terça-feira, 15 de outubro de 2019

DESENCONTRO POLAR

Faz um bom tempo que ela e eu começamos a trocar uma ideia aqui pelo Facebook e fui olhar suas fotos e a moça parecia bem bonita e como era gentil, acabamos marcando uma cerveja numa sexta feira.

Em seu perfil não havia qualquer postagem política, mas como era médica e morava num bairro nobre, desconfiei um pouco que fosse coxinha.

Naquele tempo ainda se usava esta expressão, pois o coxinha ainda não havia saído totalmente do armário pra se transformar no ignóbil minion. Coxinha é um termo que foi engolido por este transcorrer histórico supersônico que estamos experimentando.

Mas fui buscar a moça em casa e ela estava me esperando com uma generosa mini saia mostrando lindas pernas e decote admirável.

Fomos de pizza e cerveja, relaxamos um pouco e a conversa ia bem, o papo tava fluindo, quando, num determinado momento, ela engatou por um caminho que me pareceu um tanto esquisito pois começou a falar a respeito de uns desocupados sei lá de onde e seguiu solando e, de repente, pra término da explanação, desaguou na seguinte pergunta.

- ...mas tu não achas, Fernando, que mesmo que a pessoa venha de uma camada bem pobre, ela não chega lá?, não achas que basta se esforçar um pouquinho?

Caraca.

Eu fiquei olhando pra ela, sem saber o que dizer. Eu não poderia responder àquela pergunta sem causar um conflito, pois quando o assunto cai em meritocracia, geralmente espumo uma baba verde e viscosa.

Fiquei lembrando rapidamente que de vez em quando alguém vem me citar o exemplo de alguma pessoa que veio do nada e com muito esforço tornou-se bem sucedida. É um exemplo num universo de milhares, mas isto já basta pra esta gente tratar a rara exceção como se fosse regra e, com ares vencedores, vociferá-la aos quatro ventos.

Não é raro você descobrir que esta pessoa que lutou tanto pra se dar bem, acabou se tornando uma pessoa desprovida de qualquer empatia por seus parecidos de origem, pois durante esta imensa peleia, não houve tempo nem chance pra educar um pouco a alma e a alma, assim, não funciona direito. Resultou danificada.

Mas, voltando a esse impasse da mesa do bar, dei uma enrolada e saí por alguma tangente, mas pude entender que com aquela questão, a moça estava curiosa para saber se nós dois participávamos da mesma equipe e notei que minha reação vacilante que acarretou um pequeno, porém constrangedor silêncio foi percebida por ela que não conseguiu disfarçar uma pontinha de decepção.

Apesar disso, o resto do jantar transcorreu de forma agradável e até rachamos a conta. Achei o fato interessante, pois já havia saído com umas minas de esquerda que não se coçaram nadinha na hora da nota e como sou casquinha, me senti bastante irritado nas  ocasiões.

No momento da despedida, apesar de sabermos que não haveria um segundo encontro, fomos cordiais.

Ela desceu sorridente do carro e acompanhei com o olhar seu trajeto até dentro do edifício. Um par de coxas de tirar o sono. Mas não dava, né?

Agora lembrei de uma charge maravilhosa que andou passando pelo Face e esqueci de salvar. Um cara tá fazendo sexo oral numa mina e ela de repente levanta a cabeça e pergunta:

- Em quem você votou mesmo?

Se alguém tiver, me mande.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A PILHA

Há uma pilha de roupas em meu quarto.

Uma pequena montanha que quase não se equilibra. Se jogar uma meia em cima, implode.

Logo urge arrumar.

Embora pareça, não é uma tarefa fácil e explico.
Seria tranquilizador que houvesse absoluta certeza de que tudo ali estivesse imundo e assim três levas de máquina mais meio OMO solucionariam o problema.

Só que não.

É preciso deixar-me levar pela responsabilidade e estudar caso a caso com todo o cuidado.

Iniciando a função, escolho aleatoriamente alguma  camiseta na pilha e se esta se revelar realmente fétida, meu coração se enche de alegria e, inundado por este novo entusiasmo, jogo a danada ao chão imaginando que logo ela terá companhia.

Possuído por tal otimismo, sigo com a tarefa. Então experimento cheirar outra camiseta e a apreciação da devida nhaca se mostra inconclusiva. Isto significa que já tinha usado a roupa em algum outro dia e a havia separado na categoria "roupas em observação", com a possibilidade de vesti-la novamente e isto certamente não aconteceu por ela ter desaparecido sob a pilha. Este fato me causa uma grande confusão na cabeça pois acho injusto lavar uma peça tão pouco suja.

Ela pode então continuar em observação e isto é um tanto desanimador, pois sei que na próxima vez que for cheirada, à esta nhaca mediana será adicionado o conhecido cheiro de mofo e aí não haverá escapatória e a decisão será dolorosa. Máquina.

Fico cheio de dúvidas.

Então surge uma camiseta impecável do meio da montanha. Está limpa e nada amarrotada. Entro no youtube, aprendo uma forma prática e rápida de dobrar camisetas e a coloco na prateleira. De uma distância média concluo que a dobradura ficou aceitável. Não parece tão embolada. Isso volta a me alegrar.

Então surge um problema grave e insolúvel.

Descubro com assombro que no bolo há uma camiseta limpíssima e completamente amassada. Chego a me imaginar com o ferro elétrico na mão e a cena me faz rir até doer a pleura.

Não, não. Isso é que não. Da última vez que tentei abrir a tábua de passar, ela beliscou meu dedo e a partir daí guardo distância segura da espertinha. Um pianista não pode correr tais riscos.

Daí, para colmo da exaustão, surgem no meio da cordilheira, as camisetas de dormir. São quatro ou cinco. Estão fedorentinhas, mas nada que seja um escândalo digno de máquina. O que se deve fazer numa hora destas? Tentar programar um rodízio sustentável das queridas até ficarem nauseabundas? Mais dúvidas. São tantas dúvidas.

Ia entrar no capítulo blusões, mas o desânimo que me causa este redemoinho de encruzilhadas acaba me levando de volta à cama, onde me atiro à prática enfurecida do sudoku killer e assim acabo deixando tudo como está.

Se você leu até aqui e tiver alguma ideia prática para solucionar estas questões, gostaria de ouvi-la. Grato.