O Jota e eu somos parecidos.
Falamos pouco e não sorrimos jamais. As pessoas pensam que, às vezes, o Jota ri, mas não é nada disso.
Meu amigo tem uns tiques nervosos de nascença que o fazem emitir umas caretas nos momentos mais tensos. É um sorriso de caveira que fica estampado no rosto do Jota, quando ele se enerva, e por isto o chamamos muitas vezes de caveirinha, quando somos carinhosos, e de caveirão, quando estamos até os tubos de suas barbaridades quotidianas.
Mas o Jota me contou que estava no trânsito, dentro de sua Ipanema marrom, ano 94, com o pensamento voando, quando de repente ouviu um grito.
- E aí???!!!
Ao lado, uma mega camionete flamante, destas que tem nome de ficção científica, Duxter, Huxter, Esfincter, sei lá como se chamam, e o motorista com cara de pouquíssimos amigos mandou o verbo.
- Porra véio!!! Você me fechou!!! Não sabe dirigir essa caralha???
- Foi?
Imagino o Jota respondendo e afundando no banco.
- Foi, babaca!!!
- Desculpe, campeão.
- Que???
- Desculpe...
- Do que você me chamou???
- Campeão?
- E quem é você pra me chamar de campeão?
Daí, eu conheço meu amigo, e sei que ele começou a ficar nervoso com aquele exagero todo. “O cara tem uma Esfíncter, ou sei lá que nome tem aquela porra, e se acha o dono do mundo por causa disso?” Bem assim que meu amigo me contou, com sua voz monocórdia, desprovida de qualquer emoção.
Então, vendo que o sinal estava abrindo, mandou essa.
- Falou! Vou ter mais cuidado, vice campeão!
Engatou uma primeira e se foi.
O sujeito achou uma afronta aquele sorriso sarcástico, que nada mais era do que o cacoete que tinha vindo dar seus ares. O cara embrabeceu com aquilo. Se possuiu. Saiu em perseguição a meu amigo e no sinal seguinte desceu do carro.
Quando o Jota viu o homem espumando, vindo em sua direção, sentiu um profundo desânimo com mais um sorteio negativo da vida, e deixou-se tomar completamente pela cara de caveira que agora tensionava todos os músculos da face.
Quando viu o homem enfurecido fazendo menção de abrir a porta de sua camionete, seus instintos de sobrevivência de malandro o fizeram, num gesto hábil e rápido, num ato reflexo de movimento perfeito, jogar o braço para fora do veículo, e com mão de garra, sujeitar a gravata do sujeito, e aproveitando o sinal que se abria novamente, engatar uma delicada primeira marcha para fazer o homem correr aos berros bem uns 15 metros, até que ele perdesse o equilíbrio e se estabacasse no chão. Jota ainda viu, pelo espelho, carteiras, celulares, cigarros se espalhando em câmera lenta pelo asfalto.
Com a fisionomia retorcida pelo desfecho espantoso da treta, entrou célere pelas ruas do bairro pra não dar chance a mais perseguição.
Pensou que talvez agora tivesse de mudar de endereço, mas igual, estava sempre mudando.
Ficou remoendo o fato. “Putz! Que cara impertinente!”. Botou o caveirão pra fora da janela e gritou a todos pulmões, pra assombro dos passantes;
- Lanterna!!!
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