terça-feira, 26 de julho de 2016

ACHO QUE NÃO SEI

Já faz tempo que ouvi de um colega baixista algo parecido com.

- Vocês tecladistas são muito nojentos. Se acham.

Aquilo ficou em minha cabeça e se não me falha a memória outras pessoas repetiram a afirmação. Não sei ao certo.

Certa noite, tempos depois, estava num quiosque da Lagoa e num delírio etílico comentei no meio de uma roda de músicos e afins que os tecladistas somos mesmo uns insuportáveis. Alguém quis saber o porquê do disparate e segui solando.

“- Nos acham nojentos querem saber por quê? Porque os baixistas tentam, os bateristas se esforçam, mas quem acaba comendo as cantoras somos sempre nós, os tecladistas. Somos nós que conhecemos os intermináveis horizontes da harmonia, somos nós que flutuamos pelos mares da dinâmica e da suavidade. A gente vai tocando e quando vê, sente que há uma cabeça descansando em nosso ombro. É por esta razão que não gostam da gente.”

Segui meu solo idiota.

“Mas é bom fazer um pequeno adendo aqui. Aqueles tecladistas que tocam muitas diminutas também comem, no entanto sempre acabam comendo as chatas e as feias.”

As pessoas ficaram me olhando sem entender. 

Acontece que detesto o acorde diminuto. O diminuto traz uns ares piegas e caretas quando a gente o toca. O diminuto tem uma sonoridade dramática e velha e sempre me remete ao que em nosso meio chamamos de “noite” e a “noite”, pra mim, sempre foi sinônimo de melancolia. O diminuto é um acorde mala e só conheço um cara que é um gênio que coloca os diminutos de uma forma que a gente nem nota que são. O nome dele? Djavan.

Bueno. Tá, tá. Eu sei que o papo é machista e claro que não é o homem que come a mulher e sim vice versa e estas lenga lengas e churumelas que tenho escutado por aqui e você tem razão, com certeza, mas o que acontece neste caso específico é que a graça está exatamente ligada a este vinagre ultrapassado. É bom que se tenha um pouco de sacada para entender isto.

Certa feita estava numa roda de conhecidos e comentei que gostava muito do seriado “Two and a half man” e um carinha se empertigou todo ao dizer que não assistia jamais por se tratar de um programa machista. Ficou me olhando com cara de vitória.

Dãããããããããnnnnnn!!!!!!

É engraçado exatamente por isto, tolinho. Por ser escroto, por ser machista.

Acredito ser importante que o olhar que a gente tenha sobre as coisas seja em três dimensões e não em duas. Se não fica por demais simplório.

Você precisa observar o observador.

Existe um escritor sul africano chamado Tom Sharp que escreve literatura de primeira utilizando humor.  A forma como retrata os descendentes de holandeses e sua perseguição aos negros naquele país é hilária. Mas não se trata de racismo, muito pelo contrário.

Era patética  a postura dos militares em relação ao que seria o comunismo durante o golpe de 64. Houve muita tragédia neste tempo, mas havia uma particularidade cômica na total ignorância daquela gente.

E por fim quando você dá risada dos Sympsons, você não está apoiando aquela forma de ser decadente e aética que eles possuem.

É maomeno isso e também nem tenho muita certeza. Na verdade verdadeira, acho que não sei.

sábado, 23 de julho de 2016

NÃO SEI SE FOI BEM ASSIM QUE ACONTECEU



Não sei como, de repente ficamos frente a frente no balcão de um bar, falando sobre política.

Ela, uma coxinha juramentada, não podia ser mais linda, com uns olhões de fada de desenho animado japonês. Por falar nisso, coisa que nunca entendi é que a principal característica dos personagens destes desenhos seja os olhos grandes.

Mas voltando ao fato, eu estava indo bem, argumentando com bravura:

- Olha só! De um lado estão nazistas, fascistas, Bolsonaros, Kimtacategorias, evangélicos fanáticos, racistas, homofóbicos, tudo do que há de pior na sociedade brasileira. E do outro lado, presta bem atenção...

Depois de fazer uma pausa de cinema pra sorver um gole de cognac, segui o raciocínio com uma entonação lenta e arrasadora.

-...do outro lado, só pra dar uma mostra, Chico Buarque e...eu...

