Sempre fui e continuo sendo uma frágil plantinha. Por isto, necessito cuidados extremos e constantes e talvez também por isto, minha mulher tenha chegado em casa com a novidade do suco vivo.
Pra proteger minha saúde, eu teria de tomar o tal suco, que consistia na mistura de um suco de frutas, maçã, uns brotos de sementes de girassol, inhame e a abominável couve.
Deviam ser duas da tarde quando o pau bem mandado aqui ingeriu a duvidosa beberagem. O gosto não era de todo mau, mas restou na boca uma leve sensação de que havido lambido o sovaco do tio Quinho.
Fim de tarde resolvemos ir ao cinema e quando chegamos ao Largo do Machado, bateu a fome e decidi comer um McDobbels, contrariando os discursos intermináveis de minha mulher quanto ao malefício do ato. Devorei rapidamente o lanche com fritas e coca, pois não tínhamos muito tempo, e atravessamos a rua correndinho com aquele lance já chacoalhando no meu pandulho.
Quando entrei no cinema, senti que o suco vivo e o McDobbels realmente não estavam criando uma boa empatia. Um era petralha e o outro coxinha, e quando sentamos na sala, já podia perceber poderosos movimentos revolucionários nas entranhas.
O Discurso do Rei era o nome do filme. Um filme cheio de silêncios. Pior.
De repente rolou um silêncio e veio a coisa.
Não sei se você sabe o que é um glissando de contrabaixo. Pois é. Era algo por aí. Naquela pausa, ouvi com clareza um glissando lento, ascendente, acompanhado de alguns harmônicos e mais uns discretos e inacreditáveis assovios. Era o som que minhas tripas começavam a inventar.
Notei que meu vizinho do lado esquerdo, com preocupação, virou a cabeça em direção a minha barriga. Fiquei irritado com aquilo e bochinchei um pouco com minha mulher a possibilidade de vazar da sala, o que ela replicou com uma expressão de frieza e desdém, afinal de contas ninguém mandou comer aquele veneno.
Logo em seguida, novo silêncio e novo glissando e meu vizinho, depois de mirar minha pança, comentou algo com a namorada. Tenso.
Daqui a pouco, rola outro grande silêncio, quando irrompe um glissandão ascendente, vagaroso, logo seguido de um glissandinho acelerado e descendente, como se de repente, aquilo que estava indo naturalmente, tivesse tomado a brusca resolução de voltar, como se houvesse se assustado com alguma coisa. Um troço muito impressionante. O cara, assustado, olhou pra minha barriga e em seguida pra minha cara e então achei que deveria dizer algo pra acalmar o sujeito que parecia atônito, e em voz baixa mandei.
- Velho...fica tranquilo que não vai vazar nada.
Logo em seguida, indeciso, caí na asneira de adicionar um “eu acho”, e isto me fez rir e foi neste momento que deixei um fio de baba escapar da boca.
Quando notei que o rapaz esfregava o braço com sofreguidão para limpar a indesejável gosma, fui tomado pelo riso e num ato reflexo levantei dali gargalhando que nem um camelo, e aí meus senhores e minhas senhoras, só me restou empreender fuga, pois comecei também a tossir e a tosse me saia pela frente e a tosse me saia por trás, fazendo com que a radioatividade principiasse a escapulir com fúria, os gases tóxicos já ameaçavam tomar o baía de Guanabara por inteira, o grande desastre do Catete faria Chernobyl cair no esquecimento, e foi também pensando nestas idiotas consequências que deixei a sala de projeções aos tropeções, cacarejando deslavadamente, abaixo de protestos e queixumes de uma plateia que já ensaiava algumas hostilidades.
Da porta ainda vislumbrei minha mulher que, com toda sua indiferença e rancor vingativo, bem acomodada em sua poltrona, comendo pipocas calmamente, tava nem aí pra mim.
Bah.
Suco vivo nunca mais.
Parius.
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