quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O BALAÇO

- Alô!
- Que balaço, hein Marilu?
- Quem fala?
- Ora, quem fala! Sou eu, Marilu. Wanderley.
- Ah... oi, querido.
- E aí? Muita ressaca?
- Que é isso? Nada. Acordei cedo e já fiz um monte de coisas.
- Acredito....
- Você nem sabe. Ontem peguei um Uber e paguei só dois reais.
- Eu sei sim, Marilu. Você não descansou enquanto não aceitei teus dois reais.
- Como assim?
- Tás louca, Marilu?! Fui eu quem te levou em casa. Chapada total. Queria pagar a corrida. Falou todo tempo que meu carro era do Uber.
- Tá de brincadeira!?
- Tô não, querida. Numa hora saltou pro banco de trás, pedindo balinha e de repente abriu a janela e começou a gritar Fora Temer feito uma doida.
- Putz. Sério?
- Sério. Dali a pouco parou, ficou aquele silêncio no ar e quando olho pelo retrovisor você tá pelada. Tive de entrar numa rua deserta e foi o maior custo fazer você se vestir de novo.
- Ai, Wandeco, que vergonha, mas escuta uma coisa.
- Fala.
- A gente transou?
- Claro que não, Marilu. Você tava loucassa. Além do mais parecia um fogão a lenha, de tanto cheiro de cigarro.
- Mas eu não fumo, Wanderley.
- Pra você ver.
- Wandeco.
- Que?
- Puta dor de cabeça, viu?
- Ué. Você não disse que tava bem?
- Mentira, querido. Tô na cama com um balde do lado. Acabei de vomitar uma amídala.
- Putz. Imaginei que você ia se ferrar. Por sorte não te levei pra comer aquele xis coração que você tava pedindo.
- Xis coração!?
- Foi. Acho que teria sido pior.
- Que nojo!!! Aaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh


Wanderley escutou com clareza Marilu botando as tripas pra fora. Desligou o telefone adivinhando que a outra amídala também já era, e pensando o quão perigosos podem ser os balaços ao final de um ano que se apresentou tão sacana.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

CHAT 2

Faz muito, MUITO, MUITO, MUITO, MUITO tempo, num chat, ela escreveu:

CADÊ VC? VC SUMIL!!!

Fiquei olhando praquilo sem saber o que fazer. Quando achei a resposta lógica, digitei.


TOMEI DORIU

E fiquei pensando.

PUTA QUE PARIL.

Ela então replicou.

SABE O QUE É? EU TAVA COM SALDADE.

Então refleti.

ACHO QUE TÔ DE MAUDADE. A MOÇA TEM UM CORAÇÃO BONITO.

Escrevi.

TÁ PASSANDO UM FÍUME BACANA NOS CINEMAS. VAMOS?

A resposta não tardou.

UM FÍUME DESTES QUE TEM BEJO NO FINAU?

Mandei de volta.

BEJO NO FINAU, BEJO NO MEIO, BEJO NO COMEÇO.

Ela pareceu gostar.

ASSIM VOU FICAR CHEIA DE DESEIJO.

Fiquei animado.

DEPOIS PODEMOS COMER UM PÃO DE QUEJO.

Ela adorou.

COM CERVEIJA?

Eu dei uma opção.

QUE SEIJA, OU COM ALGUM VINHO LEGAU.

Ela mandou junto com uma figurinha:

LEGAU É VOCÊ QUE É GENTIU.

Então resolvi perguntar.

NÃO ME LEVA A MAU, MAS DE QUE CIDADE MESMO VC TECLA?

Ela demorou mas respondeu.

DE BLUMENAL

Me desgostei. Então teclei.

BAH, ACHO QUE NÃO VAI DAR. SOU DE SÃO GABRIÉU

Ela respondeu assim.

NOSSO ROMANCE NÃO PODE TER ESTE TRISTE FINAU E IR ASSIM PRO BELELEL. VC NÃO TEM AUTOMÓVEU?

Comuniquei então com a certeza de causar frisson.

TENHO UM DIRIGÍVEU. QUE TAU?

Ela se alegrou.

QUE LINDO. ENTÃO PASSA AQUI NA SEXTA QUE NA SEXTA TÔ DISPONÍVEU.

