sexta-feira, 7 de agosto de 2020

REFREGA NO SUPER

Estava no super fazendo as compras e me dirigi ao corredor dos queijos e estas coisas.

Precisava pegar uma manteiga mas havia um cara que analisava as ditas.

Respeitei a distância correta e fiquei ali esperando o cara se decidir. O sujeito teria minha idade e não usava máscara e isto me irritou um pouco.

Segurava duas marcas de manteiga, com potes idênticos, e lia as bulas com atenção exagerada. Típica pessoa que fica remanchando pra voltar pra casa.

Reparou na minha presença e disse.

- Elas tem pesos diferentes, embora aqui diga ser o mesmo. Está muito claro isso. Experimenta.

Foi neste momento em que me estendeu os braços, para que eu também simulasse a aferição da diferença dos pesos da manteigas que tive a certeza.

Um bolsominion!

Me mantive imóvel e calado, fixando meus olhos, por sobre a máscara, naquele ser que manifestava séria intenção de me fazer segurar aqueles potes contaminados de coronga e também querendo que eu respirasse o mesmo ar que ele.

- Que que foi? Tá com medinho? Medinho de ser contaminado?

Um bolsominion rooths, pensei. Eu só queria pegar uma manteiga e taí esse bolsominion atravancando meu caminho. Parius! Então respirei pausadamente. Ele seguiu.

- Vocês são babaca mesmo. Ficam aí, acreditando nessa lenda de pandemia. Estão sendo enganados pela mídia que...

Deixo de escutar o que o cara diz, pois tenho ligação estreita com uma tribo africana, os Tarats Nômades do Zimbawe e através da respiração profunda, entro num transe zen e deixo de ouvir tudo o que não quero e então me tranquilizo, me acalmo, pois um minion jamais vai me tirar do sério, mas de repente chuto o carrinho e me atiro sobre o homem.

O primeiro soco acerto no cabelo. O segundo no pulôver. Em contrapartida o minion morde minha máscara, fato que achei bastante desaconselhável, pois eu já havia dado mais de sete espirros e naquela turbulência toda vamos de encontro à prateleira que, com o fabuloso choque, desaba sobre o outro corredor e no instante em que ouço os gritos das pessoas possivelmente esmagadas pela gigantesca estante, perco os sentidos, mas como todo Tarat Nômade do Zimbawe, mesmo desmaiado, continuo espancando com fúria, até voltar a mim quando reparo que estou sendo brutalmente sujeitado por mais de sete seguranças.

A raiva do combate havia feito meu tórax e barriga incharem, outra característica Tarat, e com isso meu cinto estourou, minhas calças caíram e ficaram expostas minhas vistosas ceroulas brancas que havia comprado em outra data naquele mesmo estabelecimento pela razoável quantia de 39,90.

Há de se contar também que seguido a isso sobreveio bravíssima ereção que, ora vejam só, também se trata de outra importante característica dos guerreiros Tarat, que experimentam formidável excitação depois de todo combate.

Por estas e por outras, fui conduzido dali com presteza por um séquito de mais de sete atendentes alvoroçados.

Dez minutos depois estou sentado em uma sala observando uma moça costurando meu cinto para que eu pudesse ir-me logo dali. Ela fala.

- O senhor sabe, que o outro moço que brigou com o senhor perdeu dois dentes?
- Foi mesmo?

Passo a língua por toda boca para ver se havia alguma perda mas acabo descobrindo um dente que eu não tinha. Faço menção de reclamar, mas me contenho, afinal de contas, não é qualquer um que termina uma briga com um dente a mais.

Olho o crachá da moça e falo com ela.
- Falta muito, Lourdes?
- Não é Lou. É Lu.
- Ah tá, Lurdes. Falta muito?
- E este “e” do fim também não tem muito. É Lurdis.
- Ah tá. Acento no u então.
- Não, moço. Sem acento.
- Ah tá.
- Moço. Posso lhe fazer uma pergunta?
- Venha.
- O senhor tem alguma ligação com a tribo dos Tarats do Zimbawe?

Neste momento fico surpreso com a qualidade acurada da especial cultura da menina, reparo na formosura e nobreza que ela possui no olhar e me apaixono perdidamente.

- Você pergunta isso por eu espancar mesmo desmaiado?
- Não.
- Pelo espetacular destroçamento do cinto, então.
- Também não. Eu vi do jeito que o senhor entrou aqui.
- Entendi, Lurdis.
- Queria que meu marido fosse um Tarat.
- Hum. Entendi mais.
- Tristeza, viu?
- Não dá no coro?
- Nem.
- Hum. Bueno. Podemos pensar num atendimento especial. Atendo Golden Cross. Atendo pelo SUS aqui no bairro mesmo.
- Sério?
- Séríssimo.

Já ia entregar meu cartão à moça mas não tive tempo.

Neste momento, inexplicavelmente, adentram no recinto mais de sete seguranças truculentos, pegam a mim e ao cinto com o conserto inacabado e me tocam para fora do complexo utilizando pontapés, ofensas e humilhações de toda espécie.