Em resposta a este duvidoso míssil argumentativo, a bela moça se pôs estática, me olhando com ares de pirilimpimpim e seu rosto se iluminou lindamente por um breve instante.

Foi aí que imaginei que a batalha estava duplamente vencida, mas pra minha decepção ela logo se recompôs e voltou a seu padrão coxogolpista, utilizando as frases feitas de sempre de princesa globotomizada.

Varamos a noite bebendo com fúria e falando sobre políticas e afins. Apesar de meus esforços de Hércules nessa longa batalha, ela não virou a casaca, não mudou de lado. Suas convicções não sofreram qualquer arranhão.

Ah, já sei. Quer saber se teve beijo, né?

Pois é.

Beijo também não rolou.

Ela bem que implorou.

Mas me mantive firme em minha posição, de joelhos, em frente ao edifício dela, recusando até o fim.

Quer dizer...não lembro direito se foi bem assim que aconteceu a coisa.

Ah...sei lá.

Esquece.




Fernando Corona - julho - 16

terça-feira, 19 de julho de 2016

O CORRETOR DE MEIA

É tarde de sábado e Osvaldo está no escritório com pilhas de trabalho atrasado em cima da mesa. Sente-se irritadíssimo, pois além de tanta obrigação, está perdendo o jogo na televisão. No lap top mergulhado no meio da imensa papelada, repara que chegou mensagem de Ivanise.

- O q q tá fazendo?


Ivanise está em casa, também irritada com a falta do marido que ela acha que fica inventando trabalho no sábado. Está sentada na cama
experimentando seu smart phone recém tirado da caixa.

Osvaldo estica os braços em meio à bagunça e desajeitadamente digita a resposta do jeito que pode. Sai tudo errado e nem nota. O que seria “várias coisas” se transforma em”vadias clisias”.

Ivanise lê aquilo e não consegue entender.

- o q q é isso, Osvaldo?

A resposta não vem. Digita de novo.

- fala!

Ivanise fica tentando entender o que seriam vadias clisias. Osvaldo é putanheiro, mas que papo é esse? Começa a imaginar que vadias clisias seriam putas vindas das regiões glaciais da Europa, seriam delgadas e teriam cabelo sempre alisado com chapinha. Como ato reflexo, olha-se no espelho e observa seu cabelo desgrenhado e sem corte. Se acha um tanto baranga e pensa que o marido até que teria razão para procurar estas tais clisias nas tardes de sábado. Mas e esse merda que não responde! O que estará fazendo?

- Fala logo!!!

Nada. Nem visualiza.

Entra no Google e procura por "vadias clisias". Descobre que clisia pode ser nome próprio. Aí tem...ah se tem!

- fala Osvaldo!!! fala logo!!!

Desta vez ele responde.

- o q?
- que papo é esse?
- papo de que?

Ivanise digita “vadias clisias” mas o corretor corrige.

- vasco clister???
- o que é isso? tás loka, Ivanise?

A mulher já estava possuída e resolve engrossar mandando à merda, mas o corretor é implacável.

- vai a mercadoria.
- Ivanise...meu amor, vc tá esquisita...aliás, anda estranha ultimamente, assim, meio sei lá....

A mulher, já sentada em cima dos calcanhares e enfurecida escreve 5 letras maiúsculas; P O R R A. Mas o corretor inspirado manda assim;

- P O R C A.
- Pois é, querida, até isso tenho sentido e já que vc tocou nesse assunto vou te falar sinceramente. vc anda meio desleixada com as coisas da casa, vc não acha? Será uma crise? Vc tá bem? Tem alguém aí c vc?

Ivanise, possessa, digita com dedaços ruidosos, ao mesmo tempo em que soletra gritando cada letra; CORRETOR DE MERDA!!! Quando lê o resultado pula 5 vezes em cima dos joelhos e quase cai da cama.

- CORRETOR DE MEIA!!!

Osvaldo lê aquilo e acha que é demais. A mulher tinha passado dos limites da loucura. Já não chegava o bolo de tarefas inexecutáveis que tinha pra fazer e a partida na TV irremediavelmente perdida e vinha essa doida com questões incompreensíveis? E ainda por cima querendo botar ciúmes nele com um tal corretor que estaria seminu em sua própria casa?