Digitei então com dedos apaixonados.

VOU TE LEVAR PRA CONHECER O VERDADEIRO CÉL.

Ela se desmanchou.

NO ESPAÇO SIDERAU?

Inspirado, devolvi.

ATÉ A AURORA BOREAU QUE CERTAMENTE É ALGO QUE VC NUNCA VIL.

Senti que com essa ela se emocionou.

PUXA. VC É INCRÍVEU. TE ESPERO NA SEXTA ENTÃO;

Eu.

LEGAU.

Ela.

VOCÊ VAI VIM MESMO?

Eu.

CLARO QUE VOU IM.

Ela.

MIU BEJOS PRA VC ENTÃO.

Eu.

MIU BEJOS PRA VOCÊ TAMBÉM.

Ela.

TAMBÉN NÃO É COM N NO FIN?

Eu.

SABE QUE NÃO SEIL?.

SARAUS E COXINHAS

Tenho ido a alguns saraus literários. É bacana, embora pra mim seja bastante difícil assimilar o que é lido, recitado, contado. É diferente de assistir música, que a gente pode flutuar um pouco.

Nestes saraus, a atenção tem de ser total e atenção total é algo que não possuo jamais, ainda mais se beber um par de cervejas gordinhas. Mas sarau é legal.

Estes saraus aos quais tenho ido são frequentados apenasmente pelos FORATEMER. Não tem coxa nestes eventos.


Neste último que fui, no Ocidente, dei uma viajada e deixei de prestar atenção ao texto pra pensar um pouco sobre o seguinte:

Quando é que imaginaríamos que a sociedade iria se dividir a tal ponto de certos ambientes acabarem se tornando desaconselháveis pra certas pessoas? Isto me pareceu terrível, naquele momento. É como um sonho ruim.

Outra coisa que logo me veio também.

Será que os coxas fazem seus saraus? Um sarau onde não entra Chico, não entra Veríssimo, um sarau sem Galeano, sem Cortazar que são os autores condenados. Será que pode? Eles leriam o que? Olavo de Carvalho? Lobão? Trechos do livro da LavaJato? Talvez Paulo Coelho, mas Paulo Coelho também está contra o movimento coxa. Acho que ser coxa não deve ser muito divertido. Ou quem sabe em vida de coxa não entra sarau? Vai ser proibido sarau? Sarau é coisa de comunista?  E música? Só vão escutar o que vem de compositores de direita? Existe isso? Compositores de direita? E bons?

Mas vamos pensando, vamos pensando, refletindo sobre estas coisas, e existe uma onda contra este ato de refletir, existe um movimento maluco contra o exercício do intelecto. O surgimento de uma gente assim, que condena o pensamento, é algo que é por demais surpreendente. Não é?

Então, os que teimamos em refletir,  estamos um pouco tontos, buscando algumas explicações lógicas pra estes comportamentos pirados e ainda não sabemos direito o que pensar e o que dizer.

Dia destes tocamos no Fon Fon e foi legal pra caramba. Muito mesmo. As pessoas vieram nos cumprimentar no final e uma delas se aproximou de mim e disse ter gostado demais do concerto e de repente me perguntou;

- Mas não somos mais amigos no Face?

Então lembrei dela.

Respondi.

- Acho que te bloqueei. Te vi compartilhando material fascista.
- É. Eu sou coxinha. Mas não podemos nem ser amigos?
- Não.

Eu já havia, minutos atrás, conversado sobre política e tinha comentado que meu pai fora cassado no golpe de 64 e este assunto sempre me deixa uma brasa dançando no estômago e uma vontade de dar um soco em alguém. O papo seguiu assim:

- E não vou poder nem assistir a teus shows?
- Acho que estamos nos dirigindo a isso.

Ela foi se afastando, me fitando com um olhar de estranheza e se foi. Eu fiquei chateado. Mas as palavras foram me saindo desta forma quase impensada e tenho certeza que o diálogo foi exatamente da forma que conto.

Não sabemos direito o que pensar e o que dizer. Não sabemos como agir.

Mas vamos descobrindo o jeito certo, vamos entendendo.

