sexta-feira, 26 de junho de 2015

TACOS -orbitais 4


            Antes era apenas o silêncio. Silêncio necessário para poder apreciar urubus e fragatas que sempre navegam em frente a minha sacada. Vivo em um grande apartamento num vigésimo oitavo andar e me encanto diariamente com a companhia destas grandes aves que tantas e tantas  vezes interrompem sua jornada para poder descansar um pouco nas platibandas. Elas não hesitam em fazer isto, mesmo quando estou pelas cercanias. Mas como já disse, antes havia silêncio. Agora já não. Faz uma semana que observei o ruído de tacos vindo do andar de cima.

            Quando digo "tacos", estou me referindo ao som que é gerado quando se caminha com sapatos, logicamente sapatos de salto. Antes não havia isto, como já falei. Agora há. O som é bem definido. É madeira e não parece provir de um salto fino. Talvez seja um tamanco, mas ainda não tenho certeza.

            Há 20 anos, eu poderia ouvir o som de tacos vindo  do outro lado da  rua,  e  apenas pelo  timbre, saberia se valia a pena ou não girar a cabeça para jogar o olhar sobre quem por ali estivesse passando. Com o tempo,  perdi muito desta capacidade. Então agora,  me sinto quase cego por  já não mais conseguir adivinhar com clareza as características de quem  está caminhando tão  perto  de mim. Calculo  que a distância  chegue, muitas  vezes, a irrisórios 2 metros. 

            Fiquei bastante impressionado com o fato de  que esta  pessoa  se negasse a calçar chinelos ou tênis, mesmo em horários tão  adiantados. É como se pressentisse estar sendo lida e quisesse que suas mensagens fossem, de uma vez por todas, decifradas.

            Nos primeiros dias notei que as  passadas indicavam caminhadas curtas  no quarto acima do meu.   É como se ela andasse da cômoda até o armário, ou da cama até a cômoda.  Fazia isto 3 ou 4 vezes seguidas e este  pequeno movimento  não possuía  regularidade.  Às vezes, durante algum trajeto, o caminhar se  tornava espaçado, como se ela se pusesse momentaneamente a refletir. Intuí que a visão de sua imagem no espelho talvez  a estivesse fazendo desacelerar.  Pensei em tantas possibilidades nestas últimas noites, mas as incertezas acabaram me deixando extenuado, inseguro e perdido. 

            Havia outro fato que me desnorteava por não me parecer lógico. Logo depois destes movimentos contidos, sempre acontecia uma fuga rápida e decidida em direção à sala e o som ia se perder lá pelos afastados arrabaldes da cozinha. Da minha cama escutava a tudo com estranheza. Não vá pensar que eu também caminhava pela casa para segui-la. Nada disso. Permanecia deitado...atento, sentindo-lhe o gosto. Então ela voltava de forma mais cadenciada, como se estivesse lendo uma bula de remédio. O caminhar quase cessava quando ela retornava da cozinha. 

            Estou utilizando  o  pronome "ela"   porque desde logo adivinhei que este andar só poderia ser feminino e apenas disto tive certeza. A partir daí, também comecei a descobrir que se tratava de uma mulher pequena, com 1,55, no máximo 1,60 de altura. O som do taco era seguro, firme, mas pude perceber sua profunda leveza. Na quarta feira servi um cálice de Blue só para senti-la. Cerrei os olhos, e com o licor passeando pela boca, a vislumbrei por um breve instante. Tão delgada e triste... tão só.

            No dia  seguinte resolvi  perguntar  aos porteiros se  houvera mudança no prédio, mas parece ser uma regra que as respostas destes homens sejam sempre tão vagas, como se não entendessem jamais as perguntas, e tampouco ficou claro se viram, ou não, alguém estranho pelo edifício.

            Este apartamento de onde vem o som dos tacos está fechado  faz cerca de 2 anos, desde  que  o proprietário, um japonês quase centenário foi encontrado morto pela sobrinha, que as más línguas dos vizinhos afirmavam ser sua amante, apesar da formidável diferença de idade. Conta-se que ela o encontrou serenamente sentado  à mesa  do café. Talvez admirasse fragatas enquanto o chá esfriava, e nem  notou que a vida  lhe escapava  como uma criança levada, ansiosa por libertar-se daquele corpo antigo para quem sabe se misturar a alguma nuvem da Pedra Bonita e finalmente brincar.  Depois que o  cadáver foi encaminhado para perícia, a menina nunca mais foi vista e nenhum parente apareceu para reclamar nem o morto, nem o imóvel.

