terça-feira, 24 de novembro de 2020

FLORES E FORMIGAS

 Minha mãe preocupada com flores que deveriam aparecer só em outubro e estão desabrochando agora.

Queixa-se também a mami que as formigas andam mais loucas do que nunca.
Diz que quando está pra chuva, aumenta muito o apetite delas. Me mostra a roseira pelada.
- Olha só. Esta roseira, hoje de manhã, estava cheia de folhas. Comeram tudo, as desgraçadas.
Diz também que as formigas se dividem em três bandos.
Tem as que sobem na planta e cortam as folhas.
Tem as que pegam as folhas caídas e recortam.
E tem as que carregam os recortes pra toca.
Minha mãe tem uma luta eterna com as formigas.
São as formigas que levam os vírus pra dentro do computador. Em cima de cada formiga vai de quatro a cinco vírus. Não vai mais que isso. Esta atividade deixa as formigas bem cansadas.
Ainda sobre formigas.
Lembro de que quando tinha uns quinze, lançaram uma revista pra gurizada. Se chamava Pop. Nunca esqueço da carta de um leitor se queixando que havia sido chutado pela namorada por ter a mania de cuspir em formigas. Nesse tempo eu era craque na cuspida, mas pensei que tinha guri bem mais idiota do que eu.
Agora também lembrei que li por aí que quem visita a China fica impressionado com a cidade toda cuspida. Diz que é mania chinesa meter a cusparada. Será que cospem nas formigas?
E ainda.
Era uma teia de aranha perfeita, brilhando contra o sol. Por ser idiota, juntei uma formiga do chão e atirei na teia. A aranhinha veio correndo e em meio segundo imobilizou com seu veneno a formiga que se contorcia. Depois de observar que aquilo não era rango decente, a aranha levou a formiga até à beira da teia e jogou-a no vazio. Repeti a operação. Depois de despachar o terceiro cadáver, a aranhinha colocou as seis patas na cintura e me fulminou com olhar colérico. Saí dali mais assustado do que aborrecido.
Depositei um pequeno punhado de açúcar no balcão da cozinha. Depois de alguns segundos apareceram duas formigas. Elas pararam ali, confabularam algo e comeram um pouco. Logo em seguida se retiraram pra certamente avisar azamigas. Então peguei um pano e limpei o açúcar dali, pras formigas passarem por mentirosas. Devem estar brigando até agora.
É o que tem.
É o que tem,
É o que tem,
É o que tem,
É o que tem, meu bem.

O CAFÉ

 Lembro de uma cafeteria da Rua da Praia que meu pai frequentava. A Bruxa. Fui com ele umas duas vezes, quando pequeno.

Você pagava no caixa e ganhava uma ficha azul, destas de jogatina, e apresentava no balcão. Era um balcão grande e na minha memória só havia homens de terno por ali. E claro, tinha fumaça. Bastante fumaça.
Acho que não havia capuccinos e demais variações.
Era café e só café.
Café preto, como se diz aqui no sul. E vinha numa xícara branca fervendo que dava bastante trabalho segurar. Queimava boca e dedos.
Mas gostei do convite. Me senti homizinho, acho. Aquele café saboroso ficou na memória. Aquele ambiente. A pressa no ar. O alvoroço dos homens que tinham tarefas pela frente e faziam uma pausa ali na Bruxa pra quem sabe reorganizar um pouco a mente e o espirito.
Escrevo isso tomando um café na cozinha.
Café se toma. Não se bebe.
O café que tomo é bastante honesto. Feito nestas cafeteiras italianas. Apesar de haver gente que condena, afirmando que a água fervente queima o café, não encontro em lugar algum um café melhor que este feito em casa e desta forma.
Andei comprando no super uns cafés metidos a besta, mas sabe que não encontro grande diferença?
Daí vem alguém e te oferece um café lá do Peru que é premiado e tal e você se prepara pra entrar no paraíso, mas nada.
Nada demais. Parecido com o cafezinho do boteco da semana passada.
Daí vem outro alguém que te leva pra tomar o café aquele do cabrito que come o grão e caga o grão e os caras moem aquele café cocozado e vendem por uma fortuna e você toma aquilo, louco de medo da desinteria, e o que?
Nada também. Parece o Mellita.
Acho que o café é mais um sonho. O cheiro do café é sempre melhor que o gosto.
Também acho que o sabor do café melhora de acordo com a qualidade dos pensamentos que passeiam na tua cachola. Mas o café é um sonho.
O churrasco também é um sonho. 99 por cento das vezes o cheiro é melhor do que o gosto.
O café e o churrasco são sonhos imaginativos que você experimenta através do cheiro e quando você realiza fica uma pontinha de desapontamento.
O sexo também?
Pois é.
O sexo acho que não. Certamente não. Ou não.

