segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

MAYA

Já fazia algum tempo que eu estava sob a ducha daquele hotel em terras tão longínquas. Era um banho interminável. Não tinha forças para sair da massagem que a variação da torrente me oferecia.

Estava preso às oscilações do jato ora forte, ora fraco, ora forte... estava preso porque talvez aquilo trouxesse as sensações das ondas do mar, este ser generoso que se dá por inteiro. Mas o mar também te compra. E quando te compra, te escraviza. O mar nunca te deixa ir de verdade.

De olhos fechados, naquele banheiro completamente tomado pelo vapor, destituído de qualquer referência espacial, tal qual linhas do horizonte e arestas arquitetônicas, vasculhando memórias e reflexões, buscava alguma ideia para escrever sobre, quando de repente escuto uma voz feminina dizendo qualquer coisa em inglês, que acabei não entendendo, é claro, pois não sou nem um pouco íntimo com o idioma.

Penso então que pode ser alguma camareira, mas a porta havia sido cuidadosamente trancada e esse tom glacial nada tem de humano. Lembra saguões de aeroporto ou gares agitadas. Não há ninguém além de mim na habitação. Disso tenho certeza.

Então tiro a cabeça do raio de ação da forte corrente de água, para que os ouvidos possam perceber qualquer outro sinal estranho e é neste momento que escuto uma outra voz, também feminina, num claríssimo espanhol, dizendo:

“No malgasteis el água”.

Quando isto acontece, é como uma carta de alforria ou a chegada da melhor notícia, a mais esperada. Me apaixono instantaneamente por esse acento centro americano que me aconselha a ter uma pouco mais de responsabilidade ecológica. Diferentemente da frase yankee, esta nova voz está plena de calor.

Cuba? Panamá? Costa Rica, talvez. É uma voz de tonalidade adocicada da flor do tabaco que não foi e jamais será fumado. É compressa fresca para uma febre que vem desde a infância. É azuis e verdes sobrepostos, aquarelados.

No dia seguinte repito o banho e novamente me excedo no tempo. Com o celular na mão e a têmpora latejando, como alguém que furta enquanto a cidade dorme, gravo a mensagem de Maya. Sim. Não tive dúvida de que a dona daquele timbre estonteante também era dona desse nome. Maya.

Quinze dias depois, no escuro de meu quarto, por sobre uma trilha sonora hipnótica, escuto Maya flutuar, e a cada exatos oito compassos, Maya me sugere cuidado com a utilização da água.

Isso tudo pode parecer um tanto insano, mas é algo que tem me acalmado nestes dias tão contaminados pelo medo e pelo ódio. Para que se possa enfrentar um mundo que está tomado pela loucura, há que buscar remédios também demenciais. Não seria este o processo da homeopatia?

Deixando de lado estes raciocínios que parecem tolos e ilógicos, gostaria de contar que ouvir Maya desde minha cama, serve para arrefecer um pouco o tanto de solidão que me toca e ao mesmo tempo, me divirto com o estranho e delicado gosto que me vem à boca, como se fossem pétalas, pétalas destas que se usam em chás.

Nunca provei deste tipo de infusão, mas penso que deva ter este sabor, este exato sabor que agora sinto, quando ouço Maya me sugerindo mais uma vez que não gaste água.

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