Acho que cada um de nós tem uma trilha sonora que lhe acompanha, uma trilha que ambienta seus dias, sua jornada. Minha trilha foi esculpida em tardes de outono durante aulas gazeadas e inesquecíveis descobertas. Minha trilha sempre a trago cá comigo, como agora que a vou assoviando, enquanto caminho pelas ruas desta cidade formidável, e esta palavra, formidável , que já está tão fora de moda era muito utilizada por meu pai, então por isso não a esqueço e quando a coloco feito homenagem em meio a qualquer frase, sempre me vem à boca um gosto de super herói em tardes de abril, uma TV com chuvisco irrecuperável.
Acho que cada um de nós tem sua trilha sonora e esta trilha vai sempre se modificando. Com o passar do tempo, ela vai adquirindo outros nuances, outros matizes, novos arranjos, vai virando senhora, vai se tornando sábia. Neste momento, cantarolo a minha e a faço misturar-se aos sons que vêm dos carros, ao burburinho das pessoas. Do meu lado direito escuto o som do oceano majestoso que se aproxima de mansinho e com a intimidade que só ele sabe ter invade minha trilha e isto nada mais é do que o mais puro e profundo sexo. Aquele sexo que é mais do que consentido, que é desejado. O sexo das almas gêmeas, dos apaixonados ou simplesmente o sexo dos vorazes que também são generosos e tem talento. Minha trilha tem mar, tem brisa, tem avião e tem sereia. E mais do que tudo, minha trilha sonora tem beijo, ah isso como tem... e tem palavras que não se entendem, mas que se pode muito bem imaginar.
Mas este é só mais um domingo em que pensei que ia encontra-la. Ela novamente não apareceu. Por isto estou mudando de assunto, desconversando. Mas não pense que ela faltou a algum encontro marcado. Não...não é nada disso. Pra falar bem a verdade nem a conheço. Ou melhor, a conheço de um sonho que se repete tantas e tantas vezes que sei, que quando a encontrar, terei certeza de que é ela. Não posso descrever com palavras o jeito dos olhos que ela tem. Nem posso dar uma vaga ideia daquelas mãos que se movem como pássaros sagrados. Mas sei que ela deve estar por aí, em algum ponto da cidade formidável com uma sensação no peito que não a deixa.
Acho que todos nós temos uma trilha sonora que nos acompanha, que nos enleva, que nos deixa a pele arrepiada. A minha vou entoando no ritmo de meus passos enquanto o sol se perde atrás de mim e atrás dos morros. Mesmo estando aqui há tanto tempo, ainda me assombro com a beleza e a magnitude da arquitetura desta cidade. Então vou espionando janelas e salas. Adivinho viveres, escolho lugares onde vou morar. Sinto no ar a melancolia deste domingo que se vai e me abraça ternamente. E imagino. Imagino que ela possa estar em alguma varanda. Tomando café, fazendo as unhas, ouvindo música, lendo... ou olhando nos meus olhos... como ela está fazendo exatamente agora.