Espero.

domingo, 18 de dezembro de 2016

NADA PRA FAZER – FALANDO DE FRUTAS

O mamão, pra mim, é a fruta número um. Você coloca na boca e já sente que ele faz bem, sente que tá limpando. Não é à toa que é uma das primeiras frutas que se dá pro nenê e daí existe um outro lado engraçado também. Quem limpou muita bunda de criança até relaciona. Minha ex dizia que o mamão é o cocô em forma de fruta.

Quando vivi na Espanha me deliciava com os melões. Cada melão era uma surpresa diferente. Tinham variados gostos que lembravam até outras frutas. O melão, assim como a melancia, é divino. Só tem um porém. Às vezes causam uns gases que te atacam nas costas e até a língua fica dura. Dói pra caramba e parece que vai rolar um infarto.

Sobre a manga já falei. É comendo uma manga na pia que a gente sente a presença do Senhor. É muito êxtase. O grilo da manga é que caga a roupa toda e mancha. Jô Soares diz que manga, a gente deve comer no banho.

A laranja é a rainha das frutas. Quando ela tá boa, dá um prazer imenso e o suco é disparado o melhor de todos. Só que dá muita mão de obra pra fazer. Quem prepara suco de laranja pra outra pessoa e não cobra por isto, é porque ama muito este ente.

As bergamotas e afins são parente pobres da laranja, mas são populares pra caramba. Mexem com nossa nostalgia, nos mandam ser criança de novo. Meu pai só comia se descascassem pra ele. Não queria ficar com o cheiro delas nas mãos. A casca da berga é super perfumada. Meu pai me ensinou a espremer a casca perto da cara dos outros. O efeito é parecido ao do gás lacrimogêneo. Me ensinou também a espremer em direção à chama de um fósforo. Rola uns mini fogos de artifício.

O limão é outro primo pobre. Limão é mal-humorado e só os mais doidões comem ou bebem o suco pra curar doenças alérgicas. É remédio milagroso, dizem. Eu derramo suco na Coca e às vezes fica uma das maravilhas do mundo. Houve um tempo em que eu comia a casca do limão siciliano.

O abacaxi tem aquela carapaça que parece coisa da pré-história. Você bota ele no saco do super, sai caminhando e ele vai fincando nas canelas até você pegar tétano. É chato pra descascar. Quando tá no ponto é uma loucura, mas muitas vezes tá ácido, você come com muita careta e depois nascem umas aftas maiores que a língua. Lembro que teve uma dieta da moda chamada dieta do abacaxi. Coitadas das pessoas que embarcaram nessa.

A banana, a fruta mais popular de todas, não posso comer. Se comer, morro. E nhaca de pobre é comer uma banana esmagada com canela. Nhaca maior que essa, só pão com manteiga e açúcar por cima. A primeira piada que ouvi,foi minha mãe que contou, e o assunto era a banana.

Um cara repara que o amigo está amarelo, parece mareado e lhe pergunta o que aconteceu.
- Putz. Comi muita banana e tô passando muito mal.
- Por que não coloca o dedo na garganta e vomita?
- Se tivesse lugar pro dedo eu comia mais uma banana.

A maçã. Comer maçã é algo como ir na missa. Poucas emoções. Se está seca, então é uma bosta, mas é boa pra criança e pra quem tá mal da barriga. Dizem os ingleses que: Uma maçã por dia e não verás a cara do médico.

A uva é dos deuses, não é? A que eu mais gosto, infelizmente, é a Dedo de Dama. Caríssima. Então, toda vez que vou no super, roubo 4 ou 5 grãos, com todo cuidado pra não ser pego. Já comi um parreiral inteiro às custas do Zaffari.

O morango mexe mais com o imaginário do que é gostoso. Se mistura muito bem com natas, cremes e sorvetes pra deixar a gente bem gordão, mas sozinho geralmente não tem muito gosto. Tenho uma vaga lembrança de ter comido quando criança uns morangos diferentes, menores, meio desmanchados que eram muito doces. Assim como o maracujá. Lembro de ter provado um maracujá que era um néctar, muito diferente destes que só servem pra fazer suco.

Pêssegos, ameixas e parentes. Sei lá o que aconteceu. Na minha infância eu era fã. Não sei ao certo, mas tenho a impressão de que carregam mais veneno do que as outras frutas. Desconfio.