AS MEIAS



Hora de dormir.

Resolvo descalçar as meias antes de me deitar, pois as tenho tirado no meio da noite e no dia seguinte, mesmo levantando todas as cobertas e colchão e a caralha toda, um dos pés não consigo encontrar. Coisa de um puto anjo safado que se diverte muito, deitado em alguma nuvem observando o movimento dos patetas aqui de baixo.Então tenho o par de meias na mão e resolvo enrolá-las, e no final, dou aquela enroscada pra criar o tradicional formato de bolinha. Isso me faz lembrar o tempo de guri, quando fazia isso com as largas meias de futebol e ficava uma bola pesadinha, boa pra fazer balãozinho.

Balãozinho é o que se chama de embaixada no resto do país. Quanto mais balãozinho se fazia, mais admiração se tinha no grupo.

- Ô meu! Quantos balãozinho tu faz?

Mas como dizia, hora de dormir pra acordar cedo e ir no Super.

Desperto.

É dia claro. Chove. Me sinto bem. Não tenho sono. Isto me faz acreditar que não ouvi o despertador e perdi a hora.

Confiro e vejo que ainda faltam vinte minutos para as oito. Como me sinto bem, penso que seria bom levantar logo de uma vez, mas penso também que é um pecado jogar fora vinte minutos de sono.

Durmo.

Desperto aterrorizado com o alarme do relógio e tenho a sensação de que algo ruim aconteceu. Assustado, sento na cama. Me sinto destroçado. Deveria ter levantado naquela hora. Faz frio e minha primeira vontade é a de calçar as meias.

Então, na minha frente, na mesinha, vejo a bolinha meial. Pro tipo de pessoa que sou, enxergo isso como um fenômeno. Um tipo de encanto. Uhuuuuu!!!

É aí que começo a desconfiar que as pessoas organizadas devem ser muito felizes.





47Laura Corona, Vika Barcellos e outras 45 pessoas
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DOCE DE LEITE

Foi a Nice, mãe do Cid Sousa, mais popularmente conhecido por Cidinho, que me ensinou a fazer um correlato da ambrosia.

Uma fórmula mais simples.
Você coloca dois litros de leite de verdade numa panela e taca fogo. Pode botar o açúcar junto. Umas duas ou três xícaras.
Enquanto ferve o troço, abre seis ou sete ovos e dá uma batidinha pra misturar a gosma amarela com a outra gosma.
No momento que o leite ferve, joga ozovo dentro e ora um pouco.
Hoje a
Laura Corona
pediu que eu fizesse pra ela.
Então, à tarde, coloquei o leite pra ferver, mas o fogão da mami é a labareda do diabo e não passou mais de sete minutos e a caralha ferveu duma maneira que foi parar leite no muro do vizinho.
Depois de putear e reputear o fogão e dar uma geral na meleca, reiniciei a atividade.
No momento em que ferveu de novo, joguei os ovos e, novamente orando com fervor, mexi de forma entusiasmada a mistura tendo às vezes de desligar aquele fogo tão rebelde, até o momento em que o processo deu uma assentada e fiquei ali por perto só dando uma bispada.
De vez em quando uma mexidinha.
Repentinamente o troço fumega diferente e sinto com a colher que se cria kriptonita incandescente no chão da panela e, sofregamente, raspo com a colher e dai vão subindo os queimadinhos assustadores e como se não bastasse, a caralha começa a borbulhar, a espocar, e fragmentos de lava são lançados em minha direção e não tenho dúvidas de que o doce está me atacando e acabo fugindo da cozinha, correndo, gritando pela casa chamando a mãe pra ela dar um jeito naquele doce que ficou completamente fora de controle.
Até que ficou bom. Um leve gosto de queimado.
É um tipo de doce de leite. Quando acerta o ponto, fica uma delícia. Mas pra isso a chama tem de ser parceira.

AS CERVEJAS EM VINTEVINTE

Lembro da noite em que estava na cozinha e estranhei a espuma que fez a Serramalte no momento em que caiu no copo.

