quarta-feira, 29 de junho de 2016

O JOTA NO TRÂNSITO

O Jota e eu somos parecidos.

Falamos pouco e não sorrimos jamais. As pessoas pensam que, às vezes, o Jota ri, mas não é nada disso.

Meu amigo tem uns tiques nervosos de nascença que o fazem emitir umas caretas nos momentos mais tensos. É um sorriso de caveira que fica estampado no rosto do Jota, quando ele se enerva, e por isto o chamamos muitas vezes de caveirinha, quando somos carinhosos, e de caveirão, quando estamos até os tubos de suas barbaridades quotidianas.

Mas o Jota me contou que estava no trânsito, dentro de sua Ipanema marrom, ano 94, com o pensamento voando, quando de repente ouviu um grito.

- E aí???!!!

Ao lado, uma mega camionete flamante, destas que tem nome de ficção científica, Duxter, Huxter, Esfincter, sei lá como se chamam, e o motorista com cara de pouquíssimos amigos mandou o verbo.

- Porra véio!!! Você me fechou!!! Não sabe dirigir essa caralha???
- Foi?
Imagino o Jota respondendo e afundando no banco.
- Foi, babaca!!!
- Desculpe, campeão.
- Que???
- Desculpe...
- Do que você me chamou???
- Campeão?
- E quem é você pra me chamar de campeão?

Daí, eu conheço meu amigo, e sei que ele começou a ficar nervoso com aquele exagero todo. “O cara tem uma Esfíncter, ou sei lá que nome tem aquela porra, e se acha o dono do mundo por causa disso?” Bem assim que meu amigo me contou, com sua voz monocórdia, desprovida de qualquer emoção.

Então, vendo que o sinal estava abrindo, mandou essa.

- Falou! Vou ter mais cuidado, vice campeão!

Engatou uma primeira e se foi.

O sujeito achou uma afronta aquele sorriso sarcástico, que nada mais era do que o cacoete que tinha vindo dar seus ares. O cara embrabeceu com aquilo. Se possuiu. Saiu em perseguição a meu amigo e no sinal seguinte desceu do carro.

Quando o Jota viu o homem espumando, vindo em sua direção, sentiu um profundo desânimo com mais um sorteio negativo da vida, e deixou-se tomar completamente pela cara de caveira que agora tensionava todos os músculos da face.

Quando viu o homem enfurecido fazendo menção de abrir a porta de sua camionete, seus instintos de sobrevivência de malandro o fizeram, num gesto hábil e rápido, num ato reflexo de movimento perfeito, jogar o braço para fora do veículo, e com mão de garra, sujeitar a gravata do sujeito, e aproveitando o sinal que se abria novamente, engatar uma delicada primeira marcha para fazer o homem correr aos berros bem uns 15 metros, até que ele perdesse o equilíbrio e se estabacasse no chão. Jota ainda viu, pelo espelho, carteiras, celulares, cigarros se espalhando em câmera lenta pelo asfalto.

Com a fisionomia retorcida pelo desfecho espantoso da treta, entrou célere pelas ruas do bairro pra não dar chance a mais perseguição.

Pensou que talvez agora tivesse de mudar de endereço, mas igual, estava sempre mudando.

Ficou remoendo o fato. “Putz! Que cara impertinente!”. Botou o caveirão pra fora da janela e gritou a todos pulmões, pra assombro dos passantes;

- Lanterna!!!

sábado, 25 de junho de 2016

A FOTO DA FOTO



Tinha um guri chamado Ronald, tinha outro chamado Rodolfo, tinha o Oscar que era nosso heroico goleiro, tinha o Feijó, tinha o Trept, que era bonitão e as meninas, tempos depois, viriam apelidar de Trepme.

Assim como eu, aqueles guris agora são homens que estão se aproximando dos 60. Foram todos meus colegas no Colégio Estadual Júlio de Castilhos.

Lembro que tínhamos orgulho do Julinho. Estufávamos o peito quando dizíamos que estudávamos nele e acredito que esta jornada escolar foi algo muito marcante em nossas vidas.