            Mas foi ontem pela manhã, no instante em que entrei no elevador, que talvez este mistério tenha  começado a  se desfazer.  Ali estava ela. Delgada e pequena, como pensei. Cumprimentou-me com um vacilante aceno de cabeça. Levava um pano vermelho cobrindo a boca, talvez se preparando exageradamente para os 15 graus que este julho tem apresentado e isto, somado às roupas  acinzentadas lhe emprestava ares mouros. Pude notar que seus olhos eram amendoados, quase orientais, mas foi só quando entraram outros moradores no elevador que tive a devida audácia para buscar seus pés e não eram sapatos nem tamancos   que ela calçava  e sim  negras  e impecáveis botas e quando meus olhos estavam se acostumando ao assombro da nova descoberta, ela subitamente levantou um pé e fez com que um dos saltos batesse no outro por 3 vezes, talvez intencionalmente para me despertar do transe e quando ergui o rosto me deparei com o sorriso que vinha de seus olhos e foi apenas isto e nada mais, pois a porta se abriu e ela se foi, lépida, sem dar bom dia a ninguém, me deixando como um tolo, a bordo de uma imaginária asa delta flutuando por brisas de xampu e Issey Miyake.

Hoje à noite a esperei no quarto, como tem sido costume, mas reparei que ela estava na sala. O som era por demais cristalino. A moça parecia alegre. Dançava. Me permiti pensar que estava animada por ter me encontrado. E por que não? A música que me chegava era quase imperceptível e tinha ares de hipnose. O ritmo dos tacos parecia exato. Jamais me interessaria por alguém que não conseguisse entender com rigor o compasso musical. Então resolvi buscar a garrafa de licor e desliguei as luzes para melhor adivinhar suas evoluções. Talvez ela também esteja bebendo. Será que gosta de Blue?

            Confiro o  celular para  ver se chegou a mensagem que tanto espero. Tenho uma certa vergonha de confessar que, no fim da tarde, como um adolescente, contei 26 degraus até o andar de cima e vi que em sua porta havia uma pequena placa com alguns poucos caracteres nipônicos. Decidi fotografa-la e logo enviei a foto a um amigo que está vivendo em Tokio. Quero saber do que se trata. Até este momento não houve resposta.

            Lá fora, agora vejo a chuva batendo forte em São Conrado e no parapeito da sacada acaba de pousar  um urubu,  talvez o maior  que  já tenha aparecido por estas bandas. Todo e qualquer ser deste planeta, vez por outra, precisa de amparo num momento mais difícil, e me tranquiliza ver que meu visitante parece sereno, aproveitando a proteção que minha casa lhe oferece. Ao fundo, a profusão de raios me possibilita reparar que seu perfil é altivo, mesmo com toda a intempérie.

             Repentinamente noto que o ruído dos tacos cessa e logo em seguida a música também. Será que se sentiu incomodada, ou ofendida, por eu ter prestado atenção por alguns segundos em qualquer outra coisa que não fosse ela? Não posso acreditar que este súbito silêncio que agora ela me impõe seja birra. Seria ridículo. Então deixo de lado este devaneio para jogar minha atenção no nada... no vazio. O silêncio vai se expandindo como um big bang, apenas acompanhado pelo vento que assovia um pouco pelas frestas. Sinto um repentino pavor de pensar que o som destes passos jamais retornarão, ou muito pior do que isto, que nunca tenham existido e que tudo isto seja apenas fruto de minha imaginação, afinal de contas é sabido que a longa solidão pode causar alucinações. A vontade brutal de ir buscar uma vassoura para cutucar o teto não parece nada razoável. E agora, o que fazer com este silêncio? O que fazer com ele? Antes não havia. Agora há.

            Levanto da poltrona,  para tentar  captar qualquer ínfimo  ruído que  venha dela e é neste exato momento que, limpidamente, escuto o sinal. Taco contra taco. Madeira contra madeira 3 vezes. Imitando  o gesto do elevador, mas num ritmo um pouco mais lento, como se quisesse demonstrar já uma pequena ponta de irritação, ela me chama. 

Um movimento brusco na sacada me atrai a atenção e vejo que meu majestoso amigo decide lançar-se no vazio da tempestade, e entendendo isto como  mais uma  indicação, lanço-me também vertiginosamente pelos 26 degraus rumo a outros céus e encontrando a porta semi aberta, invado a sala vazia de móveis e tomada pela penumbra. Há uma luz acolhedora me chamando no fundo do corredor que cruzo lentamente, na ponta dos pés, pois detesto fazer barulho quando caminho, e de olhos fechados entro na habitação que me envolve com um aroma de rosas.