https://www.youtube.com/watch?v=U33gSGHkI3I
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
sábado, 17 de outubro de 2015
Oi, Nina. Resolvi procurar teu endereço de email na página do facebook para te enviar algumas linhas. Evitei manda-las por mensagem e te explico o porquê. Não quis correr o risco de você não tecer qualquer resposta ou comentário, mesmo tendo visualizado o que escrevi. Quis evitar a possibilidade deste silêncio, que seria constrangedor. Então optei pelas águas turvas onde são jogados todos os e-mails pois eles sempre podem tomar a direção de alguma caixa que nunca será aberta. É mais confortante para mim imagina-lo repousando intocável no lixo eletrônico. Mas queria te contar que nesta noite passada sonhei contigo. Estava eu em uma viagem de trem e quando parei em alguma estação que parecia ampla, iluminada e com suaves cores de tijolo predominando, você, repentinamente vinda do nada, apareceu em minha frente. Tinha um sorriso na boca, que me pareceu tão familiar, e me entregou algo. Para este objeto que recebi de suas mãos ainda não consegui achar a palavra adequada em nossa língua cotidiana. Então o denomino paquete e sei que isto é bastante inusual, mas não posso chamá-lo de outra maneira. É a palavra que me vem à cabeça. Tinha a forma de um tablete, ou quem sabe uma barra de ouro dentro de um estojo. É o que diz minha memória que ainda está fresca, pois isto aconteceu há alguns minutos, e minha memória também indica que aquele momento em que você me entregou o paquete foi por demais precioso, pois meu corpo todo vibrou com uma sensação de profundo agradecimento. Surpreendentemente, seguido a isso, você se aproximou e beijou minha boca e foi um beijo terno e efusivo, e neste momento pude ver de perto e de forma muito clara as formas tão belas de seu rosto, seus olhos gigantes de fada que você sabe que tem quando espalha generosas fotos pela rede, com a vaidade que já conheço, pois também a possuo, e intuo que seja um animal que nós dois sabemos muito bem como domesticar. Não acredito que exista alguém no mundo que consiga beijar durante o sonho por largo tempo e comigo não foi diferente. O beijo sempre nos faz acordar e como já não sou tão criança, desta feita também não tentei reembarcar na cauda do sonho, apesar de ter pensado nisso. Então tentei me conformar com meu pobre despertar, mas não posso deixar de dizer que restou uma sensação de rosetas na cama. Devo confessar também que tive dúvidas em relatar a você este evento que parece tolo, afinal de contas, sempre apenas trocamos fortuitos likes e tivemos um par de diálogos entrecortados e vagos, mas pensei que não há mais tempo para deixar de fazer as coisas. Então resolvi te contar. Pensei também que este sonho talvez tenha sido sonhado por você. Ou quem sabe você possa ter sonhado algo que complemente, ou pelo menos explique meu sonho desta noite, algo que revele o significado que ele tem e agora vou mais longe ainda. Estou imaginando que este meu relato possa fazer você sonhar a parte que falta, se existir realmente uma parte que falta. E por que não? Nos últimos tempos tenho adivinhado pensamentos, reações e frases e posso jurar que a porta da garagem tem se aberto frações de segundo antes de eu acionar o controle remoto. Por que não posso acreditar também que as pessoas se relacionem em seus subconscientes e os novos tempos nos farão descobrir um outro mundo? Um mundo inconsciente e mais harmônico, um mundo paralelo onde amores e amizades são mais fluídos, mais líquidos, um mundo com menos histórico e assim também com menos culpa? Talvez meu e-mail não se perca e você clique, abra e leia e quem sabe tenha algo bom a dizer sobre meu devaneio. Quem sabe até tenha algo a sonhar em cima de tudo isto e depois me conte. Agora me vou. Vou almoçar que logo tenho o que fazer. Daqui vejo que voltou a chover. Porto Alegre tem andado triste. Bem mais triste do que eu. Bjs.
15 - OUTUBRO - pOa
15 - OUTUBRO - pOa
terça-feira, 6 de outubro de 2015
TOLICES E COISAS TOLAS
Foi no Julio de Catilhos, que chegou um aluno novo, que tocava também um pouco de piano, e por isto nos aproximamos. Tínhamos 15 anos e morávamos no mesmo bairro. Voltávamos juntos pra casa. Íamos caminhando e ele falava sempre sem parar. Ia me comprimindo pouco a pouco contra a parede. Quando eu não tinha mais espaço, pulava pro outro lado. Então ele me apertava até chegar no fio da calçada. Quando estava quase levando um espelhaço de ônibus na mufa voltava pro outro lado. Era assim sempre. Chegava uma hora que eu estrilava.
- Pô cara! Chega pra lá.
- Pô! Sujeira cara.
Ele era uruguaio e gostava dessa gíria muito usada na época. "Sujeira". Usava em toda e qualquer situação.
