segunda-feira, 4 de setembro de 2017

DEU CRUSH

Deu crush e quando fui ver, não acreditei. Ela era linda. Achei até que fosse alguma pegadinha, mas logo conversamos um pouco no chat e já marcamos um encontro e é isto que está acontecendo exatamente agora, e posso afirmar a vocês que ela é deslumbrante, é mais bonita que nas fotos e já pedimos dois chopes e a menina, animada, vai me contando de seu dia, eu gosto disso, sempre acho que a mulher deve falar um pouco mais do que o homem, é a mulher quem faz o motor do mundo não parar de funcionar jamais, e vou acompanhando a narrativa dela com vivo interesse e só fico um pouquinho aflito pelo número de personagens, o Lóris, a prima Mirna, o Valnei, o Tino, o Tito, o Lito, o Lóris de novo, mas por que alguém se chama Lóris? e já imagino um alemão careca, de olhos muito azuis, que tem a rara habilidade de levantar com os cotovelos as calças que estão sempre caindo, e com certeza Lóris usa aquele primeiro modelo do chinelo Rider com meias em pleno janeiro, e ela segue falando sobre o Lóris, que só agora se recupera da separação, que a mulher o deixou por um médico, e fico atento ao caso, pois adultério é sempre interessante, mas o papo acaba caindo na doença da mulher do Lóris que tem sei lá o quê que faz a pessoa ficar com a barriga sempre inchada, e quem passa perto até escuta alguns assovios que vem das tripas da pobre, e me sinto ansioso pois vejo que o assunto bifurcou, isto é, bem aquilo que sempre me traz tanto pânico, o assunto dentro do assunto, mas bravamente cravo a atenção nas palavras da moça, tão bela e formosa que ela é, e pra demonstrar interesse pergunto se o Tino, o Tito e o Lito são irmãos e ela ri e explica que não, que o Tino é filho do Lóris, o Tito é primo e o Lito não é Lito e sim Lino que é corretor de seguros, mas nem lembro dela ter falado em seguros, então a moça volta ao tema "mulher do Lóris" que agora vive com o Doutor Elton, que é de Passo Fundo, e afirma que não vou acreditar na enorme coincidência de que eles eram vizinhos de porta na década de noventa, então aí fico nervoso, pois o assunto que já tinha bifurcado, trifurcou, e bebo o chope com sofreguidão e peço outro, e começo a me possuir pela certeza de que o sonho dourado dessa mina é ter duas bocas, pra poder contar histórias paralelas simultâneas e isto me faz lembrar de um casal amigo da família que senta na tua frente e cada um deles fala um assunto diferente contigo, os dois com fisionomia resoluta, nem aí, vão despejando o que vem na cabeça e isto te obriga a ter um cérebro estereofônico pra poder responder a ambos com exatidão, mas algo me diz, que por trás daqueles rostos amigáveis, há uma antiga e mútua vontade de estapearem-se a qualquer momento, na real, são eternos rivais competidores da chorumela, e quando volto a mim, meu crush está contando sobre a depressão que fez o Lóris montar um jardim no fundo de casa pra plantar petúnias selvagens e, caralhodocudabunda, assim não dá, né? mas que porra é essa?!, então, esquecendo qualquer rastro de etiqueta, retiro o celular do bolso, abro e vejo que minha mãe está conectada, pois reparo que ela já compartilhou vinte e cinco publicações minhas, inclusive das propagandas dos shows do mês passado. Desesperado, mando uma mensagem

- tás aí?

Por sorte, mami é antenada e não tarda a responder.

-tô
-me liga e diz que tu tá passando mal.
-quem que tá passando mal?
-parius. só me liga.

Logo toca o smart e quando atendo, reparo que a lindinha continua solando com fúria e não dá refresco nem durante o telefonema, que fica um tanto complicado de fazer minha mãe entender o imbróglio todo, que estou bem, que nem eu nem ninguém está passando mal, que tudo isto é apenas um truque pra me livrar duma maleta. Por fim, extenuado, desligo e comunico.

- Tenho de ir!
- Como assim?
- Era minha mãe. Tá passando mal. Tenho de ir já.
- Puxa, que chato. Eu vou contigo.
- Não, que é isso. Não precisa.
- Vou sim.
- Não enche.

Putz. Saiu sem querer. Saiu meio vacilante, mas saiu. Foi um ato reflexo. Saiu baixinho, mas ela ouviu. Ela estanca e fica me olhando. Magoou, é claro. Já tá com os olhos cheios d'água.

- O que você disse?
-...hum...nada...quer dizer...
- Você disse pra eu não encher. Foi isso.
- Sabe o que é? Tô nervoso. Tenho de ir acudir minha mãe. Você pode ir pra casa e a gente fala amanhã.
- Eu não vim de carro. Moro lá na zona sul.
- Pega um Uber ou um táxi.
- Não pego. Eu tenho medo.
- Mas como você veio?
- O Lóris me trouxe.
- Escuta uma coisa. Por quê que você não namora o Lóris?

A mina, numa rapidez inacreditável, passa da melancolia prum estado animadíssimo.

- Kkk. O Lóris? O Lóris fala demais. Além disso, usa uns chinelos pra lá de esquisitos.
- Hum.
- Agora sou eu quem vai te fazer uma pergunta e quero que me respondas com toda a sinceridade, tá?
- Manda.
- Tás com ciúmes do Lóris?

Nesse momento sou tomado por um profundo desamparo. Não me resta outra alternativa. Levanto da mesa e depois de soltar um grito ensandecido, me atiro pra fora do bar e num clima Usain Bolt cruzo a rua e me jogo pelas vielas escuras do bairro, escutando ao longe os vagos murmúrios e queixumes da menina que é uma fantástica máquina de falar, e com mais clareza, me chega o som dos gritos e passos nervosos dos garçons que certamente já iniciam minha perseguição, mas que não se iludam, não me pegam, pois o pavor faz a gente correr o dobro do que a gente sabe, o medo, meus senhores e minhas senhoras, o medo... faz a gente voar.

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