        Na manhã  seguinte, enquanto descansávamos da interminável noite, na casa de banhos ela me revelou que a plaquinha que estava afixada na porta era um haikai que significaria algo parecido com "não tenha pressa, mas não perca tempo". Jurou que isso era magia destinada a mim e só a mim. Disse também que se chamava Keiko e que já me conhecia havia  largo tempo. Quando lhe perguntei de onde vinha, apontou sorridente para as janelas. Havia, no fantástico azul daquele novo dia, o maior bando de fragatas que eu já tinha visto nestes meus quase 100 anos de existência.

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sábado, 20 de junho de 2015

SEXO SELVAGEM 2

   
Eles tinham se conhecido naquela mesma tarde, no vôlei, e ela aceitou sair pruns chopes. 

     Ele estava surpreso e radiante, pois a mina era nova na área e era gostosérrima, de outro mundo, um fantástico porta aviões. 

     No boteco, ele logo descobriu que entre outras coisas, ela fazia parte de uma ONG protetora de animais e o assunto foi por aí; cães, cães abandonados, gatos transplantados, animais engaiolados, cavalos de corrida, galos de rinha, logo cães de novo, cães fofinhos,  ela empolgadíssima, mas tanto, tanto, que não ouvia nem as perguntas nem os comentários do rapaz que heroicamente prestava atenção aos mínimos detalhes daquele solo interminável até o momento em que ela confessou saber de cor o nome de 124 raças de cães e começou a enumerá-las, então o carinha, que já estava na oitava tulipa, perdeu o fio da meada e simulando estar atento, apenas acedia com a cabeça para cada raça citada e sem desmanchar o sorriso estúpido que sua cara agora estampava, observava com volúpia as mãos daquela linda que por várias vezes se atrapalhou no momento em que chegava ao cão 85, então tinha de voltar até o 50, pra retomar a contagem corretamente, e foi no cachorro 102, quando ela estava insegura e gaguejante, que ele a beijou, e ninguém  sabe como, meia hora  depois os dois estavam nus, numa cama de motel, e ela o chamou de leão, chamou de tigre, de meu gato do mato, e ele quase brochou quando ela com os olhos brilhando e por entre dentes balbuciou:

- Meu tamanduá bandeira. 

     Foi aí então que ele se possuiu e, aceitando o jogo, chamou-a de dromedária safada, capivara histérica, besourinha vagabunda e talvez por esta última expressão ela tenha entrado em profundo êxtase e durante o formidável orgasmo, gritando com apoplexia, enfileirou 5 ou 6 tipos de dinossauro, o que fez o rapaz se conter pra não gargalhar ao mesmo tempo que sentiu um tesão desgraçado pois ela falou tudo isso em latim e tudo que é falado em latim dá um baita tesão na gente.

     Depois de tudo terminado, os dois ficaram ali deitados, descansando,  olhando o espelho do teto. O rapaz não podia acreditar naquela perfeição toda. Aquela cinturinha, aquelas coxas exuberantes, o cabelo fantástico...valia a pena, claro que valia, quem sabe até fazer um vestibular pra veterinária pra entrar na onda desta deusa, quem sabe... e por que não veterinária, agronomia?... 
     Aquele breve silêncio foi cortado por ela, que falou num tom baixo, quase segredado.

- Semana passada vi um programa muito interessante no Nacional Geographic.
- Foi?
     
     Uma pausa de suspense. E logo ela vem de novo  com a voz mega animada.

- Você sabia que mosquito tem alma?

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sexta-feira, 19 de junho de 2015

INSÔNIA




Miro sentou na cama empapada de suor. Não conseguia pregar o olho. As imagens iam passando na sua frente com todos os seus lúgubres detalhes. Os rostos dos atropelados, dos infartados, os baleados, os agonizantes... O olhar vítreo dos que não foram atendidos a tempo ou nem isso. 


Já fazia algum tempo, quase um ano, que estava dirigindo aquela ambulância, mas nos últimos dias é que tinha surgido esta novidade idiota. Ficar sonhando acordado com as cenas dos salvamentos.

Miro foi tateando até encontrar os cigarros na mesinha e, acendendo o isqueiro, pôde ver que era quase meia noite. Tinha apenas 4 horas de sono pela frente. Merda. Na penumbra, soprou a fumaça da primeira tragada e viu que o calor era tão viscoso que impedia que ela se afastasse. A fumaça teimava em não se dissipar pela habitação pequena.

