sábado, 9 de maio de 2015

Hora da Sopa

          É maio e já faz frio. To caminhando na ESEF. To calçando o melhor tênis que já tive em toda minha vida. Nada demais. Pouco mais de 100 pila. Mas é uma luva. Vou bem faceiro com ele, caprichando no ritmo que é pro sangue circular e limpar as veias. Estas coisas que inventam pra gente ver se chega até os 100. 

          Na minha direção vem um gordinho. Tem mais juventude que eu mas também tem mais banha.  Vem correndo. Passa por mim bufando e a expressão do rosto é de extremo sofrimento. Certamente vai morrer antes de completar a próxima  volta. Nunca consegui descobrir como estes gordos conseguem correr tanto. A cara é de um sofrimento atroz. Sempre que vejo um gordinho destes correndo,  acelero o passo. É uma reação natural e intuitiva, sei lá o porquê. Talvez nessa hora tente demonstrar minha invejável agilidade. 

           Agora vem na minha direção uma mulé. Toda paramentada de academia,   vem caminhando acelerada.   É jovem.   Vai se revelando bonita. Gostosa também. Quando passa por mim vejo que é linda. E me fulmina com o olhar. Epa. Chego a ficar com as pernas bambas e já vem uma hipoglicemiazinha junto. Tem alguma coisa errada aí. Algum engano. Morei anos no Rio de Janeiro e nem as velhas caolhas e mancas me olhavam. Já to bem acostumado com o desprezo. Deve ter me confundido com o pai de algum amigo, ou  talvez  seja amiga  dos meus filhos.   É uma deusa. Recupero um pouco a lucidez e o ritmo dos passos e procuro pensar em alguma outra coisa, como se isso fosse possível. 

          Lá vem o gordinho de novo. Caraca. Não morreu. Tá bem ele. O ritmo é o mesmo.  Vem correndinho. A fisionomia segue crispada. A cara suada é de um tom rosáceo. Está à beira de uma síncope, não há dúvida, mas  passa  trotando.   Respira com desespero. Dou mais uma aceleradinha e acabo tropeçando em mim mesmo. Assustado,  corro 10 metros olhando em volta. Ninguém viu. Então volto à minha passada original!

          A mina aponta lá na frente agora. Vem vindo.  Acelero ainda mais o passo e encolho a barriga tudo o que dá. Quero ver se me gruda o olho de novo. Ela vai se aproximando, se aproximando  e quando passa por mim,  nadícolas de nada. Parius! Sabia que era um engano. Respiro aliviado, afinal agora sim, as coisas estão em seu devido lugar. Já pensou se ela me fuzila novamente? Eu seria obrigado a chegar junto. Já pensou? Não dá, meu! Tem gente em casa me esperando com uma sopa quente. E não to falando de uma sopa qualquer. É uma sopa de catega.  Só de lembrar disso meu estômago emite uns queixumes ruidosos.  E tem mais essa. É hora de janta e se chego na mina, minhas tripas vão querer participar do diálogo também. 

          Então decido dar por terminada minha caminhada. Já tá de bom tamanho.  Vou me aproximando da saída e vejo o gordinho parado, com as mãos na cintura e olhar no infinito. A cara ainda é um rictus. Pra quem não sabe, rictus é a expressão em forma de sorriso que aparece nos cadáveres; boca semi-aberta. Pesquisei e tudo. No momento que passo por ele vejo que leva a mão ao rosto e cobre uma narina.

          Além de correr, o gordo ainda consegue fazer uma coisa que sempre tentei e nunca consegui na vida inteira. Baita recalque. O cara cospe pelo nariz. Acredita?  Taquiuspa!

          Quando cruzo o portão a deusinha está alongando. Repara na minha presença e abre um sorrisão.

- Tem horas, tio?

          Respondo com um gesto vago e negativo. Meu estômago dá um gritinho e isto me faz acelerar o passo pela calçada. Vou pensando com meus botões;

Hora da sopa, lindinha... hora da sopa.

FC - maio - 15 - pOa

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