quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O PODER DA SUGESTÃO

Era uma tarde de sábado e Paula estava passeando no shopping da hora de mãos dadas com o namorado, quando de repente, surge na sua frente aquele rosto sorridente e familiar. Era Cristina. Fazia mais de 10 anos que não se viam. Se abraçaram efusivamente e enquanto Cristina falava, Paula observava aquele rosto carregado de simpatia e tentava procurar nos recantos da memória alguma marca, um porém, havia algum desconforto naquilo, mas o que seria? Havia um defeito, um curto circuito, uma mancha naquele encontro e então Paula saiu do transe, interrompendo a busca e fez as devidas apresentações.

- Cris, este é o Ernesto, meu namorado, Ernesto, esta é a Cris, minha colega de faculdade.

Depois dos beijinhos de praxe, Ernesto pediu licença e comunicou que iria até a loja de celulares para conferir preços e assim poderia deixa-las conversando um pouco, para botarem em dia os assuntos, estas desculpas que uma pessoa dá quando quer fugir de ouvir reminiscências que não lhe dizem respeito. No momento em que o rapaz se retirou, Cristina de olhos e boca arregalados, mandou esta.

- Nossa. Que bonitão teu namorado. Parece o Alexandre Frota.

Foi neste instante que Paula viu caírem todas as fichas em sua frente e suas recordações vieram todas à tona. Começou lembrando do dia em que gastou uma grana pra comprar um almejado vestido e quando mostrou-o à amiga, Cristina veio com;

- Que bonito. É algo assim luminoso, como uma propaganda de margarina.

A partir daquele dia Paula não conseguiu mais usar a peça. Chegou a coloca-la algumas vezes, mas quando isto acontecia, logo lhe vinha à cabeça a musiquinha da Doriana, e então desanimada desistia do intento para optar por qualquer outra roupa. O vestido foi então esquecido no fundo do armário, dependurado num último cabide, e com o tempo desapareceu por completo por debaixo de saias rotas e grandes casacos. Um tempo depois endividou-se e orgulhosa, parou na frente da casa de Cristina com seu Golzinho zero quilômetro, branco, impecável. A amiga, antes de entrar no carro, exclamou quase numa gargalhada.

- Que lindinho. Parece um bolinho de noiva.

A partir daquele dia, foi como um feitiço. Paula entrava no carro e podia ouvir com todos os detalhes, as execuções da marcha nupcial. Ora por sinfônica, ora apenas por órgão. Em forma de rock, jazz, de banda marcial, mas foi no dia em que Paula ouviu claramente a marcha sendo tocada pelos pífaros de Caruaru, que resolveu ir até a concessionária e conseguiu desfazer o negócio depois de uma discussão acalorada e insana.

Aconteceu naquele mesmo shopping, e isso tem mais de dez anos, Paula lembrou com clareza da tarde em que as duas sentaram na praça de alimentação para comerem massa e quando Cristina viu os capelettis que Paula havia escolhido, observou:

- Legal. Capeletti. Parece que a gente tá no inverno, comendo sopa.

Então, em pleno janeiro, Paula sentiu gosto do caldo a cada capeletti posto na boca e tomada por esta impressão desagradável, logo deixou o prato de lado, dando uma desculpa qualquer.

As memórias vieram todas de uma só vez. Cristina era assim. Era dona de um poderosíssimo poder de sugestão.

E agora, alguns dias depois deste trágico encontro com a antiga amizade, Paula está jantando, com Ernesto à sua frente, e Paula pensa ensandecidamente na ironia de todos os destinos. Olha fixamente para o namorado e chega à conclusão de que ele não é parecido com Frota. Cristina enganou-se. Não é parecido. Na verdade, é igual. Ernesto é gêmeo univitelino de Alexandre Frota. Como pôde não haver reparado neste gigantesco pormenor? O rapaz, percebendo o olhar sério e insistente de Paula que parece segurar com fúria um pedaço de pão numa mão e o cálice de vinho na outra, sente-se desconfortável e então resolve perguntar.

- Que foi, meu amor? Algum problema?
- Tem sim, Alexandre...
- Que?
- Quer dizer...desculpe, Ernesto...que merda.
- O que houve, meu bem?
- Não me chama de meu bem.
- Puxa...Pra que esta hostilidade toda, querida?

Foi aí que Paula desatou numa choradeira. Pouco depois, entre soluços, fungadas, e grandes goles de vinho, com ar desconsolado conseguiu balbuciar.

- Acho que precisamos conversar, Ernesto...

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