Tempos depois conheci um sujeito que gostava de falar de perto. Sabe? Gostava de conversar com as mãos no bolso e o nariz colado no nariz da gente. Lembro que eu me afastava 10 centímetros e ele avançava 10. Me afastava mais 10 e ele recuperava. Quando chegava na parede tinha de dar um jeito de buscar um outro lugar, em campo aberto que desse chance de fuga. Muito chato. Enquanto ele falava eu não respirava. Não queria inalar o troço que ele expirava.
Agora estes tempos reencontrei um colega que adquiriu o hábito de cutucar quando conversa. Cutuca a gente na barriga. 15 minutos de trela e a barriga já tá doendo bem. De tanto cutuco. E a conversa? Nem vale a pena apanhar tanto. Papo de doido.
Uma vez fui no churrasco de uns americanos decadentes. Comecei a conversar com um octogenário. Ele falava com acentuado sotaque e num tom muito baixo, então para entende-lo tinha de me aproximar. Quando isso acontecia tinha de me afastar pois ele fedia legal. Banho jamais. Véinho nhaquento. Então fiquei ali um tempo que nem João Bobo. Pra frente, pra trás.
Tem também aqueles caras que vem te cumprimentar e pra demonstrar personalidade ou virilidade apertam a mão dicumforça. Pra mim que toco piano e tenho cotovelo de tenista é uma beleza. Tenho estendido a esquerda, quando vejo que o cara é fortão. No documentário do grande pianista Nelson Freire em determinado momento ele comenta que se tem uma coisa que não gosta de fazer nessa vida é cumprimentar. Certamente tem medo. Mãos valiosas.
- Por que você não vai nestas farmácias que tem estas novas máquinas de diagnóstico? Através da urina você descobre o mal que está passando. É barato e dá resultado.
O cara aceitou a sugestão e entrou na farmácia. Fez xixi no potinho e colocou o potinho na máquina. Menos de 2 minutos, veio o resultado numa folha de papel.
VOCÊ ESTÁ SOFRENDO DE EPICONDILITE AGUDA, POPULARMENTE CONHECIDA COMO COTOVELO DE TENISTA. PROCURE UM TRAUMATOLOGISTA.
O cara achou legal, mas não acreditou muito. Resolveu passar a máquina pra trás.
Chegou em casa, botou um pouco do xixi do cachorro no potinho, logo comentou com a família o fato acontecido e pediu pra filha e pra mulher fazerem xixi ali dentro também. Não contente com isto, se masturbou pra aumentar a confusão daquilo. Ele só queria ver que resultado a máquina ia inventar.
No dia seguinte entrou na farmácia e colocou o potinho dentro da máquina. Se passaram 2 minutos e a máquina apresentou o seguinte laudo:
SEU CACHORRO ESTÁ COM VERMES. PROCURE UM VETERINÁRIO.
SUA FILHA ESTÁ CHEIRANDO COCAÍNA. PROCURE UM CENTRO DE APOIO.
SUA MULHER ESTÁ GRÁVIDA E O FILHO NÃO É SEU. PROCURE UM ADVOGADO.
E VÊ SE PARA UM POUCO DE BATER PUNHETA QUE É ISSO QUE DÁ COTOVELO DE TENISTA.
- Pô cara! Chega pra lá.
- Pô! Sujeira cara.
Ele era uruguaio e gostava dessa gíria muito usada na época. "Sujeira". Usava em toda e qualquer situação.
Tempos depois conheci um sujeito que gostava de falar de perto. Sabe? Gostava de conversar com as mãos no bolso e o nariz colado no nariz da gente. Lembro que eu me afastava 10 centímetros e ele avançava 10. Me afastava mais 10 e ele recuperava. Quando chegava na parede tinha de dar um jeito de buscar um outro lugar, em campo aberto que desse chance de fuga. Muito chato. Enquanto ele falava eu não respirava. Não queria inalar o troço que ele expirava.
Agora estes tempos reencontrei um colega que adquiriu o hábito de cutucar quando conversa. Cutuca a gente na barriga. 15 minutos de trela e a barriga já tá doendo bem. De tanto cutuco. E a conversa? Nem vale a pena apanhar tanto. Papo de doido.