O caqui, que aqui no sul chamamos cáqui, é uma loucura. Um amigo relaciona esta fruta com o órgão sexual feminino. Eu não gosto de misturar comidas com comidas, mas sempre que como um caqui, lembro desta parada. O contrário nunca aconteceu, até hoje pelo menos. Putz. Será que vou ficar sugestionado? Talvez alguém que leia isto fique  marcado para todo o sempre. Agora já era. Já falei.

O Kiwi foi uma brincadeirinha do Senhor. Uma surpresinha. O Kinder Ovo da natureza. Quando é que você vai imaginar que aquela batata por fora pode ser aquela polpa de um verde fantástico por dentro?

O coco é outra criação pirada da natureza. No Rio de Janeiro deve estar caro pra caramba tomar uma água de coco no calçadão. Você compra, torce pra que tenha bastante, torce para que esteja doce e torce pra que esteja gelada. Se não rola, você tá mais pobre e ainda com sede. No Rio descobri que quem gosta mais de coco é cachorro. Eles ficam bem loucos. Comem toda a polpa.

Jaca? Só vi e fiquei com nojo. Fedorenta e gigantesca. Não me atrevi a provar.

Lichia. Uma das portas ao paraíso.

Atemoia. Impressionante. Pode estar com aspecto melhor ou pior, tem sempre o mesmo gosto formidável. Difícil encontrar uma atemoia ruim.

Pra finalizar, uma salva de palmas pro tomate que é um companheiro desde sempre. Estes pequenos que estão cada vez mais nas prateleiras têm um jeito ainda mais frutuoso. Além de tudo, dizem que o tomate faz muito bem pra próstata. Dizem também que faz mal pro rim. Quer saber? Dane-se o rim.


sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O JOTA E O SEXO VIRTUAL

Estou eu de boas em casa, assistindo TV, são duas da manhã quando de repente toca a campainha. Pelo olho mágico vejo a lata do Jota com aquela conhecida careta que parece o sorriso de uma caveira e apenas isto já é o bastante para eu saber que o cara está nervoso e que algo saiu fora de ordem.

- Fala, Jota.
- E aí mestre? Dá uma chegada comigo no meu apê?
- Putz. Problemas?
- É.

Jota e eu somos vizinhos. Moramos num prédio situado em um bairro folclórico da cidade. Nem periferia, nem finesse e muito antes pelo contrário.

Vou fazendo algumas perguntas enquanto vencemos os degraus, mas como resposta obtenho apenas alguns vagos murmúrios ofegantes causados pelo esforço da subida. Depois de girar com mãos trêmulas a chave na fechadura, meu amigo me conduz até o centro da sala e abre a tela do PC. Surge ali, então, uma imagem de web cam, onde há uma mulher seminua, de corpo miúdo. Seus olhos parecem fechados e seu rosto está virado pra cima. A boca, aberta.

Com ares de desamparo, Jota indaga.

- E aí?
- Aí o que?
- O que te parece?
- Parece um pigmeu.
- Porra, não to querendo saber se você achou gostosa.
- Quer saber o que então?
- Tá morta?
- Como assim?
- Você acha que tá morta?

Coloco os óculos e me aproximo pra enxergar com mais precisão. Não há movimento nenhum naquela cena. Jota puxa mais uma cadeira para sentarmos, mas continuamos ali de pé, inclinados e ansiosos.

- Caralho, véio! O quê que tu aprontou, Jota?
- Virtual, irmão.
- Que?
- Sexo virtual.
- Normal, pô. Sexo virtual é sadio.
- Eu também achava.
- Que idade ela tem?
- Setentinha.

Carácoles. O Jota sempre mente a idade das minas. Diminui 10 anos, no mínimo.

- Putz. Muita pressão? Que diabo você mostrou pra ela?
- Eu não mostro, man. Eu falo. Você tá ligado que tenho minhas técnicas. Fui mexendo com as culpas dela, brother, dizendo que ela era uma menina má, que necessitava de castigo por não ter se comportado bem, falei tudo isso com voz de criança, falei que ia maltratar legal, e ela pareceu surpresa e ao mesmo tempo encantada e foi ficando doida e depois fui enumerando os parentes dela que eu iria traçar e comecei pelas irmãs e ela foi se possuindo, véio....