Que cidade filha da puta. Só mesmo no Rio de Janeiro, uma noite que já está quente, consegue ficar ainda mais quente. Era inexplicável esta massa de altas temperaturas que muitas vezes dava as caras às 11 da noite. Pela lógica, este calor todo só poderia vir do continente, mas o bafo vinha com a maresia junto. Então era o mar que mandava esta onda pra incendiar  a noite da Cidade Maravilhosa e esta onda também conspirava pra apertar um pouco mais o nó de Miro. O nó do aluguel do apartamento que subiu e ficou inviável. O nó da falta de grana pra comprar até uma porra de um ventilador. O nó das impossibilidades, que agora também não permitia fazer uma das coisas mais simples deste mundo: fechar os olhos e apagar.

Melhor então colocar bermuda e chinelo e sair pela rua do Catete, quem sabe beber algumas latas até a exaustão.

Miro desceu suando os 4 lances de escada, pois pensou não ser aconselhável correr o risco de ficar preso no elevador. Os apagões andavam frequentes. Na rua, que continuava movimentada, dava pra sentir a panela de pressão vibrando com o som grave e constante de tanto ar condicionado ligado.

Não precisou andar cinquenta metros pra chegar até a Kombi que estava repleta de gringos acalorados e nordestinos tristes. 


Foi no momento de abrir a lata de cerveja que Miro reparou numa mulher sentada num banquinho, com os pés sobre um caixote. Bonitinha. Tinha um ar cansado. Bebia e fumava com o olhar perdido no vazio. Isso fez Miro notar que tinha esquecido o tabaco em casa. Caralho. Estava irritado e precisava fumar. Não teve dúvidas de se aproximar pra filar um cigarrinho da moça que acedeu com um leve sorriso e então os dois iniciaram o que poderia ser apenas uma breve conversa, mas o rapaz foi descobrindo que ela se chamava Natália e por grande coincidência era enfermeira da Samu zona oeste e estava ali exatamente pelo mesmo motivo que ele. Insônia.

- As imagens ficam passando, não é?
- Como assim?
- Você não fica vendo a cena das pessoas dilaceradas na via?
- Ah, entendi. Não. Isto não. Já faz 10 anos que tô nessa e já vi cada coisa que nem te conto. Não há mais nada que me impressione. Se eu te disser que não durmo por causa da sirene, você acredita?
- Sério? Mas como assim?
- Sério. Hoje fomos a Campo Grande. Tudo entupido. Quarenta minutos de sirene, colega! Sem parar. É mole? Tá tudo aqui, gritando na minha cachola.
- Engraçado. Eu gosto da sirene. Acho bacana quando o trânsito todo se abre pra deixar a gente passar. Me sinto poderoso. Acho que tem gente por aí, que tá viva e caminhando, por causa da sirene.
- É mesmo, né? Até que é uma conclusão maneira esta sua. Um brinde à sirene então.

A mulher sorridente estendeu o braço e as latas se tocaram.

Uma hora depois estavam os dois na cama de Miro sem importar-se com o pântano que aquilo havia se transformado, e já encaminhavam-se a dividir o mesmo gozo, quando ouviram ao longe, lá dos lados da praia, o som de uma ambulância. Os dois se olharam fixamente e caíram num riso frouxo que logo se transformou numa gargalhada que os obrigou a separarem os corpos. Depois do riso dar trégua, ficaram em silêncio,olhando para o teto.

- Putz. Este teu lençol está nas últimas.

Quinze dias depois, Natália trouxe seus lençóis, seu ventilador e trouxe todo o resto também, e a partir daí, todas as noites, mas todas mesmo, os dois se amam até tornarem-se completamente cegos e surdos e então, de mãos dadas, podem cerrar os olhos e apreciar a deliciosa sensação do mundo ficando para trás, se afastando, se afastando...

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segunda-feira, 15 de junho de 2015

A FANTASIA E A LÓGICA

Dia destes vi na televisão um documentário muito bom sobre Abelardo Barbosa, o Chacrinha.

Praqueles que não sabem, os mais jovens é claro,  Chacrinha foi um pernambucano que ficou famoso nacionalmente com um programa de auditório na década de 70 que era uma balbúrdia colorida.

Inventou um tipo de comunicador brasileiríssimo, maluco pra caramba, que muita gente da intelectualidade  relaciona até hoje com a onda tropicalista e até com Macunaíma e a antropofagia.

É considerado por muitos um gênio, e um dos maiores criadores da televisão brasileira. Chacrinha era, e é até hoje, muito querido no meio artístico.

