Oitavo dia da quarentena. Aqui em Porto Alegre fez um dia lindo, tão lindo que fica difícil acreditar no que está acontecendo em nossas vidas.
Músicos do mundo inteiro estão fazendo lives e ontem vi Chick Corea falando sobre Jobim e tocando Insensatez direto de sua casa.
Músicos e artistas variados daqui da região começaram a se organizar para encontrar uma saída para este problema gigante que vamos passar. Trabalho zero.
A última tocata da qual participei, antes da clausura, aconteceu no Odeon. Foi numa sexta, dia seis deste mês. Fui substituir Leandro Hessel na banda Jazz Guig. Estudei um pouco o repertório pra não fazer feio e tomei um Uber. Depois de muito tempo de abstemia pra tocar, resolvi encher o pote com o Chope do Celestino Paz Santana, que é de primeira. Odeon tava lotado de uma gente interessada no som que rolou macio e com boas dinâmicas.
Num determinado momento, em meio a uma bossa, fiz uma citação do jingle da Varig. Este jingle é uma espécie de fotografia que trago sempre nos bolsos e pra mim significa um pequeno retalho de felicidade.
No momento em que terminei a frase, vejo que lá do outro lado, o Marcelo Figueiredo sorri pra mim. Ele havia entendido. E mais que isso. No intervalo, meu bom e velho amigo, veio me contar com olhos marejados que o pai estava na UTI e que era uma questão de dias ou talvez até de horas. Me abraçou e disse que eu tinha dado a ele uma grande ideia, pois o pai havia trabalhado na Varig toda a vida e tinha muito amor pela empresa. Disse também que levaria seu sax até o leito do pai pra tocar pra ele e que certamente o velho iria gostar.
De fato, acho que o pai do Marcelo veio a falecer dois dias depois.
Mas daí é bom tentar rir um pouco e lembro de um episódio que já faz uns trinta em que chegamos cedo a um Pub que ainda estava fechado e depositamos nossos instrumentos na porta do local. Ficamos afastados alguns metros, quatro ou cinco músicos conversando, quando um menino de uns vinte anos se aproxima da gente, aponta pros instrumentos e, animado, indaga.
- Aquilo ali é um sax, né?
Acho que foi o Marcelo que respondeu ao rapaz e ainda falaram sobre alguns detalhes do instrumento e logo alguém perguntou se ele também tocava. O guri fez uma cara de bonzão e mandou.
- Eu tenho o meu curso.
Como ele tinha vindo da direção de onde ficava situado o Clube da Saudade, pensei que talvez pudesse ser profissional e tocasse ali. Perguntei.
- E tu toca no Clube da Saudade?
O menino levantou os braços, como quem pede desculpas por algo. Respondeu.
- Não, não. Eu só particular.
Carregamos por anos essa brincadeira do “eu só particular”. Acho que nesta data ali também estavam o baixista Ze Natálio e o Baterista Jua Ferreira.
Aqui vai um videozinho do lindo jingle da Varig, uma marcha rancho em tom menor que embalava os natais de minha infância. Mais tarde a Varig comprou a Cruzeiro e adicionaram à peça um rabicho em tom maior pra logo então vir a famosa assinatura Varig,Varig, Varig.
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