Acho detestável quando meu amigo começa a solar com sua voz monocromática e lenta. Dá uma sensação de que você vai ficar preso no tempo. É uma coisa muito enjoada.

- ...daí então quando o assunto chegou na mãe dela, ela começou a gritar, mestre, coisa linda de se ver, veio um orgasmão sei lá de onde, uma onda brutal, uma puta gritaria que foi passando, passando, foi diminuindo, e de repente ela ficou assim, uma estatuazinha, nesta mesma posição que você tá vendo agora.
- Não foi orgasmão bro, foi infartão.
- Primeiro orgasmão, né meu? Depois sim, infartão.
- Tá. Que seja. Parius, velho. Tu é escroto.
- O universo é escroto, mano. Eu sou apenas fruto.

Esta é uma resposta que o cara adora usar. Ele segue contando.

- Daí, como vi que ela tava tomando uns gorós, pensei que tinha pego no sono, e comecei a chamar ela. Fiz psiu, chamei pelo nome, daí comecei a gritar, então cantei, botei música, salsa, lambada, funk da porra, assoviei pra caralho, até que o vizinho subiu e veio aqui pra me encher de osso, ameaçando que ia me dar porrada e tudo, daí tive de parar. Logo veio a fome, man, e dei uma descida pra mandar um xis básico e quando voltei, ela continuava aí na mesmíssima posição. Daí foi batendo o grilo e resolvi te chamar. Será que matei a mina, meu?

Conheço o Jota faz vinte anos. É seu hábito diário devorar um xis coração. Sempre acompanhado de Fanta uva, que pode estar quente, pode estar sem gás, pode ter sido aberta na semana passada, não dá nada, ele bota pra dentro. Meu amigo é destes caras que estão sempre com o peito estufado, dando mini arrotos e certamente por isso, a maresia que se sente em sua volta remete ao asqueroso refri.

Nesse momento, reparo que ao fundo da imagem passa um gato preto.

- Óh. Tua véia tem um gatinho.
- Não é véia, irmão. E o gato não é dela. É do vizinho. Ela tem o maior grilo com ele. Conta que o gato invade o apê e se queixa de que ele vem pra assombrar ela no meio da noite. Diz que traz mau agouro e que já pensou até em envenenar o bicho.
- Putz. Esse gato vai comer ela.
- Caracas. Depois sou eu o pervertido.
- Porra, Jota. Não é comer de sexo. Ele vai comer ela é de deglutir mesmo.
- Sério? Carnes putrefatas?
- É.
- E fétidas?
- Isso mesmo.
- E nós podemos assistir?
- Se a rede não cair.
- Massa.
- Que massa, Jota? Caralho, bicho! Escrotidão total a tua!
- Não, que é isso.... me impressionei também, mano... o xis até meio que voltou.
- Hum.
- Mas igual... é massa.

Reparei que ele estava mastigando algo e imaginei que sim, que poderia ser um coração recuperado, e este fato me deixou bastante mareado. Então falei o que me veio à mente.

- Véio. Tenho uma ideia.
- Fala, Bro.
- Este gato é nossa chance. Se conseguirmos fazer com que ele suba nela, ela talvez desperte.
- Se ela não desencarnou, né? Até pode ser. Mas tô achando que ela já deve estar conversando com o Senhor.
- Tu sabe chamar gato?
- Claro que não, parceiro. Tá me estranhando?

O Jota é o tipo de cara que não sabe nada a respeito de gatos, cachorros, crianças. Pra ele, estes são seres inferiores que apenas atrapalham. Então comecei a chamar o animal.

- Pssss, pssss, psss, psss, pssss.....psss, pssss...