Borbulhas grandes, sabe? Quanto maior a bolha, mais cagada é a ceva. Cerveja boa você não enxerga a borbulha e quando a ceva é fodona mesmo, a espuma é um creme, e este creme resta no fundo do copo no momento em que você derruba. A Serrinha não tinha aquelas bolhas grandes.
Já havia achado esquisita a nova embalagem, mas não pensei que a Ambev iria perpetrar o crime de estropear a melhor Pilsen do Brasil. O plano da Ambev, como já sabemos, é comprar todas as cervejas do planeta e transformá-las em água suja. Disso tenho certeza. A Ambev é bolsominion em sua alma.
Botei na boca e não deu outra. Bem parecida com a Skol. Com o espírito danificado, joguei o resto na pia, taquei a garrafinha no lixo e abri uma Eisenbhan, que por sorte havia.
A Eisenbhan é uma cervejaria de Blumenau que produz uma ceva com uma boa variedade de sabores e tipos de fermentação. Pra mim, todas são boas, com exceção da pilsen, que tem rótulo amarelo e dizem que foi comprada pela Heineken. Essa amarela parece meio falcatrua.
Mas foi nas noites tão frias deste inverno de pandemia que pude desfrutar das latas e garrafinhas da Eisenbhan. Elas tão no super por um preço bem acessível e compro sempre a verdinha e a roxinha.
A verdinha é uma PALE ALE e fui até pesquisar o significado. ALE significa alta fermentação e PALE significa pálido, mas li que tem muitas PALE ALE que de pálidas não tem nada. A Eisenbhan verdinha tem a cor de um dourado escuro.
A roxinha é uma AMERICAN IPA e daí não entendi nada porque já sabia que IPA era da Índia e APA era da América.
Eu sempre bebi e bebia em qualquer copo, mas de um tempo pra cá fiquei meio bobo e tenho então preferido beber num copo bonito. Então pego uma taça grande e sirvo sempre a verdinha primeiro.
Cara. É muito bonito de ver aquela cor. A espuma perfeita. Bebo aquilo e sinto que os olhos ficam injetados de satisfação. O sabor é pura perdição. Termino com a garrafinha e é chegada a hora da roxinha. Penso então que vai ser um tanto decepcionante beber a roxa depois da verde.
Sirvo.
A cor é outra, mas não menos bela.
Quando entra em contato com a boca, a viagem é distinta, mas a velocidade é exatamente a mesma. Como pode? O sabor é bem diferente e igualmente fantástico.
E assim me fui por algumas noites de frio e solidão deste ano 20, que está sendo, certamente, o ano mais difícil de minha vida.
Me fui avançando pelas madrugadas, intercalando verdinhas e roxinhas, pensando na imensa sorte que tenho de até possuir um dinheirinho pra poder ter acesso a alguns bálsamos cotidianos que ajudam a manter a alma maomeno regulada no meio desta borrasca que tanto nos aflige e esta última frase vai saindo meio que amontoada, eu sei, mas acho que dá pra entender, acho também que o assunto não é muito rico, mas é o que temos para o momento e prometemos melhorar num futuro nem tão remoto.

O GAMBITO DA RAINHA



MMA?

Chato para caralho.

Fórmula 1?

Pior ainda. Massante.

Preciso de mais adrenalina.

Eu gosto é de xadrez.

Faz muitos anos que jogo xadrez, mas não melhoro nadinha minha performance. Xadrez é o jogo dos atentos e eu flutuo todo tempo. 

Além do mais, a memória é vital e a minha é volátil.

Mas acho lindo.

Já viram a série?

"O gambito da rainha."

No meio enxadrístico a tradução do título causou irritação, pois esta peça, a mais poderosa da esquadra, leva o nome de Dama e não rainha.

Só aqueles que jogam Damas é que, equivocadamente, chamam a 

Dama de Rainha no jogo de xadrez.

Outro termo que causa urticária nos chessplayers é o "comer".

No xadrez ninguém come ninguém. O termo apropriado é "tomar".

Então, a forma mais correta para batizar o enredo em nossa língua seria " O gambito da dama". Os promotores, certamente, esquecendo este tipo de preciosismo, resolveram optar por um título, quem sabe, mais comercial.

O gambito da dama é uma das aberturas mais tradicionais do jogo de xadrez. É uma posição fechada, onde geralmente os dois contendores dispõe suas peças de forma tranquila sem maiores agressões. É assim, assim, um troço meio que retranca.

Mas a série é bem boazinha. Tem umas coisinhas fake mas não chega a comprometer. E é curta. Sete episódios.

A atriz é feinha, bonitinha, charmozinha. Fez um trabalho sutil. Bem bacana.

O xadrez é um jogo mágico e sua história é composta de inúmeras lendas e personagens expressivos e curiosos. Ali no filme está retratado um pouco disso e inclusive algumas partidas jogadas pelos protagonistas sao partidas famosas que foram jogadas por Grandes Mestres do passado.

Diz que a partida da cena final foi elaborada por Gary Kasparov, que assessorou os diretores da película.

