcaide e, em massa, adquiriram veículos desta cor. Quem não pode comprar, pintou.

Não preciso dizer que este movimento promocional trouxe um grave problema aos cofres públicos, pois a arrecadação de estacionamento chegou perto de zero, e mesmo que Badej estivesse coberta de sorte, o mandato do prefeito correu sério risco.

Uma rara exceção neste mar de veículos azuis é nossa Tia Vilma que continua, teimosamente, trafegando com seu Prefect bege.

- Não mudo a cor do meu carro. Gosto de bege. Bege é fino.

Ela trafega pouco, mas quando anda pela via, pode ouvir vaias de todos os lados ou até mesmo uma admoestação mais incisiva.

- Essa véia não é badejiana. Não tem vergonha, véia?! De andar por aí com esse carro cor de cocô!?

Apesar de possuir extrema cultura, o cidadão médio badejiano pode ser bastante desagradável.

Sigo dirigindo e reparo que tenho companhia a meu lado. É uma moça de olhar enigmático e pernas roliças e muito alvas.

- Oi
- Oi.
- Quem és tu?
- Triz.
- Triz?
- É. Triz.
- Que nome estranho.
- Não é nome. É apelido.
- Ah tá.
- Me chamo Geratriz.
- Sério?
- Bem sério?
- E por que?
- Minha mãe é professora de matemática.
- Hum.
- Tenho irmãos gêmeos que ela batizou Seno e Coseno.
- Sério?
- Bem sério também.

Reparei no vestido da moça com detalhes em ló. Ou seria filó? Poderia ser tule também. Eu conheço estes tecidos porque é com eles que se faz goleiras pro jogo de botão. Eu sei que você está achando tudo muito confuso mas devo lembrar de que isso é um sonho. Sonho é sempre uma confusão danada.

- Mas me diga, Geratriz. Onde estamos indo?
- Até o final da Rambla.
- E o quê que há no final da Rambla?
- A catedral metropolitana de Badej.
- E o que faremos na estupenda Catedral de Badej?
- Núpcias.
- Núpcias?
- Sim. Núpcias.
- Núpcias de quem?
- Núpcias nossas.

Foi nesse exato momento que despertei com minha mãe me entregando a vassoura de piaçava.

- A área tá cheia de folha. Dá uma boa varrida e joga as folhas nos canteiros pra adubar.

O que acontece é que aqui tem uma parreira e no outono cai tudo que é folha. Em dias ventosos, você varre e quando termina, tem de varrer de novo. Hoje venta bem.

A palavra núpcias, apesar de eu ter casado bastante, ainda me assusta um pouco, então não acho tão ruim ter o sonho interrompido pra ficar varrendo folhas ao vento. Mas confesso que fiquei pensando bem naquelas pernocas.

Se você leu até aqui, sugiro que, de agora em diante e até o fim de seus dias, você preste atenção aos carros azuis que cruzarem por você na via.

Isso vai te trazer muita sorte.