segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
EREÇÕES
Levamos bem umas três horas até conseguirmos começar o ensaio, por conta dos pequenos esquecimentos das estantes, extensões e até as preciosas partituras, e tudo isto pode parecer apenas detalhe, mas afirmo que qualquer atividade musical só é levada a cabo com sucesso quando todas as coisas estão em seus devidos lugares, sem mencionar as chaves do local, que Afrânio levou para fazer cópia e, desastradamente, deixou a original na loja do chaveiro, fato que dobrou nossa dificuldade e triplicou nossa irritação, pois tivemos de circundar o bairro diversas vezes no Opel de Alberto que já faz uma certa fumaça que ofende nossas narinas tão talentosas para alergias e durante o trajeto vaticinei com os colegas que gravássemos este disco logo de uma, antes que a rede caia e nossa memória sem serventia fique jogada num canto qualquer e assim já não saberemos nem os porquês mais elementares. Depois de um grave silêncio, as nuvens criadas pelas atônitas considerações se dissiparam e então voltamos à nossa habitual alegria, ainda mais que o verão do novo ano tem sido tão ameno, este verão de céus límpidos, ainda com caras de primavera, está nos poupando de noites insones sobre lençóis encharcados e logo em seguida o assunto, como não poderia deixar de ser, foi parar nas ereções, quando indaguei a meus dois colegas como estas andavam nestes primeiros dias de 2018 e chegamos à melancólica conclusão de que sim, ereções existem e afortunadamente nos contemplam, mas geralmente são involuntárias, surgem em momentos nada propícios, como na lotação, em meio ao jogo de bocha, no exato instante em que proferimos o número de pãezinhos que necessitamos levar da padaria, mas no momento em que cruzamos a soleira da porta de casa, já sabemos que a valiosa ereção se foi, se dissolveu feito algodão doce, e como amargo consolo, nos resta a TV ou a Internet, o dominó virtual, e comentei com os rapazes que Irene e eu, desafortunadamente, não estávamos em casa para receber o carteiro, e o aviso do Correio indicava o endereço ao qual eu deveria me dirigir para buscar a ereção que havia encomendado, e isso é por demais incômodo, pois há que agarrar uma condução na avenida Postais e subir e subir cerca de uns dez quilômetros até à agência atopetada de gente que certamente vai ouvir o atendente comunicar que há uma ereção em nome do senhor Abelardo e a questão agora é disfarçar as mãos trêmulas e assinar logo de uma vez a guia para sair dali o quanto antes, e voltar para casa com a importante encomenda, uma ereção que provêm do Vale do Lordo Central, que é sempre um pequeno tesouro, ainda mais com os bons preços que a empresa anda praticando e meus dois colegas concordaram com sorrisos atentos e lhes contei ainda que será no domingo, logo após o pastel das dez, que Irene e eu vamos para o quarto e enquanto ela desempacotar com ansiedade e fervor a danadinha, vestirei meu pijama cotelê e tomarei meu lugar na cama para assistir encantado à forma como Irene gargalha no exato instante em que a tampa é retirada e a qualidade do conteúdo da caixa é revelada, isto sempre é assim, sempre acontece desta maneira, e tenho certeza de que não será diferente desta feita, mesmo que Irene ande um tanto nervosa pelo fato de que Lorena, nossa bisneta primogênita, vá ter seu primeiro filho, isto não vai interferir, então não vejo a hora, só imagino isto nestes dias, só penso que quero ver Irene, quero ver Irene rir, quero ver Irene dar sua risada.
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