sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O JOTA E O SEXO VIRTUAL

Estou eu de boas em casa, assistindo TV, são duas da manhã quando de repente toca a campainha. Pelo olho mágico vejo a lata do Jota com aquela conhecida careta que parece o sorriso de uma caveira e apenas isto já é o bastante para eu saber que o cara está nervoso e que algo saiu fora de ordem.

- Fala, Jota.
- E aí mestre? Dá uma chegada comigo no meu apê?
- Putz. Problemas?
- É.

Jota e eu somos vizinhos. Moramos num prédio situado em um bairro folclórico da cidade. Nem periferia, nem finesse e muito antes pelo contrário.

Vou fazendo algumas perguntas enquanto vencemos os degraus, mas como resposta obtenho apenas alguns vagos murmúrios ofegantes causados pelo esforço da subida. Depois de girar com mãos trêmulas a chave na fechadura, meu amigo me conduz até o centro da sala e abre a tela do PC. Surge ali, então, uma imagem de web cam, onde há uma mulher seminua, de corpo miúdo. Seus olhos parecem fechados e seu rosto está virado pra cima. A boca, aberta.

Com ares de desamparo, Jota indaga.

- E aí?
- Aí o que?
- O que te parece?
- Parece um pigmeu.
- Porra, não to querendo saber se você achou gostosa.
- Quer saber o que então?
- Tá morta?
- Como assim?
- Você acha que tá morta?

Coloco os óculos e me aproximo pra enxergar com mais precisão. Não há movimento nenhum naquela cena. Jota puxa mais uma cadeira para sentarmos, mas continuamos ali de pé, inclinados e ansiosos.

- Caralho, véio! O quê que tu aprontou, Jota?
- Virtual, irmão.
- Que?
- Sexo virtual.
- Normal, pô. Sexo virtual é sadio.
- Eu também achava.
- Que idade ela tem?
- Setentinha.

Carácoles. O Jota sempre mente a idade das minas. Diminui 10 anos, no mínimo.

- Putz. Muita pressão? Que diabo você mostrou pra ela?
- Eu não mostro, man. Eu falo. Você tá ligado que tenho minhas técnicas. Fui mexendo com as culpas dela, brother, dizendo que ela era uma menina má, que necessitava de castigo por não ter se comportado bem, falei tudo isso com voz de criança, falei que ia maltratar legal, e ela pareceu surpresa e ao mesmo tempo encantada e foi ficando doida e depois fui enumerando os parentes dela que eu iria traçar e comecei pelas irmãs e ela foi se possuindo, véio....

Acho detestável quando meu amigo começa a solar com sua voz monocromática e lenta. Dá uma sensação de que você vai ficar preso no tempo. É uma coisa muito enjoada.

- ...daí então quando o assunto chegou na mãe dela, ela começou a gritar, mestre, coisa linda de se ver, veio um orgasmão sei lá de onde, uma onda brutal, uma puta gritaria que foi passando, passando, foi diminuindo, e de repente ela ficou assim, uma estatuazinha, nesta mesma posição que você tá vendo agora.
- Não foi orgasmão bro, foi infartão.
- Primeiro orgasmão, né meu? Depois sim, infartão.
- Tá. Que seja. Parius, velho. Tu é escroto.
- O universo é escroto, mano. Eu sou apenas fruto.

Esta é uma resposta que o cara adora usar. Ele segue contando.

- Daí, como vi que ela tava tomando uns gorós, pensei que tinha pego no sono, e comecei a chamar ela. Fiz psiu, chamei pelo nome, daí comecei a gritar, então cantei, botei música, salsa, lambada, funk da porra, assoviei pra caralho, até que o vizinho subiu e veio aqui pra me encher de osso, ameaçando que ia me dar porrada e tudo, daí tive de parar. Logo veio a fome, man, e dei uma descida pra mandar um xis básico e quando voltei, ela continuava aí na mesmíssima posição. Daí foi batendo o grilo e resolvi te chamar. Será que matei a mina, meu?