- quer saber, Ivanise!? Vai tomar no seu cu e vê se não me amola mais, porra. Me deixa trabalhar!?

A mulher, lendo aquilo, paralisa todos os movimentos e começa a murmurar entre dentes num crescendo que “feliz é você, Osvaldo, que consegue mandar alguém tomar no cu sem ter uma caralha de um corretor moralista que fica deturpando suas falas, feliz é você que pode escrever a palavra porra mil vezes, Osvaldo, seu merda, você é que tinha de tomar nesse seu cuzão gordo, seu filho da puta de nádegas flácidas”. Então volta à carga digitando com frenesi.

- fala logo!!!! Fala de uma vez, porca!!! Carvalho...que corretor de meia!!! Não é porca, é porca que eu quero falar. Osvaldo, tu é um filho da pata da porca! Fala de uma vez!!! Que bossa nova é essa?! é foca,viu? fala!!!

- o q q tu quer saber, louca?...falar o que?
- quem são elas, Osvaldo!?
- elas quem, caralho?
- as vacinas cínicas?

Quando lê o que está escrito, Ivanise, solta um berro desesperado e se atira pra trás, mas errando o cálculo dá com a cabeça na guarda da cama. Seus gritos só cessam quando ela pode ver os numerosos cacos do smart espalhados por toda habitação. Então olha para o teto e depois de um soluço, murmura baixinho;

- Porca.






Fernando Corona - pOa - 19/julho/16

segunda-feira, 11 de julho de 2016

ENCONTROS DESEJADOS

Todas as pessoas tem seus ídolos e sonham constantemente com um encontro com eles.

Um encontro para um autógrafo ou para uma troca rápida de palavras, talvez um abraço ou quem sabe até uma foto. Isto sim poderia ser o máximo, pra arquivar o fato no histórico e depois lembrar.

Todas as pessoas sonham com um encontro.

Na verdade, nem precisa ser com um ídolo.

Pode ser com a consagrada figura da possível metade da laranja.

Pode ser com alguém que traga as respostas pras mais difíceis perguntas. O encontro com o mestre.

Pode ser um impossível encontro com algum personagem da história.

Quando li “O general em seu labirinto” de GGMarquez onde ele conta como teriam sido os últimos momentos de Simon Bolivar, acometido pela fatal tuberculose, pensei na possibilidade de voltar no tempo e entregar penicilina nas mãos do pobre homem que padeceu de febre por anos. Não senti isto tanto por admirar o personagem. Acho que foi mais por pena mesmo, pois a narrativa do escritor é pungente.

Também existem pessoas que deliram ao imaginar um encontro com Deus e eu é que não quero saber deste encontro tão cedo. Nem com Deus nem com qualquer outro ente espiritual. Pelo menos não nos próximos duzentos anos.


Alguns de meus ídolos musicais já não estão mais por aqui. Dos que estão, não tenho dúvida, gostaria de encontrar Stevie Wonder, que pra mim sempre foi a expressão musical mais assombrosa entre tantas que conheço. Assaria um churrasco pra ele e no final tocaria violão com mãos engraxadas de costela pro cara cantar “You are de sunshine of my life”, que é a canção que me enfeitiçou aos 15 e é a canção que me enfeitiça à beira dos 58.

Mas quer saber com quem eu gostaria de me encontrar? Quer mesmo?

Eu gostaria de ter um encontro com este cara que tenho por dentro. Este outro “eu” que brinca comigo todo o tempo. Certamente ele faz estas pilhérias enquanto durmo, enquanto não estou vigiando a casa da minha cachola.

Os especialistas chamam este babaca de subconsciente. Será isso?

Queria ter uma boa conversa com ele. Ia perguntar o porquê de às vezes ir pra cama destroçado da alma e no dia seguinte despertar renovado, como se nada houvesse acontecido. E o pior. Queria saber o motivo de adormecer vibrando com a vida e pensando que “agora vai” e acordar com a sensação de que um caminhão passou por cima do meu espírito.

Por que me nasciam espinhas nas vésperas das grandes festas?

Por que as gripes acontecem perto dos shows importantes?

Queria falar com este cara. Levar um papo reto. Ia ser bem sincero com ele. Lhe diria na lata;

- Pô, véio! Tu atrapalha pra caralho!