sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

SAINDO DO FACEBOOK

Cansado, farto de tanta insanidade nesta rede social, resolvi dar um tempo. Com a gastrite cerebral no topo, me propus a ficar uma semana sem entrar nenhuma vez no consagrado aplicativo. Iniciei o processo com certeza absoluta de que não haveria fracasso.

Primeiro dia – Não abro o Lap e uso o telefone apenas para chamadas. Tudo na maior tranquilidade. No fim de tarde, me parece necessário relatar, noto um movimento involuntário na perna direita, algo assim como se afastasse uma bola de futebol imaginária que veio do lado oposto da calçada.

Segundo dia – Escovando os dentes pela manhã desconfio que há algo  raro em minha fisionomia. Colocando maior atenção, observo que minhas sobrancelhas estão mais ralas, assim como me invade a impressão de que os pelos do nariz estão avançando sobre os pelos do bigode. Apesar das anormalidades citadas, me mantenho sereno  em todas estas vinte e quatro horas, não acessando a rede.


Terceiro dia – Às oito da manhã, lendo o jornal, tento dar um like num artigo que me parece excelente. Pouco depois, algo parecido acontece na sala de recepção de meu médico. Sua secretária me atende muito bem e talvez até pelo fato de ser tão bonita, não resisto e dou um like com o dedo em sua lapela, gesto que deixa a menina um tanto perplexa.  Quando sento para esperar, a moça fica espichando olhos desconfiados em minha direção depois de também ter notado as sacudidelas de minha perna. Novamente, no fim do dia, obtenho sucesso na empreitada de não abrir o face, mas só consigo dormir após mergulhar dois Rivotril e um Omeprazol numa caipirinha de melancia.

Quarto dia – Verifico com pesar que minhas sobrancelhas desapareceram. No entanto, tive de comprar um barbeador destes de orifício para poder aparar os pelos do naso que se tornaram completamente rebeldes e teimam em crescer de forma desordenada. Fiz isto por três vezes durante a jornada. Na parte da noite me vem um desejo extremo de tomar Nesquik de morango e no supermercado minha perna sem sistema chuta várias prateleiras, o que faz os impertinentes empregados do estabelecimento criarem um mal estar danado no momento em que, sem ouvirem minhas explicações, me sujeitam pelos fundilhos e me expulsam do local com uma chuvarada de pontapés. Me sentindo profundamente injustiçado, em vez de misturar Nesquik ao leite, jogo o pó róseo na cachaça e ainda adiciono dois Rivo, um Ome e um Lex. Adormeço e sonho que estou casando com a presidente do STF. Desperto gritando, abraçado nos casacos do cabideiro.

Quinto dia - De manhã muito cedo, sentado no vaso, leio a penúltima página do jornal e o articulista, que é sempre de uma irresponsabilidade atroz, escreveu mais um texto idiota e tendencioso. Então tento dar diversos dislikes no jonaleco e me enfureço por não poder nem fazer isso, nem comentar aquele merderê que esse bosta escreveu, que a vontade que tenho é de mandar esse cara tomar bem no olho do cu dele e com a raiva me estrangulando, acabo mastigando algumas folhas do vespertino. Quando levanto dali, reparo que os pelos das ventas já chegam no peito. Calculo que cresceram cerca de vinte centímetros durante a noite. Observo também, com horror, que meus ovos cresceram e sua dimensão ultrapassou a do membro. O membro nunca foi lá grande coisa, mas perder em tamanho pros badalos, por favor, é uma vergonha. Resolvo tomar um banho de banheira para relaxar, mas resulta que os movimentos da perna acabam por inundar o banheiro. Na parte da noite chego a digitar metade da senha para entrar na rede, mas com extremo esforço, resisto e fecho o programa. Jogo todo o conteúdo da lata de Nesquik, dois Rivo, um Ome, um Lex e uma colher de Biotônico Fontoura dentro de um garrafão de vinho marca Sangue de Boi e ingiro a beberagem deitado na cama. Agora, as duas pernas apresentam movimentos involuntários e chutam para todos os lados. Adormeço. Sonho novamente com o casório. A noiva é a mesma. Ana Amélia Lemos é a madrinha. Desperto embaixo da cama, com o lençol enrolado no pescoço.

Sexto dia – Desisto de podar os cabelos do nariz e opto por fazer tranças. Os ovos, inacreditavelmente, ultrapassaram os joelhos. É uma coisa feia de se ver, mas a sensação do geladinho nas canelas chega a ser agradável, acredita? Tento dar likes no controle remoto da TV e com a impossibilidade, acabo jogando o troço na parede. Vejo que as pessoas começam a me chamar no MSN com insistência, certamente preocupadas com minha surpreendente ausência. Devem estar imaginando que abri vaga ou coisa parecida, mas resisto. Não respondo. Num desespero aterrador, embebo as tranças do nariz em querosene para tentar auto imolar-me, mas as pernas resolvem chutar ao mesmo tempo, o que certamente me faz cair de costas, bater a cabeça e desmaiar. Sonho com minhas núpcias novamente. A noiva continua sendo a meritíssima. Está entrando na Igreja. À sua frente, como aia, vem o Marun em formato pequeno. A meu lado esquerdo, Ana Amélia faz par de padrinhos com o Cunha, viu só? Nunca acreditei que este cara estivesse preso! e a meu lado direito, o padre levanta o capuz revelando a cara enjoada do Perondi, rindo para mim com o mesmo escárnio com que ri para as câmeras de TV. Todas estas visões tresloucadas e apavorantes me fazem despertar e no momento em que me ergo e tento empreender fuga, tropeço nas tranças e piso com gana no bago esquerdo e já no solo, tomado pela dor indescritível, balbucio queixumes e gemidos, me arrasto com dificuldade casa a fora para encontrar meu celular e voltar à rede, voltar à rede logo de uma vez, com a máxima urgência, pois este sétimo dia que se inicia, do jeito que vai a coisa, pode significar o dia do fim de minha existência, e por sorte já o localizo, ali está, agora o tenho nas mãos, parius que essa porra tá sem bateria....