Documentário bom de se assistir. Deu até saudades, mas devo confessar que eu não gostava daquilo. Sabe aquelas coisas que a gente tem peso na consciência de não gostar?

Pois é. Tinha pavor do Programa do Chacrinha. Era insanidade demais pra minha cabeça. Não gostava daquela parafernália multicor. Era poluição visual e sonora no topo. Aquilo me deixava enjoado. Tinha os artistas bregas da época com sua música de comércio que eram os maiores frequentadores. E quando aparecia algum artista que eu gostava um pouco mais, me parecia que também era tragado por aquele redemoinho demencial.


E por falar em "tragado" também nunca gostei daquela parada da Alice no País das Maravilhas. Pra mim, Chacrinha e Alice são coisas parecidas. Alice era como um grande e interminável pesadelo psicodélico e penso que só uma criança com espírito muito, mas muito liberto mesmo, poderia se sentir atraída por aquilo e sentir prazer com a aquela história sem nexo. Lembro de ouvir no disquinho as canções estapafúrdias. Tinha um coelho que cantava.


É TARDE, É TARDE
É TARDE ATÉ QUE ARDE
AIAI MEUS DEUS
ALÔ, ADEUS
É TARDE, É TARDE, É TARDE

O Pequeno Príncipe também. Eu achava uma loucurada chata. Elogiadíssimo, considerado uma obra prima, eu li e achei um saco. Só aqueles desenhos já me deixavam mareado.

Não gosto de filme musical também. Nunca gostei. Nunca entendi como que, depois de um diálogo, o cara pudesse começar a cantar em plena rua acompanhado por orquestra e tudo. 

Outra coisa. Vídeo clip. Quando surgiu eu me negava a ver. 
Pô! Os caras não estão tocando de verdade. Eu achava que era uma enganação. Agora até aceito ver um clipezinho, mas sempre achei esquisito existir gente que ligava a TV pra assistir a um canal de vídeo clips. 

 Já estive em uma festa que apareceu uma drag queen. Era a atração da noite. Notei que as pessoas estavam adorando a parada. As mulheres muitíssimo mais do que os homens. Eu achei sacal pra caramba. 

Acho que não gosto de fantasia. Não sou muito chegado à brilho. Definitivamente nunca serei um carnavalesco. Sou um bocado reclamão também, como se pode notar, e já fui bem mais.  Sou um músico chato que sempre gostou de matemática. Matemática e lógica. 

Pra terminar, já que falei em lógica, vai uma do ANEDOTARIUM. 

O gaudério estava na rodoviária de Porto Alegre, esperando o ônibus que ia pra Bagé. 

Faltava mais de hora pro ônibus sair e ele reparou num cara que levava um pacote embaixo do braço. Resolveu puxar assunto pra matar tempo.

- Mas tchê. Desculpe a curiosidade. Que que tu leva nesse pacote?
- São livros, meu senhor.
- Ah sim, mas o senhor pode me dizer que tipo de livro?
- Certamente. São livros de lógica.
- Ah, bueno.
- O senhor conhece a lógica?
O gauderinho coçou a cabeça. Não sabia nada sobre o assunto.
- Pois não sei.
- A lógica é uma ciência. Vou tentar lhe explicar. Por exemplo. O senhor tem um aquário em casa.
- Sim. Tenho.
- Pela lógica, e somente pela lógica, se o senhor tem um aquário, e já tem uma certa idade, há crianças em sua casa.
- Sim. É verdade;
- O senhor entendeu?
-Não ainda, tchê.
- Seguindo então o raciocínio. Pela lógica, se há crianças em sua casa, estas crianças são seus filhos.
- Acertou.
- E seguindo o pensamento, se são seus filhos, foi o senhor quem fecundou sua mulher.
- Pois deve ser também.
- Seguindo a linha, se o senhor fecundou sua mulher, pela lógica, o senhor é macho.
O rosto do guasca se iluminou com esta última afirmativa.
- Mas é mesmo...
- O senhor entendeu agora do que se trata a lógica?
- Agora sim! Mas que rica ciência, hein tchê?

O cara pegou o ônibus e o gauchinho ficou ali sozinho, matutando, maravilhado com a lógica. Viu que tinha ainda meia hora. Se tocou pro centro e entrou na Sulina. Chegou no balcão e falou pro atendente.

-Me arrebanha todos os livros de lógica que tu tem aí. E bota num pacote.

Voltou correndo pra rodoviária e pegou o ônibus. Quando desceu, fim da tarde em Bagé, encontrou um amigo que lhe perguntou.

