A gente gosta de passar em ponte. A gente, quando passa em ponte, sempre olha pra baixo, pra ver o rio. Temos atração pela água. Muita e sempre.
Vivi na Espanha, na década de 80 e, pouco antes de voltar ao Brasil, no verão de 86, toquei com um trio de ciganos que estava bombando no país. Por isso, pude viajar bastante, principalmente para o sul, Andalucia.
Muitas vezes me surpreendi ao passar por pontes e ver o leito do rio seco. A Espanha tem muitos rios mortos. O leito está ali, mas não tem água. Eu me perguntava. "Por que será que não tem água, se o leito está ali"?
Agora, com a crise hídrica da região sudeste, eu e minha ignorância descobrimos o que quando o nível da água baixa, deixando o leito em contato com a atmosfera e o sol, este leito perde a capacidade de impermeabilidade que tem. Torna-se poroso e então a água da chuva acaba penetrando no solo, indo se misturar ao lençol freático. É assim que, dolorosamente, o rio morre.
A Espanha sempre teve problemas com falta de chuvas. Não era raro ver cartazes e tabuletas com a frase; NO MALGASTEIS EL AGUA.
Lá, o verão chega de uma hora pra outra. Você sai à rua num dia qualquer de junho e está fazendo 30 graus, então você pode voltar pra casa, pode tirar e guardar jaquetas e mantas e pode também estar certo que serão 90 dias de sol e altas temperaturas. É muito raro chover no verão.
A água das torneiras de Madrid vem de longe, das montanhas, e é maravilhosamente fresca, até na estação mais quente.
Agora, por aqui por estas terras, está havendo uma espécie de terrível contagem regressiva em São Paulo, principalmente. Vai acabar a água. É o que parece. É o que dizem. E as autoridades não parecem estar muito preocupadas.
As autoridades acreditam que vai chover. Estamos no fim de janeiro e está dando na TV a notícia de que animais de criação estão morrendo devido ao calor e à falta de água e luz, tão necessárias para sua refrigeração. É o caos assustador que vai dando suas primeiras tintas.
O governo federal também parece estar se lixando para as notícias de que a Amazônia está sendo devastada de forma cada vez mais acelerada. Há uma possibilidade de que esta seca esteja relacionada com o desmatamento. Mas as autoridades não se preocupam com este tipo de coisa. Este tipo de coisa não dá voto e o importante é ter o poder. A qualquer custo. O poder pelo poder. E nós, na galera, não queremos pensar nisso também. Não queremos tirar nossa cara da frente do smartphone. “Me deixa quieto com meu brinquedo de fugir”.
Foi-nos dado o dom da racionalidade, mas já são milhares de anos e estamos muito longe de dar uma ajeitada na casa. Como é que pode?
Somos os cegos que não querem ver, como no romance de Saramago. “O ensaio sobre a cegueira” faz uma metáfora exatamente sobre tudo isso. Vamos acabar transformando nosso planeta num grande pântano de caos e tragédia, porque não queremos enxergar.
Acho que a humanidade está precisando tomar uma lição. A natureza é sábia e vem nos dando seus avisos, mas continuamos apáticos.
A natureza vai começar a agir com mais rigor. Vai começar a administrar seus remédios mais fortes. Para que por fim nos modifiquemos. Para que por fim abramos nossos olhos.
fc - JANEIRO -15 -pOa