Uma vez fui no churrasco de uns americanos decadentes. Comecei a conversar com um octogenário. Ele falava com acentuado sotaque e num tom muito baixo, então para entende-lo tinha de me aproximar. Quando isso acontecia tinha de me afastar pois ele fedia legal. Banho jamais. Véinho nhaquento. Então fiquei ali um tempo que nem João Bobo. Pra frente, pra trás.
Tem também aqueles caras que vem te cumprimentar e pra demonstrar personalidade ou virilidade apertam a mão dicumforça. Pra mim que toco piano e tenho cotovelo de tenista é uma beleza. Tenho estendido a esquerda, quando vejo que o cara é fortão. No documentário do grande pianista Nelson Freire em determinado momento ele comenta que se tem uma coisa que não gosta de fazer nessa vida é cumprimentar. Certamente tem medo. Mãos valiosas.
Pra terminar, piadinha correlata.
O cara se queixou para o amigo de estar com muita dor no braço e o amigo aconselhou.
O cara se queixou para o amigo de estar com muita dor no braço e o amigo aconselhou.
- Por que você não vai nestas farmácias que tem estas novas máquinas de diagnóstico? Através da urina você descobre o mal que está passando. É barato e dá resultado.
O cara aceitou a sugestão e entrou na farmácia. Fez xixi no potinho e colocou o potinho na máquina. Menos de 2 minutos, veio o resultado numa folha de papel.
VOCÊ ESTÁ SOFRENDO DE EPICONDILITE AGUDA, POPULARMENTE CONHECIDA COMO COTOVELO DE TENISTA. PROCURE UM TRAUMATOLOGISTA.
O cara achou legal, mas não acreditou muito. Resolveu passar a máquina pra trás.
Chegou em casa, botou um pouco do xixi do cachorro no potinho, logo comentou com a família o fato acontecido e pediu pra filha e pra mulher fazerem xixi ali dentro também. Não contente com isto, se masturbou pra aumentar a confusão daquilo. Ele só queria ver que resultado a máquina ia inventar.
No dia seguinte entrou na farmácia e colocou o potinho dentro da máquina. Se passaram 2 minutos e a máquina apresentou o seguinte laudo:
SEU CACHORRO ESTÁ COM VERMES. PROCURE UM VETERINÁRIO.
SUA FILHA ESTÁ CHEIRANDO COCAÍNA. PROCURE UM CENTRO DE APOIO.
SUA MULHER ESTÁ GRÁVIDA E O FILHO NÃO É SEU. PROCURE UM ADVOGADO.
E VÊ SE PARA UM POUCO DE BATER PUNHETA QUE É ISSO QUE DÁ COTOVELO DE TENISTA.
Fc-outubro-15- pOA
sábado, 3 de outubro de 2015
ROMANCE DE FACEBOOK
Os dois tinham se conhecido rapidamente pela rede e ele logo convidou-a para sair.
Ela gostou da atitude cheia de atitude da parte dele e aceitou o convite, não sem antes dar uma furungada nas fotos.
Achou que ele não era nada de mais, mas também nada de menos. Tinha fotos normais, com amigos, com filhos e ela só encasquetou com uma, na qual ele estava ao lado da mãe.
Cara de um, focinho do outro.
Sempre desconfie deste fenômeno. Quando o filho é a cara da mãe, é sabido que ele é apenas um boneco. É a mesma pessoa em dois corpos diferentes, sendo que a personalidade é a da velha.
No momento em que estavam sentando no restaurante ela foi chamada à atenção pelo cabelo do sujeito. Nas fotos do Face não dava pra ter uma ideia mais precisa, mas com a iluminação farta daquele estabelecimento, ela pôde ver com clareza que era tipo uma moita, logo em seguida achou que se parecia mais com um carpete, até ter certeza de que aquilo era um fragmento removido de algum gramado sintético. Ficou como que hipnotizada e não conseguia tirar os olhos daquela formação que começava um pouco acima das sobrancelhas e ia quase até às costas.