Às vezes passo pela frente daquele prédio tão imponente e me dá um traço de tristeza de pensar que a qualidade do ensino por ali tenha chegado a um ponto tão degradado. São as notícias atuais que tenho a respeito do Júlio e parece que são verdadeiras. É importante saber que o Julinho bem antes do golpe de 64 era chamado de colégio padrão.

Mas voltando aos guris:

O quê que estes guris têm de mais?

Pois então.

São amigos até hoje. São amigos há mais de 40 anos? Estava calculando isto agorinha mesmo. Não é lindo?

Comecei a pensar sobre isto porque  numa noite destas, no Facebook chegou uma mensagem do Ronald. Os guris estavam reunidos na casa de um deles e o assunto chegou até minha pessoa e eles queriam saber algo a respeito de onde eu morava naquelas priscas eras.

Junto a isso, Ronald, carinhosamente,  mandou a foto de uma foto que não consigo parar de olhar e ficar emocionado.

Estamos ali na chapa em preto e branco, os julianinhos Rodolfo, Paulo Cabreira, Cláudio, Vinícius e eu. Haveria um sexto elemento, certamente, que flagrou o instantâneo, que não lembro quem possa ser, mas quem sabe descubro, hora destas.

Era um trabalho em grupo para o colégio. Teríamos de visitar uma rua com nome de escritor e bater fotos com a placa ao fundo. Pra nosso grupo caiu  Monteiro Lobato e isto, pra mim, foi uma grande sorte, pois já tinha bastante intimidade com os livros dele. Além disso, esta rua ficava bastante perto de minha casa.

Tenho vagas lembranças daquela tarde iluminada, ensolarada. Lembro também da sensação de cumprir a tarefa com imenso prazer, afinal de contas, quando nos reuníamos era sempre uma grande farra. Aquilo teve gosto de aventura, sair por aí com uma câmera na mão e bater fotos como os adultos faziam.

Agora, fico olhando pra esta foto e já me palpita o Gonzaguinha cantando “Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida, é bonita e é bonita”.

E é bem isto aí. Estamos ali fazendo pose, radiantes com nossa total pureza, com as almas vibrando com nossas modestas, mas também gigantescas, descobertas.

Na rua Monteiro Lobato, a rua da foto, que já falei que é aqui perto de casa, tem uma agência dos correios e por isto, às vezes tenho de passar por lá. Pouca coisa mudou na Monteiro. Então ainda dá pra sentir uns flashes daquela tarde. Dá pra respirar aqueles ares.

Depois de idas e vindas por este mundo velho sem porteira to aí de volta. Na casa da minha infância. Agora tenho a chance de encontrar moedas antigas, tão raras...tão bonitas. Quem sabe seja boa ideia poli-las.



pOa - junho - 16

terça-feira, 14 de junho de 2016

SITE DE RELACIONAMENTO

Já faz alguns dias, me cadastrei num site de relacionamentos.

Até agora nada. Ninguém me procura. Ninguém me procura e ninguém responde aos meus chamados. Sou um zero à esquerda.

Começo seriamente a desconfiar que isto se deve ao fato de eu aparecer tocando piano numa das fotos de apresentação.

Acontece que resolvi seguir a carreira de músico porque me asseguraram que sendo músico, eu iria pegar muita mulher. Com o passar do tempo fui descobrindo com amargura que era um grande engodo. Miseravelmente, até agora não comi ninguém e a pobreza me abraça com todos os tentáculos.

Mulher, na real, quer é distância de músico.

Então, no aplicativo, aparece pra mim as fotos de dezenas de mulheres. Algumas bem lindas. E necas de pitibiriba. Sou um invisível.

Daí, fico possuído por extremo rancor e resolvo também eliminar algumas. Decido delimitar, ou melhor, formatar um padrão de qualidade.

Começo deletando aquelas que aparecem com filho na foto. Nada contra, mas fica a impressão que tão vendendo o pacote. Ao lado da mãe, tenho mais medo ainda.

Logo em seguida deleto as que estão com cachorrinho. Nunca é gato. É sempre cachorro. E felpudinho. De raça. Não tem mulé que tire foto ao lado de vira lata.

É que tenho trauma, não sabia?

