Então agora escrevo. No dia seguinte vou ler o que escrevi e algumas vezes não entendo o sentido, de tão mal escrito que está. Então ajeito, arrumo, conserto.
Uma semana depois volto a ler e vejo que ainda tem sujeiras e é com grande esforço que vou tentando elimina-las.
Hoje li um troço que havia escrito e corrigido faz mais de ano e, surpreendentemente, encontrei erros grosseiros. Me deu a impressão de que os erros, travessamente, se rebelam e tomam forma novamente, enquanto não estamos olhando. Então aparei tudo que achei que precisava ser aparado. Daí fiquei pensando que tem certas arestas que nunca vão ser polidas como a gente imagina que possam. Tenho músicas antigas com defeitos irritantes que volta e meia tento sanar, mas acabo chegando à conclusão de que qualquer modificação só piora aquilo que não acho bom. Geralmente perco para mim mesmo e acabo deixando do jeito que está. Fica ali, aquele calombinho, teimoso e imutável, incomodando.
Pensando nisso, lembrei de um caderno que tinha e infelizmente perdi, lançado por gente de Minas em homenagem a Julio Cortázar, que contava que certa feita, em Havana, pouco antes de Fidel discursar, o escritor subiu no palanque e para milhares de pessoas, recitou um de seus contos de cor. Palavra por palavra. É mole?
Já ouvi dizer que a memória avantajada é característica que os grandes tem e Cortázar, também por isto, era um gigante. Imagina se o Julio tivesse um computador nas mãos, que é uma ferramenta que aumenta todas as possibilidades.
Uma frase muito interessante de Cortázar, (que se notabilizou mais por ser um escritor de contos e tinha como uma de suas paixões o boxe) diz maomeno assim: " Num romance, até podemos vencer por pontos, mas num conto, há que ser nocaute".
Por isto que o cara sabia de cor seus contos. Certamente ia até às últimíssimas consequências. Prosa com cuidados de poesia. Cada ponto e cada vírgula em seus locais exatos. Cada palavra no seu preciso lugar.
Carácoles. A ideia desta meticulosidade me fez lembrar de um filme com o Mastroiani, que nunca assisti inteiro e não sei nem título nem diretor. Só lembro de que o protagonista assoprava balões e tinha a doida obsessão de saber qual o momento exato em que o balão não aceitaria mais nenhum miligrama de ar. Claro que todos os balões que ele enchia estouravam. No final, com tantos insucessos, ele se atira pela janela e acaba com a vida.
Parece que o assunto degringolou, não é? Mas tá tudo ligado, tá ligado?
"Atualizar" é uma das palavras da hora.
Os novos tempos nos permitem aperfeiçoar, atualizar constantemente o que foi feito, o que foi escrito, mas acho que chega num ponto que é importante saber parar, não é? Será que é isso?
Pro balão não estourar?
FC - PoA - 15 - Agosto
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