quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O LIVRO PREDILETO

Dia destes participei de um sarau e o assunto principal era o livro predileto. Acabou que chegamos à conclusão que temos vários livros prediletos durante nossa vida.

Eu acho que o livro predileto sempre fica na principal sala de leitura da casa que é o banheiro. 

Durante um bom tempo esteve em meu banheiro um livro chamado “A verdade sobre a morte de Adolph Hitler”. Não sei como foi parar lá. Só sei que li várias vezes. Os últimos momentos do Fhürer. Legal, né?

Lembro que ele ficava repousando em cima da máquina de lavar. Lembro também que destruí esta máquina pra matar um rato que entrou dentro dela. Foi uma das piores coisas que já fiz na minha vida. Matar um rato. Eu batia nele com um pau de vassoura e gritava com uma voz que definitivamente não era minha. Chegou num momento que ouvindo meu ridículo e involuntário escândalo pensei; “Bah, sou bicha e não sabia”. Putz, e além disso, tô aqui revelando pra todo mundo minha antiga pobreza. Máquina de lavar no banheiro. É mole? Mas agora, posso dizer que melhorei. A máquina tá lá no quarto.

Tempo depois, meu banheiro abrigava o “Cem anos de solidão” de GGM, que li duas vezes inteiras e depois fragmentos. Paguei o mico, mais de uma vez, de ler durante tanto tempo que minhas pernas ficavam dormentes e assim me via obrigado a gritar por socorro. Então minha mulher tinha de pedir ajuda à vizinha, Dona Mildred, pra conseguir me tirar dali. Depois que as duas me depositavam sobre o sofá da sala, iam conversando até a porta de saída e a velha sempre comentava com voz de dubladora de filmes;

- Como ele gosta de ler, não é?

Depois de fazer mais algum comentário vago sobre a beleza das petúnias da estação ou o quanto as bergamotas estavam saborosas nesta época do ano,  se ia.

Voltando a GGMarquez, foi com ele que descobri a beleza do parágrafo, a beleza da frase, a beleza da forma, e foi através dele que cheguei até meu escritor favorito, Julio Cortazar.

Foi com Cortazar que descobri que literatura pode dar gosto na boca. Lendo Julio, me vem uma rara sensação de deformidade de tempo e espaço e assim começo a desconfiar que a literatura pode ser mais musical que a própria música, porque Cortazar é melodia e é ritmo também. Dia destes, procurando na Internet, descobri que o escritor argentino padeceu de uma grave enfermidade na sua adolescência que o deixou vários meses no leito. Ele relata, nesta matéria, que durante esta época em que esteve acamado, sentia uma deformidade no tempo e no espaço. Fiquei assombrado ao ler isto.

Por aí também li que certa feita Julio foi questionado por um jornalista que lhe perguntou por que nunca havia feito uma literatura mais engajada politicamente. Julio respondeu que se isto tivesse acontecido teria sido uma traição ao povo argentino. Eu penso da mesma forma. Acredito que a maior contribuição que Chico Buarque deu ao país não foram suas criativas canções de protesto feitas na época da ditadura, e sim o apuro que sempre teve com suas letras, harmonias e melodias, estimulando assim nossa sensibilidade, nosso senso estético, cutucando nossa “inteligência”. É necessário que se tenha sensibilidade apurada para entender o atual momento político e nos livrarmos de julgamentos rasos. É preciso ter faróis especiais no meio de tanta neblina. Só uma cultura rica pode nos dar as ferramentas necessárias para enxergar bem neste mar revolto. Julio e Chico são gigantes da humanidade.

Agora, no meu banheiro estava a obra do gauchão Nietzsche. Que? Olha o fim do nome. Não é gaúcho? Bueno. O livro tem um prólogo que dá uma pista de sobre o que o livro versará. Na real tanto faz como tanto fez, porque afinal de contas devemos confessar com vergonha que entendemos porra nenhuma. E olha que já fui bravo. Li “os Irmãos Karamazov” e “O Jogo da Amarelinha” que são bem difíceis. Aquele leitor era um outro eu. Atualmente não consigo ler uma página inteira sem que meu pensamento fuja e este livro de que vos falo, deste filósofo maluquézimo, é osso duríssimo de roer. 

Mas lhes conto que ele tava lá no bidê. Ficava lá, só me olhando... Já o deixei e peguei de novo várias vezes pra dar mais uma tenteada. Lhes digo também que todos os capítulos, que são geralmente de duas páginas e meia, terminam com a frase que dá título à obra. “Assim falou Zarathustra”. Pois bem. Quando lia este fechamento, marcava a folha com melancolia, colocava a mão no queixo e pensava cá comigo: ”E assim nada entendeu Corona”. Constantemente me irrito e jogo o opúsculo na parede. Dia destes, ricocheteou mal e caiu dentro do vaso. 

Parius. 

Bueno de novo. 

Não jogo nada fora. 

Então, quando chego na área, vejo ele pendurado no varal, pegando uma aragem... 

fica lá...só me olhando.

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