Nautilus abriu os olhos, viu a chuva fininha caindo no pátio e pensou que o melhor que tinha mesmo a fazer era ficar ali naquele tapete macio, tomando banho e olhando o movimento da casa.
Foi levantando lentamente, pois sabia que já estava quase na hora de ser servido o leite. Então bocejou comprido e durante a espreguiçada, pode ver Félix no degrau, com o olhar perdido.
- Que foi, Félix? Táz pensando novamente naquela gata, a Ísis?
- Claro, Nautilus. Táz sentindo o cheiro?
- Sim, Félix. Está muito claro. Flutua por todo o bairro, certamente.
- Este vizinho não é ridículo, Nautilus? Não abre nunca as janelas e assim Ísis não pode sair.
- É ridículo, sim, Félix. Mas acho bom você não pensar em invadir, como fez no cio passado.
- E sou louco, Nautilus? A mulher do vizinho me pegou na cozinha e sentou a vassoura no meu lombo. Se não sou ágil, ela me acerta em cheio. Seria ridículo.
- Mas depois você conseguiu, não é, Félix? Era uma noite de lua cheia. Lembro muito bem da gritaria.
- Se consegui, Nautilus. Lá naquelas telhas ali, tá vendo? Eu e Ísis. Ísis e eu.
- E o Sóros tentou bater em você. Aquele gato é grande, Félix. É bem maior do que eu.
- É grande sim, Nautilus. Sóros tentou me estrangular, mas fui mais rápido e ele acabou caindo do telhado. Daí, zás. Ísis foi minha, e trinta segundos depois eu já estava nos telhados do armazém pegando baratas.
- Eu lembro, Félix. Tão ridículo Sóros.
- Estava pensando em subir no muro e dar uma espiada nas janelas, Nautilus.
- Com esta chuva, Félix?
- Sim...mas pensando bem, acho que seria ridículo, não é, Nautilus? Chove tão fininho.
- Seria no mínimo ridículo, Félix!
- Ouviu este barulho, Nautilus?
- Claro que ouvi, Félix. Este barulho é música para meus ouvidos.
- Adoro o barulho dos pires batendo no chão, Nautilus.
- E eu não, Félix? Bora pra cozinha tomar este leite na temperatura perfeita.
- Bora, Nautilus. Entraremos ronronando pela porta. A mulher gosta tanto.
- Gosta muito, Félix. Entraremos ronronando e com os rabos lá no alto.
- Bem como a mulher adora, Nautilus. Daí ela fala com a gente com aquela voz meio fininha. Não é ridícula a mulher, Nautilus?
- É ridícula sim, Félix. Às vezes é bem ridícula.
E assim se foi a dupla em direção ao delicioso leite morno das quatro da tarde. O restante do dia foi dedicado a intermináveis cochilos em variadas poltronas e Félix sonhou com Ísis e seus gritos estridentes um par de vezes.
NOTA DO AUTOR
Talvez seja uma novidade pra você o fato dos gatos colocarem o nome do interlocutor em toda frase, mas afirmo que isto é uma praxe felina.
Outra dado importante.
Os nomes dos gatos são escolhidos por eles mesmos e é por isto que de nada serve você tentar dar nome a um gato. Ele jamais vai atender.
Tenho certeza também de que você se surpreendeu com a repetição sistemática do termo “ridículo” em meio à conversação.
Explico.
Para os felinos, quase tudo neste mundo é ridículo. Sempre que você enxergar um gato sentado com o olhar perdido no vazio não tenha dúvidas de que ele está pensando que o universo que está ali, revelando-se a sua frente é, no mínimo, ridículo.
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