- Mas tchê Fagundes. Onde andavas?
- Tava em Porto fazendo uns negócio.
- E este pacote aí embaixo do braço?
- Isto são uns livro.
- É? Livro de que?
- Livro de lógica.
- Lógica? O que é isso?
- É uma ciência, burro.
- Nunca ouvi falar. Mas me explica.
- Bueno. Vou te dar um exemplo.
- Manda.
- Tu tem um aquário em casa.
- Eu não!
- Bueno...então tu é puto!

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domingo, 7 de junho de 2015

MODUS OPERANDI NO SUPERMERCADO



A moça do caixa me pergunta qual será a forma de pagamento. 

Dinheiro, respondo. 

Entrego a ela uma nota de cem e o tíquete do estacionamento. Ela faz o  cálculo e coloca as cédulas do troco na palma da mão. Em cima das cédulas algumas moedas. Em cima das moedas vai a nota. Em cima da nota, o tíquete do estacionamento. Me entrega o bolinho todo junto. Organizadinha ela. Coisa mais querida. Mega amo.

Bueno. Aí começam meus problemas. Se as moedas não se soltarem e saírem girando pra todos os lados já é um bom começo. Não gosto de juntar moedas no solo. É desconfortável e assim, via de regra, o custoso movimento de me abaixar me faz gemer e as pessoas sempre podem ouvir. Mas também não posso deixá-las ali, pois ainda sou um temente a Deus, e deixar de juntar moedas caídas sempre foi e sempre será pecado. Então as recolho, mesmo que sejam as azinhavradas e nojentas moedas de cinco. O brabo é que nem sempre se consegue resgatar a moeda do chão na primeira tentativa. Isto irrita dez vezes mais. Aliás, moedas me irritam sempre, mesmo quando estão em repouso sobre a mesa. Aliás, nem precisa haver moedas.

Voltando ao assunto; Se elas não caíram é porque tive a devida habilidade de inclinar o bolinho e elas deslizaram com sucesso até minha outra mão. Vencido o primeiro passo, agora é só escolher o bolso certo para guarda-las. As moedas não podem ir junto com o celular no bolso. Além de arranhar, dizem que moedas apagam dados. Deve ser lenda, mas mesmo tendo o máximo cuidado para não fazer isto, sempre acabo encontrando, inexplicavelmente, moedas junto ao celular. Caráleo. Deve ser uma atração quântica que faz eles ficarem grudados. As moedas devem pular de um bolso pra outro até conseguirem ficar pertinho do celúla. Um caso de amor. Só pode ser isto.

Então tem de escolher outro bolso. Aí tenho de puxar um pouco pela memória porque sempre tenho algum bolso furado. Se colocar as moedas nesse bolso e sentir o geladinho delas deslizando pelas canelas já imaginou como vou ficar puto? Nem pensar uma coisa destas. Mas digamos que obtive sucesso aí também, e o problema "moedas" foi superado.

Vamos ao próximo dificultoso passo. Separar o dinheiro da nota e do tíquete e coloca-lo na carteira sem fazer massaroca.

Às vezes as cédulas se negam a entrar na carteira de forma correta e organizada. Pode ficar um bolo, as pontas pra fora e a carteira desbeiçada. O que acontece nessa hora é que o tíquete e a nota entre os dedos atrapalham o trabalho que a mão tem de fazer para que se consiga um bom acondicionamento das cédulas na carteira.

Tenho muito nojo da nota, mas já precisei dela pois havia perdido o tíquete e, neste caso, é só a nota que prova que você realmente fez compras ali. Claro que a outra maneira de provar isto é pegar um carrinho, ir até o carro, abrir o capô, retirar os sacos, colocar no carrinho, levar até o guichê do estacionamento e mostrar pro cara. Eu já fiz isso. Tá rindo? Então lhe digo que é por isso que não me desfaço da nota de jeito nenhum, apesar do profundo asco que sinto por ela.

Continuando. Me conformo então com as cédulas mal introduzidas e coloco a carteira, mesmo disforme, no bolso da frente. Aprendi no Rio de Janeiro que carteira vai no bolso da frente sempre, e é por isso que o tíquete não pode ficar dentro da carteira de jeito nenhum. É Impossível tirar a carteira deformada do bolso da frente quando se está sentado ao volante. Então tenho de decidir o que faço com a nota e com o tíquete.

A nota, da qual já falei sobre minha antipatia, coloco dentro de um dos sacos de compras. De preferência no saco onde tenha carne pra ela ficar bem lambuzada e nojenta. E então, sobra a delicada e derradeira equação: O tíquete.