Eu sugiro. Achei bonito.

Bonito como o xadrez.

BANHEIROS

Estou no banheiro. O banheiro azul.

Nas paredes há azulejos que tem mais de cinquenta anos e são de um azul claro que sempre me lembram aquário. As louças são amarelas, também claras. Quase um creme. Estou sentado no vaso e carrego uma xícara de café e talvez você esteja curioso para saber a cor.

É vermelha.

Mas este vermelho é vivo. Eu gosto de vermelho.

Estou tomando café numa xícara vermelha depois do almoço, sentado no vaso amarelo de um banheiro azul. Foi exatamente nesta posição que descobri meu primeiro orgasmo. Fiquei assombrado com a imensidão de tal  divertimento

- Esse guri não sai da patente.

Era o que minha mãe dizia naqueles tempos.

Eu gosto muito de banheiros, mas não por este motivo de libidinagens adolescentes que nunca se curam.

Meu apreço pelos banheiros provém da paz que há neles.

Lembro de certa feita, no início da carreira, em que estávamos ensaiando num clube alemão daqui de Porto Alegre. Talvez tenha sido ali a primeira vez em que fiquei impressionado com um banheiro. Era um banheiro antigo, de uma construção antiga, que parecia não haver sofrido qualquer tipo de reforma. O chão tinha lajotas irregulares cor de telha e as paredes eram toscas, mas perfeitamente pintadas. A atmosfera era algo assim de fazer inveja a qualquer UTI do melhor hospital da mais próspera cidade. O extremo cheiro de limpeza se somava ao silêncio que ali reinava e só não havia mais silêncio porque os filetes de água dos mictórios eram perceptíveis como o ruído que a gente ouve à beira de um rio ou um regato. As naftalinas nas cubas eram o detalhe final na assepsia daquele ambiente solene. Havia muita paz naquele banheiro e daquela tarde nunca esqueci. Não lembro do repertório que ensaiamos, mas o banheiro nunca me saiu da memória.

Agora estou tomando café numa xícara vermelha, sentado num vaso amarelo claro de um banheiro azul celeste pensando que é um imensa fortuna ter um bom banheiro quando a gente precisa, assim como é uma sorte grande ter uma boa cama pra deitar quando a gente não se sente muito bem ou uma comida que a gente bota na boca, sente prazer, e comenta isso com quem está ao lado.

Acho que as pessoas acreditam em Deus também para terem mais facilidade nestes momentos em que se sentem afortunadas.

Eu não acredito direito.

Então fico assim, meio que sem saber o que dizer nessa hora em que é preciso dar o tope final.

DIA DO MÚSICO

Eu trabalhei no xerox.

Fui tesoureiro.

Depois estive no município onde fui perseguido. Me demitiram pelo simples fato de tirar férias sem avisar. Tu acredita??!! Quem sempre adorou esta história é o Bruno Teixeira.

Fui almoxarife promissor e um excelente xeroqueiro, mas resolvi me tornar músico e ontem foi o dia do músico e muitas pessoas me parabenizaram, não vê que o prazer maior destas pessoas é dar
felicitações? e, dia desses, uma amiga me desejou um " feliz dia do idoso" e mandei tomar um pouco no cu, não é? só porque digo a ela que sempre fui véio, e então ela acha que pode fazer comigo tal brincadeira sacana? e isso tudo me lembra uma frase de Picasso que diz algo parecido com.

LEVA MUITO TEMPO ATÉ TORNARMO-NOS JOVENS.

Não é também?

Eu sou véio, mas posso afirmar que já fui muito mais véio.

E lembro também do Fellini, que ao cumprir setenta, foi questionado por um jornalista.

- Como o senhor se sente fazendo setenta anos?
- Eu sempre tive setenta anos.

O assunto era música e foi parar na idade, mas acaba sendo tudo a mesma coisa. Música flutua pelo tempo e tempo significa também existência.

Música tem começo, meio e fim. Igualzim à vida. Música tem intro, geralmente, que seria a gestação. Tem auge no meio e vai morrendo devagarinho que deve ser pra gente não ficar tão chateado. Eu gostava muito de fade outs antigamente. Agora prefiro grã finales.

Nossa profissão é avacalhada por uns e glamurizada por outros, mas se trata de uma atividade como outra qualquer.

Ou quase.

Tem gente que faz merda em cima de merda e tem uma puta clientela. Algo semelhante à política. Né?

Bueno. Era isso.

Queria agradecer aos felicitadores, profissionais ou não, pelas palavras de carinho neste momento tão cagado de nossa trajetória.

Acho que hoje faço uma live.

Beijus e abraçus a todos.