O homem parecia ansioso, consultando toda hora o relógio, e subitamente num gesto decidido, com um sorriso enigmático na cara, tirou um tubinho de plástico do bolso do paletó e de dentro deste pescou um comprimido azul que depositou sobre a mesa ao lado do prato. A moça então não se conteve e apontando para a pílula celeste, mandou.
- Posso perguntar o que é isto?
- Claro, Elizabéss.
- Haroldo... você pode me chamar de Beth.
- Nome de rainha, Elizabéss...tem de ser respeitado. Esqueçamos minimizações. Você não gosta da minha pronúncia? Elizabésssss.
Ele tratou de exagerar a articulação da palavra, usando a língua bem entre os dentes. Com a performance, acabou aspergindo um pouco de saliva, atingindo levemente o rosto da moça que se sentindo um pouco mareada, voltou a perguntar.
- Isso é remédio. Haroldo?
- Não, Elizabéss. É Viagra.
Ela ficou atônita, em silêncio. Enquanto ele espiava o relógio mais uma vez. Beth voltou à carga.
- E você vai tomar este comprimido agora?
- Vou. Exatamente agora.
E engoliu o azulzinho com assustadora sofreguidão. Após verificar a hora mais uma vez, explicou.
- É o comprimido das 8, Elizabéss. Saiba que tomo Viagra de 8 em 8 horas.
Quando ela ouviu a resposta e observou aquele sorriso de Jack Nicholson nos seus piores momentos, murmurou com uma voz quase inaudível.
- Sério?
- Sério, Elizabéss. Assim estou sempre pronto pro que der e vier. Daí, de onde você agora está sentada, infelizmente, não pode admirar o magnífico resultado do meu tratamento.
Nesse momento ela começou a sentir uma vontadezinha de chorar. Ele continuou.
- E daí de onde você está sentada também não pode visualizar uma outra coisinha muito interessante... interessante de verdade, Elizabess. Pode acreditar.
Ela então indagou com um fiozinho de voz.
- É? E o que seria?
Depois de uma pequena pausa, Haroldo se inclinou sobre a mesa e, com uma careta sorridente, sussurrou:
- Eu depilo.
Beth sentiu o calafrio que lhe percorria os ossos.
- Depila?
- Depilo, Elizabéss. Depilo as partes. Depilo tudinho. Até o botão do alarme tá depilado, você acredita?
Nesse instante, Beth se engasgou e já ia começar a tossir, mas Haroldo inclinou-se mais ainda, quase encostando o rosto no rosto da mulher, que agora estava pálida e de olhos arregalados.
Em tom quase segredado o homem despejou lentamente.
- Elizabéss... Agora eu estava reparando...que olho lindo que você tem, um olho azul... grande. Sabe que tenho um sonho?...ter um olho assim, exatamente assim, como o seu, pra por no meu chaveiro... já pensou? Você não acha que ficaria joia?
Ao ouvir isto, Beth não pode evitar uma primeira lágrima, mas antes que caísse a segunda, deu um grito, levantou-se com escândalo e iniciou ensandecida carreira pelo restaurante, desafiando todas as leis dos saltos altos, e como uma garça desesperada que necessita urgentemente alçar voo, depois de quase fazer um strike de garçons, mergulhou pra dentro de um táxi em movimento.
Quinze minutos depois, Beth chegou em casa, fechou portas e janelas, encerrou a conta do Face, mudou de e-mail, pediu férias e foi passar 15 dias na casa da irmã Margareth. Quero dizer...Margaréss.
FC - OUTUBRO - 15 - pOa
Ela gostou da atitude cheia de atitude da parte dele e aceitou o convite, não sem antes dar uma furungada nas fotos.
Achou que ele não era nada de mais, mas também nada de menos. Tinha fotos normais, com amigos, com filhos e ela só encasquetou com uma, na qual ele estava ao lado da mãe.
Cara de um, focinho do outro.
Sempre desconfie deste fenômeno. Quando o filho é a cara da mãe, é sabido que ele é apenas um boneco. É a mesma pessoa em dois corpos diferentes, sendo que a personalidade é a da velha.
