terça-feira, 23 de janeiro de 2018

NO FORRÓ

Depois de duas semanas de curso de dança de salão me animo a ir no forró.

Pago entrada e tudo.

Bebo algumas cervejas e pronto, já tenho a coragem suficiente para minha primeira experiência, quando de repente, vislumbro no meio do povo uma lagartixa do meu gosto.

Linda, lânguida, vestidinho e sapato baixo. Perfeitinha.

Me aproximo. Ela sorri e acena que sim e nos vamos pro meio do salão e é aí que se inicia uma refrega incompreensível, uma espécie de rinha de galo, um troço do outro mundo, eu tentando sujeitar a moça pela cintura, e ela mandando ver nuns movimentos ensandecidos e aleatórios, tudo fora de sinc, pensei até que eu ou ela talvez tivéssemos bebido demais, ou que o curso que havia feito era frio, mas com as pancadas, joelhaços, pontapés e piparotes que estava sofrendo e que começavam a doer muito, fui entendendo o que estava se passando. Por sorte o xote era curto e também por sorte cheguei vivo ao fim da canção. Pedi pra parar e sentei numa mesa pra ver o resultado daquela sova que havia tomado.

Quando vejo, a menina tá se abancando a meu lado com duas cervejas na mão. Gentilmente me oferece uma e reclama.
- E aí, parceiro? Pouco fôlego?
- Não...não é isso, é que...
- Pô. Só dançou uma.
- Daqui a pouco a gente dança mais.

Falo isso e me inclino para sentir com as mãos os pequenos galos que começam a se formar em minhas canelas. Tento mudar o rumo da trela.

- Como você se chama?
- Aldene.
- Como?
- Aldene.
- Ah tá. É um nome diferente.
- Tá vendo aquela ali de preto dançando separado?
- Tô.
- É Maria Aldene, minha irmã.
- Legal.
- E aquela que tá dançando com ela, de cabelo curto, tá vendo?
- Tô também.
- Paula Aldene. Minha irmã caçula.
- Ah tá. Aldene é sobrenome.
- Não é não. É nome mesmo.
- Escuta. Não tem ninguém na sua família chamada Aldene Aldene?
- Que eu saiba não.

Começo a notar que minha coxas doem bem, devido à meia dúzia de tostões que a moça me sapecou, inclusive meu ovo esquerdo agora reclama com algumas pontadas, e com isso desconfio que, infelizmente, também foi atingido. Sigo no papo. O papo é esquisito. Mas me mantém em certa segurança.

- Hum. Aldene...e o que você faz na vida?
- Bom. Agora to aqui no forró bebendo e dançando contigo.
- Que coincidência, hein? Eu também.
- Legal, né? Temos coisas em comum.
- Muito legal.
- Quem sabe a gente vai dançar mais um pouco?
- Sabe o que é, querida? Vou te explicar.
- Hum. Explicar o que?

Fico olhando aquele rosto tão bonito, enquanto noto meu olho se fechando, certamente alguma cabeçada, quando a música esquentou no refrão final. Então despejo a revelação.

- Aldene, Aldene. Prestatenção!
- Não sou Aldene Aldene. É só um Aldene o meu nome.
- Tá, querida. É só uma forma de expressão, de dar ênfase.
- Dar o que?
- Nada. Olha só!
- Tá. Diz logo de uma vez.
- A música, a gente dança no ritmo.
- E aí o quê que tem?
- Sinto lhe informar que você não faz isto.
- Não faço?
- Não! Você incrivelmente dança a música na melodia!
- Eu? Danço a música na melodia?
- Dança sim. E tá errado. Fica uma maluquice da porra.
Com esta frase carregada da irritação de quem está dolorido e necessita compressas urgentes, a moça fechou a cara. Senti a ira em seus olhos e senti também meu dedão do pé esquerdo dormente. Pisões clássicos não poderiam ter faltado no combate.

- Tá errado dançar na melodia?
- Tá, querida.
- Tá, é?
- Tá sim. É no ritmo que a gente dança. Não na melodia.
- Tá errado, é?

Foi repetindo este mantra com dentes cerrados e olhos faiscantes, olhos de quem está  fazendo mira, e notei que, com expressão sombria, cobrindo com o dedo o gargalo da long neck, a moça a chacoalhava com um certo vigor. Frente à tamanha e imediata ameaça, só restou jogar-me no meio da multidão e, manquitolando, empreender fuga desesperada.

Em vez do habitual Mac Donalds da madrugada, me conformei em passar na drogaria e comprar um tubão de Gelol.

O atendente, com olhar pesaroso, reparou em meu olho, agora completamente fechado.
- Briga?

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