Uma noite entrei na casa de uma mulé e veio correndo na minha direção um cãozinho destes de raça. No ar, aquele cheirinho chato de cachorro. E o cheiro foi crescendo nas minhas narinas e quando já estávamos na cama, o cusquinho começou a subir e a pular, quem sabe até querendo participar, o pervertido, e isto foi me fazendo ficar irritado até o ponto em que resolvi levantar dali. Enquanto me vestia notei os olhos atônitos da moça. Então falei o que me veio à cabeça.

- Olha só. Tenho de ir.
- Mas o que foi?
- Tô tendo um mau pressentimento.
- Como assim!!??
- Sei lá. ...sou um intuitivo...pressinto coisas.

Me vesti e me fui. Ela ficou chateada e nunca mais falou comigo. Com bastante razão.

Eu era mais jovem nessa época e ainda não falava o que pensava. Hoje em dia seria bem mais claro.

- Porra do caralho! Com este cheiro de canil eu não conseguiria comer nem a Bo Derek!

Quem é múmia como eu deve estar se dobrando de rir com essa.

Voltando. Resolvi eliminar quem posta foto fazendo sinal de positivo. Dedão? Não dá né? Um V de vitória ainda passa, mas o positivão não tem jeito.

Outra coisa. Selfie com biquinho me dá o maior medo. Parece coisa do Hitchcock. Deleto também. Assim como aquelas que dizem que tem 35 e você vai ver nas fotos e fica duvidando que tenham menos de 55. Eita!

E por fim resolvi botar um x naquelas que postam fotos com a torre Eiffel ao fundo. Carácoles! Como tem destas! E é um recado muito claro; "Adoro viajar e não é pouca coisa. Afaste-se, reles pobretão"!

Já faz tempo que sei que mulher gosta mais de viajar do que tudo nessa vida. Vou te dizer uma coisa: Ela vai se sentir realizada de te levar pra Gramado, quando o namoro prosperar. E rapidamente você vai virar um gordinho, de tanto café colonial.

Depois de eliminar esta última categoria observei com melancolia que não sobrou nenhuma mulher no site. Nadícolas.

Taquiuspa.

Na próxima encarnação venho guia de turismo ou dono de agência.
Quem sabe assim consigo comer alguém.

AS CORES


Meu filho me contou que tem gremista que não usa nem cueca que tenha a cor vermelha. O fanatismo impede.

O contrário seria impossível, pois o azul talvez seja a cor mais comum pra indumentária. Então, colorado usa azul sem sofrer, acho eu.

Na minha cabeça infantil, eu achava que azul era o contrário de vermelho.

Eu sou gremista, mas gosto muito do vermelho. A primeira vez que fui a um gre-nal fiquei impressionado com a torcida rival. Vermelho é muito forte.

Eu gosto de usar vermelho e dizem até que fico biito. Gosto de vermelho com cinza, com preto.

Mas também aprecio azul com amarelo. Não o da seleção brasileira que é mais amarelo. Gosto do azul celeste predominando e o amarelo em pequena dose. Gosto de azul com verde também, que daí já é mar, já é rio, é aguinha.

Lembro da copa de 86, quando a Espanha deu uma goleada na Suécia e voltando de tocar, passei pela Plaza de Cibeles e a espanholada tava lá bem louca com um mar de bandeiras. Amarelo e vermelho também é uma combinação vivíssima, fantástica e por isto tenho o quadro vivo na memória.

Minha mãe gosta de bege. Sempre que ela fala nesta cor adiciona;
- Bege...fino.

Daí lembrei de um livrinho de Ziraldo que ganhei dos meus pais. Uma historinha curta, poética e genial. Chamava-se Flicts e era sobre as cores. Nesta época a lua estava na moda e Ziraldo teve uma ideia muito bonita e falou sobre ela.

E pra finalizar estas singelezas desimportantes aqui vai uma piada que eu julgava ser racista, mas que na verdade, penso que vai caindo como uma luva nestes novos tempos onde a hipocrisia vai instalando firmes alicerces.

Dentro de um ônibus, em alguma cidade americana, brancos e negros estavam se moendo a pancada, pois os brancos exigiam ocupar os assentos dianteiros, deixando os traseiros para os negros.

Em meio àquela confusão, um pastor levanta a voz com clareza.