No momento em que estavam sentando no restaurante ela foi chamada à atenção pelo cabelo do sujeito. Nas fotos do Face não dava pra ter uma ideia mais precisa, mas com a iluminação farta daquele estabelecimento, ela pôde ver com clareza que era tipo uma moita, logo em seguida achou que se parecia mais com um carpete, até ter certeza de que aquilo era um fragmento removido de algum gramado sintético. Ficou como que hipnotizada e não conseguia tirar os olhos daquela formação que começava um pouco acima das sobrancelhas e ia quase até às costas.
O homem parecia ansioso, consultando toda hora o relógio, e subitamente num gesto decidido, com um sorriso enigmático na cara, tirou um tubinho de plástico do bolso do paletó e de dentro deste pescou um comprimido azul que depositou sobre a mesa ao lado do prato. A moça então não se conteve e apontando para a pílula celeste, mandou.
- Posso perguntar o que é isto?
- Claro, Elizabéss.
- Haroldo... você pode me chamar de Beth.
- Nome de rainha, Elizabéss...tem de ser respeitado. Esqueçamos minimizações. Você não gosta da minha pronúncia? Elizabésssss.
Ele tratou de exagerar a articulação da palavra, usando a língua bem entre os dentes. Com a performance, acabou aspergindo um pouco de saliva, atingindo levemente o rosto da moça que se sentindo um pouco mareada, voltou a perguntar.
- Isso é remédio. Haroldo?
- Não, Elizabéss. É Viagra.
Ela ficou atônita, em silêncio. Enquanto ele espiava o relógio mais uma vez. Beth voltou à carga.
- E você vai tomar este comprimido agora?
- Vou. Exatamente agora.
E engoliu o azulzinho com assustadora sofreguidão. Após verificar a hora mais uma vez, explicou.
- É o comprimido das 8, Elizabéss. Saiba que tomo Viagra de 8 em 8 horas.
Quando ela ouviu a resposta e observou aquele sorriso de Jack Nicholson nos seus piores momentos, murmurou com uma voz quase inaudível.
- Sério?
- Sério, Elizabéss. Assim estou sempre pronto pro que der e vier. Daí, de onde você agora está sentada, infelizmente, não pode admirar o magnífico resultado do meu tratamento.
Nesse momento ela começou a sentir uma vontadezinha de chorar. Ele continuou.
- E daí de onde você está sentada também não pode visualizar uma outra coisinha muito interessante... interessante de verdade, Elizabess. Pode acreditar.
Ela então indagou com um fiozinho de voz.
- É? E o que seria?
Depois de uma pequena pausa, Haroldo se inclinou sobre a mesa e, com uma careta sorridente, sussurrou:
- Eu depilo.
Beth sentiu o calafrio que lhe percorria os ossos.
- Depila?
- Depilo, Elizabéss. Depilo as partes. Depilo tudinho. Até o botão do alarme tá depilado, você acredita?
Nesse instante, Beth se engasgou e já ia começar a tossir, mas Haroldo inclinou-se mais ainda, quase encostando o rosto no rosto da mulher, que agora estava pálida e de olhos arregalados.
Em tom quase segredado o homem despejou lentamente.
- Elizabéss... Agora eu estava reparando...que olho lindo que você tem, um olho azul... grande. Sabe que tenho um sonho?...ter um olho assim, exatamente assim, como o seu, pra por no meu chaveiro... já pensou? Você não acha que ficaria joia?
Ao ouvir isto, Beth não pode evitar uma primeira lágrima, mas antes que caísse a segunda, deu um grito, levantou-se com escândalo e iniciou ensandecida carreira pelo restaurante, desafiando todas as leis dos saltos altos, e como uma garça desesperada que necessita urgentemente alçar voo, depois de quase fazer um strike de garçons, mergulhou pra dentro de um táxi em movimento.
Quinze minutos depois, Beth chegou em casa, fechou portas e janelas, encerrou a conta do Face, mudou de e-mail, pediu férias e foi passar 15 dias na casa da irmã Margareth. Quero dizer...Margaréss.
FC - OUTUBRO - 15 - pOa
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