segunda-feira, 27 de julho de 2015
HAVANA 63
Encontrei o Cesar. O Cesar é o Cesar Dorfman, um arquiteto elegante, que está pelos 74 , que também toca piano e é compositor. É irmão do Paulo, pai do Lúcio, tio do Michel e do Jorge, todos eles grandes músicos, bons amigos e colegas.
Foi o Cesar quem me reprovou na cadeira de projeto e me ajudou a deixar de vez a arquitetura. Os outros dois professores da matéria queriam minha aprovação, talvez pelo nome que levo, pois sou de uma família de arquitetos conhecidos no meio, mas o Cesar fincou pé e cortou meus naipes.
Minha mãe acha que foi vingança, pois Cesar, por sua vez, tinha sido reprovado por meu avô, que era malvadão, no Instituto de Artes. Todos brincamos um pouco com isto, mas ele de fato teve razão. Meu projeto estava capenga. Eu já andava tocando piano na noite, pegando gosto por não sair da cama de manhã cedo, e assim, estava fazendo a faculdade de qualquer jeito.
Não nos víamos havia mais de 12 anos, pois estive por outros pagos, e nos encontramos na Caverna do Ratão pra tomar uns chopes e conversar sobre um projeto musical.
Mas o que eu queria contar mesmo é sobre o presente que o Cesar, delicadamente, me ofereceu neste encontro. Um livro.
Um livro surpreendente, escrito por ele. HAVANA 63.
Só pra dar uma tinta, no ano de 1962 um estudante de arquitetura cubano baixou no Salgado Filho. Ele veio especialmente até nossa capital com a missão de convidar colegas e professores gaúchos para um congresso de arquitetura e urbanismo que se realizaria em Havana no ano seguinte.
Cesar, que estava com 22 anos, com mais 30 estudantes e um professor entraram num ônibus furreca e foram até São Paulo. Era uma manhã do dia 7 de setembro de 1963.
Dias depois, no porto de Santos, se juntaram a mais 300 colegas de várias outras localidades do país e da América do Sul e embarcaram num navio chamado Nadezhda Krupskaya (uma homenagem à companheira de Lênin) que a União Soviética tinha posto à disposição para o evento.
Veja só que grande aventura. Ir a Cuba 4 anos depois da invasão da ilha, quando se iniciou a revolução que transformou radicalmente o país e encheu uma parte do mundo de esperança, e outra parte de medo (a guerra fria estava no auge), e alguns meses antes do golpe aqui no Brasil. Quanto a este último dado, não precisa dizer que quem fez esta viagem adquiriu uma mancha política que acabou se tornando indesejável, e assim muita gente que participou desta jornada foi interrogada e presa algum tempo depois. O Cesar foi um deles. Ficou um mês em cana.
Mas voltando ao assunto da viagem, levaram duas semanas para chegar lá. Depois de ficarem um tanto intimidados com os rasantes que os caças norte americanos fizeram sobre o navio, quando este já se aproximava da ilha, os brasileiros foram recebidos num clima de festa e música. Cesar fala muito bem sobre sua grande emoção neste momento de desembarque, pois tinha ideais comunistas, como muitos outros jovens universitários daquela época.
Um dos pontos fantásticos desta estada em Cuba foi o discurso de Fidel, na praça de Havana, para meio milhão de pessoas, que Cesar assistiu de lugar privilegiado e Che estava por ali também, a 4, 5 metros de distância.
No livro tem o discurso que Che Guevara proferiu durante o congresso. Cesar lamenta não ter ido a um encontro informal que estudantes brasileiros tiveram com ele.
Outro fato que me chamou a atenção, e que não paro de achar engraçado, é que havia na comitiva alguns estudantes brasileiros com viés Trotskysta que planejavam fazer um manifesto em praça pública contra o rumo que a revolução cubana estaria tomando. Eles julgavam que a revolução de Fidel estava um tanto "coxinha" pro gosto deles. Cesar conta que ficou aliviado quando os colegas prudentemente desistiram de concretizar o tresloucado ato.
Vou parar por aqui, senão conto o livro todo. É muito bom de se ler. Que experiência maravilhosa, não é não?
Neste nosso rápido encontro no Ratão, lamentamos um pouco o fato de que quando somos jovens não damos a importância devida ao que passa na nossa frente. Quando jovens, achamos que somos eternos e talvez por causa disso, não tenhamos o devido cuidado com as preciosas pedras que vamos encontrando pelo caminho.
Fiquei emocionado ali naquela mesa de bar com o pequeno relato que o Cesar me fez a respeito de como resolveu escrever sobre este fantástico evento e para isto foi à cata de colegas pelo Brasil e por outros países da América Latina para tentar reunir material, fotos e depoimentos. Principalmente encontrar estas pessoas que tiveram a sorte, assim como ele, de ter esta riquíssima experiência, e conversar com elas, lembrar com elas e celebrar. Cesar, quase 50 anos depois, foi em busca das peças de um quebra cabeças que a memória perdeu, para poder registrar no papel, da melhor forma possível, um acontecimento tão marcante de sua vida. Uma viagem a Cuba no remoto anos de 1963.
Eu achei bonito demais. Quis compartilhar com vocês.
fc - julho - 15 - pOa
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