- Irmãos! Deixemos disso! Esqueçamos estas nossas diferenças. Não somos negros nem brancos. Imaginemos que somos todos iguais. Imaginemos, a partir de agora, que somos todos verdes!

A galera parou com a pancadaria e jogou atenção no clérigo que continuou.

Mas então, agora que voltamos a ser irmãos e estamos todos calmos, só pra organizar um pouquinho, irmãos verde claros pra frente, irmãos verde escuros pra trás!

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terça-feira, 7 de junho de 2016

CHECAP-ÚPI

A colega facebookiana riu da minha cara quando eu disse que tinha tomado banho porque iria fazer esteira.

- Nunca vi tomar banho pra ir na academia.
- Não é academia. É cardiologia. Vou fazer exames. É um Checap-úpi. Tomei banho, me perfumei e tudo.

É claro. Me perfumei com o número 2. Vá que...né?

A enfermeira da esteira usava óculos e era bem determinada. Tinha voz impositiva, mas era simpática.

Geralmente fico meio tenso na esteira, então fiz-lhe a pergunta que sempre faço.

- Tem gente que cai da esteira?
- Às vezes sim. Aquele que não sabe seu limite acaba se estabacando no chão.

Falou isso quase gritando.

Bah. Eu tenho medo de mulher braba, mas também sinto imensa atração.

A menina da chapa de pulmão, sem exagero nenhum, era uma deusa, dona de uma beleza rara, densa, generosa. Falou comigo todo o tempo com aquele tom de quem conversa com uma criança de 5 anos. Saí dali chupando o dedo.

No ecocardiograma, fiquei deitado, esperando. Daqui a pouco entra a médica. Se apresentou e é claro que não prestei atenção no que ela disse, pois estava atento às sobrancelhas, à boca, ao perfeito formato do nariz. Teria uns 25.

Quando ela já tinha começado o exame, e já scaneava meu peito, saí do transe.

Desculpe. Como é mesmo teu nome?

- Ana.

Depois de uma pequena pausa, adicionou.

- Doutora Ana.

Claro. Pra se dar o respeito, como se diz aqui pelo sul.

Ela já devia haver reparado em meu olhar mormacento e observador, assim como já tinha sentido meu perfume número 2 que tem como significado “lembrarás de mim antes que as pétalas da lótus se abram em novembro e ficarás pelada num átimo, sem saber nem como, nem por que”. Então ficou assim... Doutora Ana, uma profissional séria.

Num determinado momento em que tive de ficar de lado, ela reparou em algo.

- Seu Fernando, o senhor não tá deitado muito na pontinha?

Quando ela falou isso comecei a rir desbragadamente, pois me imaginei caindo de costas da maca.

O cara vai fazer uma eco e volta pra casa todo enfaixado.

Ela também riu bastante  com tal possibilidade. No fim do exame me tranquilizou, ao pronunciar exatamente estas palavras;

- Seu Fernando, seu coração é muito bom.

Eu ia dizer a ela que isto seria impossível, “pois este coração já sofreu muito com tantas desilusões, tantas traições, amores perdidos, amores que se foram, esta frieza da humanidade, este coração não pode ser bom, Aninha, quer dizer, Doutora Ana”, eu falaria tudo isso ajoelhado,  mas resolvi calar minha boca de gamela e deixar assim, que tava de ótimo tamanho, afinal ela achou que meu core é muito bom e só pra terminar,
 acho importante salientar que Doutora Ana é bem lindinha e a gente é babaca mesmo, sempre fica assombrado com a presença feminínica, a gente não se acostuma, a gente não consegue ser normal, a gente fica sonhando, a gente é sempre guri bobão.

Agora, falando sério, e indo no detalhe,  é bom dizer que as idades, pra mim, não são relevantes. Nunca tive atração por meninas, ou melhor, isto nunca teve importância. Mas acho bacana que exista uma certa jovialidade no jeito, no olhar. Tem uma pessoa de quem gosto muito, que às vezes me diz:

- Hoje tu tá parecendo um gurizinho.

É por aí.

Ah. Talvez alguém tenha ficado curioso a respeito do significado do meu perfume de número 1, o exterminador.

Eu não vou dizer.

Nem insiste.

Isto vai dar rolo.


MAIO - PoA - 16