Conheço o Jota faz vinte anos. É seu hábito diário devorar um xis coração. Sempre acompanhado de Fanta uva, que pode estar quente, pode estar sem gás, pode ter sido aberta na semana passada, não dá nada, ele bota pra dentro. Meu amigo é destes caras que estão sempre com o peito estufado, dando mini arrotos e certamente por isso, a maresia que se sente em sua volta remete ao asqueroso refri.

Nesse momento, reparo que ao fundo da imagem passa um gato preto.

- Óh. Tua véia tem um gatinho.
- Não é véia, irmão. E o gato não é dela. É do vizinho. Ela tem o maior grilo com ele. Conta que o gato invade o apê e se queixa de que ele vem pra assombrar ela no meio da noite. Diz que traz mau agouro e que já pensou até em envenenar o bicho.
- Putz. Esse gato vai comer ela.
- Caracas. Depois sou eu o pervertido.
- Porra, Jota. Não é comer de sexo. Ele vai comer ela é de deglutir mesmo.
- Sério? Carnes putrefatas?
- É.
- E fétidas?
- Isso mesmo.
- E nós podemos assistir?
- Se a rede não cair.
- Massa.
- Que massa, Jota? Caralho, bicho! Escrotidão total a tua!
- Não, que é isso.... me impressionei também, mano... o xis até meio que voltou.
- Hum.
- Mas igual... é massa.

Reparei que ele estava mastigando algo e imaginei que sim, que poderia ser um coração recuperado, e este fato me deixou bastante mareado. Então falei o que me veio à mente.

- Véio. Tenho uma ideia.
- Fala, Bro.
- Este gato é nossa chance. Se conseguirmos fazer com que ele suba nela, ela talvez desperte.
- Se ela não desencarnou, né? Até pode ser. Mas tô achando que ela já deve estar conversando com o Senhor.
- Tu sabe chamar gato?
- Claro que não, parceiro. Tá me estranhando?

O Jota é o tipo de cara que não sabe nada a respeito de gatos, cachorros, crianças. Pra ele, estes são seres inferiores que apenas atrapalham. Então comecei a chamar o animal.

- Pssss, pssss, psss, psss, pssss.....psss, pssss...

Logo arrisquei alguns miados. Jota me seguiu, copiando meus gestos, me obsevando com desconfiada atenção, o que tornou a cena mais ridícula ainda. Depois de alguns minutos destas churumelas, pra nossa surpresa, o gato surge em cena. O bichano sobe na mesa e está ali na nossa cara, nos fitando com olhos perversos, nos filmando, curioso, e com um discreto aceno de mão, peço a Jota que não emita nenhum som, para que se faça o silêncio absoluto tão necessário pra eu ganhar tempo e pensar em algo e é aí então que minha intuição brilha, e não tenho dúvidas, é automático, coloco as mãos em megafone e solto-lhe o mais poderoso latido de um legítimo cão pastor que sei tão bem imitar, e isto faz o bichano emitir um berro horripilante e logo dar pelos ares um duplo mortal carpado, caindo no colo da madame, cara a cara, unhas cravadas nas coxas, o que faz a moça imediatamente arregalar os olhos e por sua vez soltar seu berro insano na cara do animal histérico e num ato de fuga desesperada, numa perda absoluta de equilíbrio e sanidade, vai mulher pra um lado, gato pra outro, num verdadeiro caos de ruídos indecifráveis e os dois desaparecem completamente de nossas vistas.

Neste momento a rede cai e assombrado noto que meu amigo e eu, depois do meteórico e aterrorizante desenlace, como resultado, estamos de joelhos, quase abraçados e com as respirações descompassadas. Jota, ainda agarrado tenazmente a minhas mãos, corta o silêncio.

- Caraca, véio. A mina tá de boa.
- É. Tua véia não abriu vaga.
- Não é véia, bro.
- Tá bom, tá bom... parius... mas depois dessa, tô precisando beber alguma coisa urgente.
- Tem Fanta na cozinha, man.
- Fechada?
- Não. Mas é deste mês ainda.
- Escroto.
- O universo, bro, o universo que me fez..

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