Me disseram que o celular pode apagar o tíquete. Deve ser outra caralha de lenda sem sentido que inventaram, mas evito isto também. O celular vai no outro bolso da frente, pelo mesmo motivo que a carteira. O que que sobra?

Juro que dia desses coloquei o danado num dos bolsos de trás e ele evaporou. Sumiu completamente. Verdade verdadeira. Foi no mesmo dia que também não achei a nota e foi aquela puta mão de obra que já se sabe. Então não coloco mais no bolso de trás. Na mão é que também não levo, pois preciso das duas pra poder conduzir bem o carrinho e se me distraio por um segundo ele some com certeza.

Então, agora tenho levado o tíquete sabe onde? Na boca. É sério. Mesmo que já tenham me alertado tantas vezes de que assim, sendo levado entre os lábios, mesmo com todo cuidado pra não babujar, há grande risco do tíquete apagar minha memória. Putz. Lenda, certamente.

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O SAL DA TERRA DO SALGADO



Algumas pessoas vieram ao mundo com a possibilidade plena de viver em busca do prazer, como é natural acontecer com boa parte da humanidade, mas ao invés disso, resolveram arder nos fogos do inferno que existem por aqui. Sim, porque apesar de nossa racionalidade e o largo tempo que já habitamos o planeta, ainda permitimos que existam infernos de todo tipo.

O fotógrafo Sebastião Salgado é uma destas pessoas. Filho de um fazendeiro mineiro de boas posses, se formou economista mas resolveu fotografar. E acabou escolhendo fazer isto no olho do furacão de várias partes do mundo. Estas empreitadas duraram anos. Longe da família, longe de qualquer conforto.

Fotografou os esquecidos, os excluídos, os expulsos e degredados, as vítimas de guerra. Os resultados fotográficos são chocantes e se tornaram então um material jornalístico duro e precioso, que revela ao mundo como este mesmo mundo comete a infâmia de ser tão
 cruel na sua cegueira, na sua surdez. No seu descaso. Com as imagens captadas por Salgado, ficamos todos frente à frente com nossa inexplicável e incurável falta de solidariedade.
Se pode ver no olhar deste homem o imenso fardo que certamente deve carregar por ter sido testemunha de tantas tragédias. Apesar disto, Salgado, que não aparenta seus 71 anos, tem a voz de um jovem de 30 e isto é também surpreendente.

O documentário chamado "Sal da Terra", de Wim Wenders e Juliano Salgado, filho do fotógrafo é uma pedrada. Minha ignorância e eu sugerimos. Nos faz refletir e, cada vez mais, acho que refletir é preciso.


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quarta-feira, 3 de junho de 2015

HOMENS. A UM PASSO DO OBSOLETO.

Entro no metrô. Procuro um lugar de pé, onde possa me encostar e ficar um pouco mais cômodo. Na minha frente, de pé também, uma mulher bonita, uns 30 anos. Secretária talvez. O olhar dela está parado. Não reparou em mim, mas isto é algo a que estou habituado e já faz tempo. 

O trem se põe em movimento e quando a porta se abre na estação seguinte entram 3 ou 4 pessoas. Vejo que a secretária bonita presta atenção em alguma coisa ou alguém. Procuro ver do que se trata. Sou muito curioso. Algum cara bonitão? Não o encontro, mas vejo outra mulher com o mesmo perfil da primeira. Se posta a uns dois metros de distância dela e se põe a digitar algo no celular. 

A primeira observa tudo nesta que entrou. Cabelos, sapatos, a roupa, talvez o corpo. Os olhos movem-se nervosos, como se estivesse fazendo algo proibido. Vejo que desvia repentinamente o olhar e descubro que faz isto porque a segunda se sentiu notada. E vejo também que a segunda repete o procedimento da primeira. Repara nos cabelos,  nos sapatos, na roupa e até arrisca olhar para o rosto da primeira. A viagem segue neste jogo de olhares furtivos e 3 estações depois desço do trem pensando na nova era que vem se aproximando.


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Beyoncé parada no meio do palco. Silêncio. Suspense. O que será que vai acontecer? Parece um tigre. A primeira coisa que me vem à cabeça é: ih, acho que ela ficou brava. (Bem assim. Tenho medo de mulher que me pelo todo). E ela está ali. Os olhos faíscam. Logo sinto que o recado que ela quer dar é outro. É algo como: "Prestem atenção! Eu tudo posso. Tenho o poder de seduzir quem quer que seja". 

