sábado, 29 de julho de 2017

PULANDO CORDA

Tinha bebido umas que outras e, não sei como, acabei caindo pra dentro do dancing da hora. Troço lotado. Fauna intensa e variada. Tô observando, espreitando. De repente vejo uma moça com olhos de fada. Tá me olhando. Não tira os olhos de mim e me certifico completamente disto. Não há dúvida. Não tem erro. Então dou um talagaço na ceva pra me encorajar e me aproximo.

- Oi.
Acho que minha voz sai fraca, pois ela continua com aquela expressão de coruja que presta atenção. Volto a repetir.
- Oi.
- Oi, ela responde.
- Tudo bem?
- Até agora tudo bem.
- E aí?
- Aí o que?
- Reparei que você tava me olhando.
- Eu? Te olhando?
- É.
- E por que eu estaria te olhando?
- Sei lá. Me dando letra.
- Letra pra você? Tás doido?
- Parecia.
- Você tá viajando.
- O que você tava olhando, então?
- Ah, sei lá... o movimento do barzinho. Normal.
- Ah, tá. Bom. Desculpe, então.
- Sabe que você parece o Tio Epa?
- E quem seria o Tio Epa?
- É tio do meu avô. Tem um retrato na casa da minha vó.
- Hum.
- Você parece com ele, só que bem mais velho.
- Bom. Tô indo, então.

Nesse momento começa a tocar o Despacito e a moça se anima. Me pega pela mão e me leva pro meio da pista.

- Dança só essa comigo, Tio Epa!

Não me faço de rogado. Entro mandando ver no meu balanço, mas quando vou demonstrar meu estilo clássico, descubro que há uma coreografia a ser seguida. Recuperado da amarga surpresa, vou tentando copiar aquela parada ridícula quando vejo o Neco Bocão entrando no bar. Neco é o maior fofoqueiro do meio musical. Vai espalhar aos quatro cantos que me pegou coreografando o Despacito. Pra me esconder do cara e escapar da galhofa, resolvo dançar agachado, mas passado um minuto, minhas panturrilhas ardem e surge o temor de me borrar nas calças em algum movimento mais brusco. Para minha surpresa, o dance todo tinha achado que meu passo era uma boa ideia e já me acompanhava dançando de cócoras. Como o disfarce já não servia, resolvo levantar e é aí que me estira o ciático, uma coisa de outro mundo, pois até a língua fica dura e a dor aguda me faz criar um novo movimento com uma perna completamente rígida e este passo é imediatamente seguido pela galera ensandecida e desta forma a dancinha do Despacito se torna algo assim como um exército de zumbis se desmanchando.

Bueno. Talvez isto tudo tenha me feito ganhar pontos com a menina e uma hora depois, estamos bem engalfinhados num canto escuro. Perdi as contas da quantidade de Smirnoffs Ice que a vi tomar e isto, somado aos cigarros que ela fuma lá fora toda hora, faz seu hálito lembrar sarcófagos de faraós ou até mesmo jaulas de mico leão. Apesar desta fantástica maresia, o beijo é uma delícia e ela parece gostar demais do assunto, pois nos momentos em que cesso o amasso para respirar um pouco, beber ou espiar o movimento, a menina imediatamente coloca a língua dentro de minha orelha e lambe com fúria e esta função me deixa a vista turva, impedindo que eu consiga enxergar qualquer paisagem e até mesmo de trazer o copo até a boca, tamanho o torpor,   e então só me resta me concentrar aparvalhado naquele êxtase de roto rooter e tentar esquecer qualquer ponta de preocupação quanto ao surgimento de uma otite média na segunda feira.

No fim da noite, na fila do caixa vamos nos despedindo. Depois de um chupão de roubar amídala, ela me olha compenetrada.

- Tio Epa? Se tu tirasse um pouco dessa barba, acho que ficava um pouco mais decente.
- Tu acha?
- Acho sim. Tu parece desses comunista que tem por aí. Esses Lula.
- Não gostas do Lula?
- Eu não. Detesto. Gosto é da Dilma. Essa sim, pra mim, é rainha.
- Tu curte política?
- Dou meus pitacos. Olha só. Aqui no sul, odeio a Ana Amélia que eu chamo de Cruela Devil, mas o Lasier é o cara mais inteligente que tem.
- Bah!...sério?
- Tô te falando. Se eu encontrasse ele na balada eu até beijava.
- Não acredito.
- Por que não? Se eu beijei até tu, tio Epa, tu acha que eu não beijava o Lasier?

Nesse momento fiquei por demais irritado. Mandei.

- Quer saber de uma coisa? Apaputa!
- Ai, tio Epa. Não fala assim que eu xono.

Voltou a me beijar e agarrou minha nádega com decisão na frente de toda galera. Entrou no Uber e se foi e me restou zanzar mais um tanto por uma Cidade Baixa já deserta, tropeçando por meio fios e e divisores de trânsito.

Antes de entrar em casa, fazendo xixi no jardim, olho pras estrelas nessa madrugada fresquinha. Acho que foi alguém que me ensinou que é importante fazer isso. Olhar estrelas. Volto então a pensar na balada e não tenho certeza, mas se não me engano, a menina se chama Kristellen. Fico então a imaginar que Kristellen deve ter uma irmã de quinze de nome Jenniffer e um irmão de doze chamado Robson que é colorado. Me imagino namorando Kristellen e sentado no sofá da sala consolando Robson por seu time ter de permanecer mais um ano de segunda divisão. Tal pensamento me faz rir e acabo me mijando todo e isto me leva a gargalhar e a risada incontrolável me traz a tosse e a tosse me faz vomitar um tiquinho e tudo isso junto me faz perder o equilíbrio e conformado, mergulho de barriga no meio de azaleias e margaridas.

Depois de entender o que havia acontecido, me ergo, me limpo um pouco e entro em casa, não sem antes dar mais uma olhada nas estrelas. Agora sim. Hora de dormir, professor!

O estômago aos coices.
O ouvido borbulhando, é claro.
E a alma?
Ah...
A alma pulando corda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário