quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Das PANELAS

Teve uma época em que morei com um colega no bairro do Leblon, Rio de Janeiro, num conjunto de prédios apelidado de Selva de Pedra.

Tal complexo, por seu arrojo e modernidade, fez parte da abertura da novela que causou furor na década de setenta.

Meu colega cozinhava e pode-se dizer até que fazia isto com certo talento.

Eu chegava de madrugada, abria a geladeira e lá estavam as panelas com o rango.

Me servia com o devido cuidado para não raspar as panelas, pois se fizesse isto, teria de lavá-las. Então, sempre deixava um pouco.

No dia seguinte, a cena era a mesma.

O cara, com uma cara preparada, vinha me perguntar o motivo de eu não ter comido todo o conteúdo. Me indagava, malandramente, se a comida não estava saborosa, se o rango não estaria a meu gosto, se lhe faltava tempero e eu respondia que sim, que era uma comida de primeira, mas que a fome não era pra tanto.

Eu não gostava de lavar panelas e meu brother, muitíssimo menos. Então rolava esse teatro.

Tempos depois, quando já vivia em outro bairro, fui fazer um ensaio na casa do cara e junto com outro colega fomos convidados a almoçar.

Era um cozido. Estava muito bem feito, mas vez por outra, tirávamos da boca algo que era impossível mastigar. Tomados pela desconfiança, fomos depositando aqueles cacos escuros na borda dos pratos.

Num determinado momento, o baixista não se contém e pergunta.

- Véio? O quê é que são estas crostas?

A resposta nos assombrou de verdade.

- É da comida anterior.

Bah. Definitivamente o cara não gostava de lavar panelas.

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