Nas primeiras fileiras os homens babam. Verdadeiros ratos na frente de um queijo interplanetário. Mas são as mulheres que estão em êxtase. As mulheres gostam muitíssimo mais de Beyoncé do que os homens. É isto; O poder. Ter este imenso poder de seduzir, embora seduzir não tenha a menor importância. Mas possuir este poder. Isto sim, é a divina glória.

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Tenho uma amigo e colega que está tocando com uma cantora da hora. Sendo assim, ele tem frequentado as "altas rodas sociais e culturais" e me contou que a artista conquista e leva pra cama o mulherio global todo e que nestes encontros sociais  tudo gira em torno das mulheres e os homens são apenas vasos ornamentais, meros assistentes do espetáculo. 

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Pra finalizar, dia destes ouvi a notícia de que as mulheres, com os avanços dos estudos das células tronco e estas coisas, vão poder ter filhos sem precisar do esperma. Que num futuro não muito distante poderão gerar sem precisar da cooperação masculina. Putz, acho que este é o golpe de misericórdia para que nós homens venhamos a nos tornar seres definitivamente obsoletos. Juro que pensei nisto.

Não serviremos mais nem pra dar continuidade à espécie.
Vai nos sobrar apenas fazer pequenos consertos, carregar peso e quem sabe matar uma ou outra barata, ou talvez nem isto. As mulheres estão na guerra de peito aberto e em todas as frentes, acelerando, e parece que não é qualquer inseto que vai frear esta cavalgada.


terça-feira, 2 de junho de 2015

O MASSACRE DAS MULHERES

As mulheres tem conseguido provar, dia após dia, que nós homens somos amebas. Este massacre, que começou de uns tempos pra cá,   nos colocou no lugar de meros protozoários destinados a fazer pequenos serviços, serviços estes que fazemos mal, é justo que se diga, e isto nos dá imensa vergonha.



Estamos completamente fora de combate, esmigalhados, mas as mulheres, não contentes com sua visível superioridade, mantém o pé sobre nossas cabeças, exercendo pressão exata.

- Fica aí quietinho.


Antigamente a TPM durava 2, 3 dias. Atualmente, é como se fosse uma TPM até o final dos tempos. A impaciência e o azedume estão presentes desde o despertar até o momento de fechar os olhos. As mulheres, que antes consideravam o homem objeto de primeira necessidade, agora não sabem o que fazer com a gente. Tornamo-nos descartáveis e irritantes.


E vou falar pra vocês qual é o momento mais difícil deste nosso martírio. Não tenho dúvida que é quando nos chamam pra arrumar a cama, trocar lençóis.


A tortura começa com a fronha. Enquanto minha mulher já colocou fronhas limpas em 5 travesseiros e fez este trabalho de forma impecável, eu coloquei em apenas um e este ficou todo embolado. É neste momento que ela me joga seu  sorrisinho sórdido. É um escárnio que diz algo tipo; "a amebinha não consegue nem colocar um travesseiro dentro de uma fronha?".


Mas o máximo, aconteceu dia destes, quando descobri com tristeza que até minha mãe faz parte deste ignóbil conluio. 


Estava eu na casa dela, no computador, executando minhas importantes tarefas, quando repentinamente ela me conclama a arrumar a cama. Eu pressenti, naquele  momento, que havia um tom de voz diferente naquele chamamento. 


Iniciamos a atividade  e pude sentir a arrogância nas pequenas ordens, no "ajeita aqui", no "puxa ali", havia séria e dura impertinência na forma de falar, mas foi no ponto crucial da arrumação que o ambiente realmente ficou tenso. Você sabe a que estou me referindo? É aquele instante em que você tem de ajeitar a ponta do lençol à ponta do colchão. Não sei qual é a caralha da deformação do colchão ou da porra do lençol que torna a tarefa impossível. Não dá pra fazer! Não tem como ajustar estas duas peças com a perfeição que estas megeras exigem e nunca sei qual é o defeito que elas conseguem enxergar ali e foi nesse exato momento que minha mãe colocou as mãos na cintura, e me olhou fixamente, disparando.


-Tu é burro, guri.


O "burro" da mami geralmente vem com 5 érres quando ela fica irada. E eu ali, de cabeça baixa, me esforçando ao máximo pra ajustar as arestas da melhor forma possível e me sentindo o maior perna de rato do planeta. 


Vou dizer uma coisa pra vocês. As mulheres andam insuportáveis no geral, mas é no ato de arrumar a cama que elas chegam ao ápice da nojentice. É aí que elas se superam. Ainda vai nascer um novo Freud pra explicar isto. 


FC - JUNHO -15 - pOa