Logo arrisquei alguns miados. Jota me seguiu, copiando meus gestos, me obsevando com desconfiada atenção, o que tornou a cena mais ridícula ainda. Depois de alguns minutos destas churumelas, pra nossa surpresa, o gato surge em cena. O bichano sobe na mesa e está ali na nossa cara, nos fitando com olhos perversos, nos filmando, curioso, e com um discreto aceno de mão, peço a Jota que não emita nenhum som, para que se faça o silêncio absoluto tão necessário pra eu ganhar tempo e pensar em algo e é aí então que minha intuição brilha, e não tenho dúvidas, é automático, coloco as mãos em megafone e solto-lhe o mais poderoso latido de um legítimo cão pastor que sei tão bem imitar, e isto faz o bichano emitir um berro horripilante e logo dar pelos ares um duplo mortal carpado, caindo no colo da madame, cara a cara, unhas cravadas nas coxas, o que faz a moça imediatamente arregalar os olhos e por sua vez soltar seu berro insano na cara do animal histérico e num ato de fuga desesperada, numa perda absoluta de equilíbrio e sanidade, vai mulher pra um lado, gato pra outro, num verdadeiro caos de ruídos indecifráveis e os dois desaparecem completamente de nossas vistas.

Neste momento a rede cai e assombrado noto que meu amigo e eu, depois do meteórico e aterrorizante desenlace, como resultado, estamos de joelhos, quase abraçados e com as respirações descompassadas. Jota, ainda agarrado tenazmente a minhas mãos, corta o silêncio.

- Caraca, véio. A mina tá de boa.
- É. Tua véia não abriu vaga.
- Não é véia, bro.
- Tá bom, tá bom... parius... mas depois dessa, tô precisando beber alguma coisa urgente.
- Tem Fanta na cozinha, man.
- Fechada?
- Não. Mas é deste mês ainda.
- Escroto.
- O universo, bro, o universo que me fez..

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

DA ÁGUA DE COCO AO TERMÔMETRO

Tem uma propaganda de uma água de coco na TV que diz que é natural, sem gordura trans, sem conservantes e com nível de sódio igualzinho ao da fruta.

Legal. Eu provei. Muito bom. Só tem um probleminha.

Tem gosto de abacaxi.

Isso me fez lembrar que quando eu era pequeno, lançaram o Lanjal. Lanjal era um suco de laranja super concentrado. Vinha numa lata. Bastava colocar um pouquinho no copo e o resto de água. Meu pai se queixava de que além de caro, não tinha gosto de laranja. Pra gurizada acostumada com Ki-suco, Lanjal era uma festa, mas na verdade, Lanjal tinha gosto de kriptonita.

Meu pai, que era casquinha, também comprava um requeijão que vinha num copo bonito que depois usávamos na mesa. Ele passava o requeijão no pão, colocava na boca e rezingava que não tinha gosto de nada.

Por esta época, meu avô nos deu um som estereofônico. Era um equipamento pequeno, da marca Dual, mas tinha um som fortinho. Eu adorava. Meu pai, aos domingos, colocava discos eruditos pra girar no prato e reclamava que de alta fidelidade não tinha nada, pois ele não conseguia sentir que a orquestra estava tocando ao lado dele.

Dias depois ele chegou em casa todo contente com um disco do Zimbo Trio e fiquei puto quando descobri que era música sem cantor. Então foi a vez de eu me queixar. Disse a ele que não gostava daquilo. Eu tinha descoberto os Beatles e achava chato música sem voz. Ele, nem aí, colocava o long play na eletrola a todo momento até que chegou um dia em que ouvi e me veio o estalo;

"Bah! Que legal este pianinho".

Fiquei arrepiado. Daí eu mesmo tomava a iniciativa de colocar o Zimbo pra tocar. Agora penso que educação também é isso. O tipo de ar que dão pra gente respirar.

Tem um tema deste LP que toco, volta e meia. Samba do Veloso, de Baden e Vinícius. Sempre me traz uma boa onda. Uma das características que possui o Zimbo é o improviso, e sempre que o trio vai dar início a este, eu sinto como se fosse a decolagem de um avião.

Agora, com estas reminiscências, acabei de lembrar de um hábito que meu avô tinha e meu pai herdou. Colocar um termômetro na sala pra gente saber a temperatura. As pessoas se divertiam com muito pouca coisa  naquelas priscas eras. Não é?

Lembro dele com as mãos cruzadas nas costas, em frente ao objeto, se queixando que a temperatura que marcava não estava correta, que com certeza o aparelho estaria estragado ou não seria de boa qualidade. Era um cético por natureza.

Meu pai daria muita risada desta água de coco da propaganda. E claro, reclamaria um bom bocado também.