sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

A PAELLA E OUTROS COMES

Depois de uma ou duas experiências duvidosas, nos disseram que sim, que certamente seria no Amarelinho da Glória que poderíamos comer uma excelente Paella e lhes conto que quando o prato chegou, nos iluminamos, cheios de expectativa. Resulta que, no momento em que provei a iguaria, não acreditei e tive de chamar o garçom.

- Vem cá, meu velho. Me diz uma coisinha.
- Sim senhor.
- Por acaso esta paella foi feita com azeite de dendê?
- Claro, chefe.

Uhuuuuuuuuuu!

Vocês não imaginam a imensa honra que senti ao ser apresentado à paella axé.

Algum tempo depois fui convidado pra um almoço na casa de Maria Cristina Bogossian e o prato seria paella. Ainda não tínhamos intimidade e a Cris ficou um tantinho tensa quando contei de minhas experiências malfadadas com paella e ainda por cima disso, lhe sentenciei do alto de minha grossura:

- Olha, Cris. Sou de família espanhola e vivi na Espanha por três anos. Eu conheço muito bem o gosto que uma paella tem. Olha lá, hein?
- Ai, mel dels.

Mas lhes conto também, que neste dia de domingo, no qual fazia um sol de justiça, comemos uma paella de verdade. Paella com cara, cor e gosto de paella. A Cris, que se sentiu aliviada com minha aprovação, é uma excelente cozinheira e foi a partir deste dia que começamos a estreitar nossas amizades. Junto com Antonio Ricardo Ribeiro Cidade e Vika Barcellos consumíamos uma quantidade industrial de cerveja e assemelhados e também gastávamos nossas línguas em fantásticas tardes de calor e paisagens.

Tem gente que confunde paella com parrillada.

Parrillada basicamente é um assado de carnes e linguiças. Coisa de argentinos e uruguaios. Já a paella é um prato espanhol, onde o tempero básico é o açafrão.

Quando a paella é valenciana, é arroz com frutos do mar.

Quando é mista, vai todas as carnes. Frutos do mar, frango, porco e gado.

Quando a paella é de fideuá, o arroz é substituído por massa.

Infelizmente nunca comi uma paella de fideuá, mas isto me faz lembrar de uma data em que o Villa Lobos in jazz foi tocar em Sampa e a Anariá Corona nos levou a um chino onde tivemos a fortuna de saborear massas com peixes e camarões. Um troço de outro mundo com um preço bem barato. Além disso, pudemos assistir a um chinês na cozinha trançando a massa. Ele amassou a massa, esticou, trançou, esticou, trançou, esticou, trançou e esticou até que, num passe de mágica, ficou com um feixe de macarrão na mão, macarrão pronto pra ir pra panela.

Outra cosa que as pessoas confundem é a pronúncia. As gentes falam PAEJA. Isto seria pronúncia aqui do Plata, mas se você quiser aproximar do acento ibérico, acho que seria algo maomeno assim:

PAEILIA

Mas voltando ao Rio de Janeiro, Vika e eu moramos por alguns anos na Correa Dutra que fica a uma quadra do Palácio do Catete. Na Correa Dutra moraram Ary Barroso, Emílio Santiago, e mais recentemente vários grandes músicos cariocas como Itamar Assiere e Luciana Oliveira que me contou que o violinista Nicolas Krassik se queixou a ela que um pianista idiota estudava às cinco da matina e perturbava seu sono.

Mas voltando ainda ao assunto do rango, no Catete tem uma loucurada de movimento. Umas dez farmácias, uns dez supermercados e vários tipos de restaurantes.

Comer na rua no Rio é caro e é importante saber escolher, pois na cidade maravilhosa é muito fácil comer comida ruim. Até em restaurantes caros e finos você pode se deparar com uma comida mal feita. Acontece que minha mãe é descendente de italianos, muito talentosa na cozinha, e por isso sou meio chato e por isto também ninguém me engana nem em restaura por mais finório que seja.

Ali na rua do Catete tinha o Catete Grill. Um restaurante a quilo que pertence a gaúchos. Apesar da apresentação impecável, você podia cair na asneira de escolher um peixe ao maracujá ou um camarão no molho branco e aí era batata que você ia passar a tarde meio enjoado com aquele tempero rançoso. Caímos nesta esparrela algumas vezes, mas depois nunca mais entramos.

Tinha o restaurante do Palácio que servia uma comida regular. Depois descobrimos um pé sujo que servia uma comida bem honesta. Gastávamos entre os dois uns vinte e cinco reais e acabamos batizando o bar de “o baratinho”. Certa feita, no meio da refeição, senti um cheiro estranho e descobri que vinha dos guardanapos. Aproximei um guardanapo do nariz da Vika e perguntei.

- Tem cheiro de que?

Ela respondeu sem pestanejar.

- Cocô.

Rimos um bocado e chegamos à dura conclusão de que eram guardanapos reciclados de papel higiênico usado. Becs. Que nojo, né? Mas não deixamos de ir no Baratinho, pois nhaca de pobre é incurável.

Um das coisas que sinto falta aqui em Porto Alegre é das galeterias. No Rio, você entra numa e senta no balcão pra comer um galetinho. Ali na estação da Carioca tem uma muito boa.

E a dica imperdível é sempre o Forte de Copacabana. Tem uma confeitaria Colombo lá com vista praquela praiona linda.

SALADA SOUZA LIMA
Presunto cru, muzzarela de búfala, tomatinhos, alface e manjericão.

PENNE AOS QUATRO QUEIJOS

RAVIOLLE AO ROSSO
Massa recheada com queijo, molho de tomate e manjericão.

Esta é a minha definitiva sugestão de almoço de primeira no RJ.

Ah. Preço bom também.

Nhaca, né?

Ah!

Ainda lembrei que foi em outubro passado que dei uma subida pra tocar o Villa Lobos na casa do seu Otavio Garcia e o cara fez uma feijoada prumas quarenta pessoas que depois assistiram entusiasmadas à tocata. Como sublinhou um amigo naquela ocasião, a feijoada do Otávio seria uma feijoada autoral e tive de concordar com ele, pois não tinha aquele gosto da feijoada tradicional, mas possuía uma personalidade forte e estava dos deuses. Além disso, a curiosidade era os dentes de alho inteiros que vinham junto e juro que vi as pessoas botarem tudo pra dentro. Eu declinei, pois sabia que os gases me fariam doer as omoplatas.

Nhaca de novo.

Bah.

3 comentários:

  1. Gostei. A crônica nos leva a degustar a paella axé, a sentar no Baratinho de guardanapos de cheiro duvidável (eca!), a te escutar ao piano tocando Villa Lobos, a imaginar no estrago que faria um monte da alho a fermentar na pobre barriga, e o prazer de comer nos botecos do Rio. Vou te mandar um link de uma crônica que fiz. Bem menos espirituosa que a sua. http://linhasaovento.blogspot.com/2012/03/o-tiro.html

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  2. Fiquei até com fome! Adoro a paella valenciana. Cheirin

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  3. Nem sabia que no Amarelinho da Glória tinha.
    Bom mesmo é esta intimidade com a cidade e suas histórias.

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