quinta-feira, 10 de novembro de 2016

PAULINHA E O JOTA

Jota e eu somos pessoas parecidas. Falamos pouco e quase não sorrimos. Além destas particularidades, meu amigo tem também o gesto antes da palavra. É como se ele se expressasse antes com as mãos e depois com a boca. Cria uma espécie de dessincronia que dá a sensação de repetidas falhas de dublagem.

Mas o que quero contar é que por estes dias, o Jota andou lançando o verbo em cima da Paulinha e não é que foi bem sucedido?

Tem muita sorte meu amigo, afinal de contas, Paulinha tem quase 20 a menos, um corpão fantástico, resultado de 5 dias semanais de academia e a menina, na tarde de ontem, convidou-o pra tomar um inocente café em sua casa e logo rolou um clima forte e de repente se pelaram e foram pra cama, e a menina possuidora de um fogo descomunal aliado a um fôlego de maratonista foi tomando a iniciativa, já se dirigindo aos entretantos, deixando meu amigo atônito e aparvalhado, se rendendo, sem reação, àquele tsunami de volúpia, e a moça bombada bombou e bombou e bombou, e o Jota resolveu que não ia se michar, que ia encarar aquele pique, e bombou também, e ela com aquele corpo atlético feito de concreto resolveu então cavalgar, e aumentou o ritmo e fez exigências e o cara foi se virando do jeito que podia, caprichando na performance, na raça, bombando legal, o pulmão, um chinelo velho, já tinha começado a chiar um pouquinho da bronquite, mas não dá nada, vá bomba e vá bomba até que de repente rolou um estalo no peito, um troço agudo, assim como um pneu que fura com um prego, mas Paulinha nem aí, nem bola, não viu nada, seguiu no ritmo frenético, que gostoso, até que de repente reparou que a coisa tinha ficado esquisita, notou que a parada desandava e com assombro viu que o rosto do Jotinha tinha adquirido uma tonalidade azulada, os olhos do querido estavam mortiços e ele esboçava o sorriso idiota de quem já não estava mais entre nós, então Paulinha paralisou os movimentos e gritou, não sem antes dar um tapão naquela cara apatetada pra ver se trazia o cara de volta.

- O que é isso, homem?! Tás passando mal?!

A resposta veio grave, como se ele estivesse sendo estrangulado já dentro da cova.

- Tô morrendo.
- Não faz isso não! Não vai morrer aqui na minha casa não! De jeito nenhum!
- Não?
- Não. Isso vai dar merda, porra! Eu sou casada!

Já com a baba escorrendo pelos cantos da boca, com um cabelo de voz, meu amigo respondeu.

- Devia ter me contado. Acho um tesão ficar com mulher casada.
- Mas tu não pode morrer aqui!
- Tranquila, gata.
- Como é que vou ficar tranquila, Jota?
- Se eu bater as botas, arrasta meu corpo pelo apartamento e larga lá no corredor.
- Ah sim, que beleza! E como vou explicar um morto pelado na frente da minha porta?
- Sei lá. Diz que quando tu chegou não tinha ninguém ali. Diz que não sabe de nada. Faz uma queixa pro síndico depois, acusando o zelador de relapso e porco. Ah. E minhas roupas, picota tudo e vai jogando no vaso aos poucos e dando descarga.

Neste momento, uma enfermeira entrou no quarto 156 do Hospital de Cardiologia de PoA e interrompeu o relato que o Jota me fazia. Uma baixinha simpática, que já foi mandando:

- E aí? Como é que tá, Seu Jéferson? Tudo tranquilo? Precisamos trocar o soro agora.

Jota, sem mudar um pelo da fisionomia, ofereceu o braço à atendente e, me olhando fixamente, continuou solando com sua monocórdica e lenta voz.

- Daí, véio, a mina pulou da cama no desespero e chamou a Samu. Chegaram rápido, ainda bem, e me botaram uma máscara, que eu tava ruim de ar, brother, tava me finando, pensei que ia abrir vaga, e ontem de noite me furaram com o cateter e deram uma desentupida no bobo. Acho que me safei desta vez, mas vou ter de regrar minha vida, véio, porque senão não vai ter mais mina e sem mina não tem vida, Bro.

Jota fez uma pausa pra fiscalizar a troca do soro e a enfermeira aproveitou a pausa.

- Agora, Seu Jeferson, vou pedir pra seu amigo sair, pra revezar a visita. Tem gente aí fora querendo lhe ver.

Jota franziu a testa e indagou.

- E quem seria tal pessoa?
- Sua filha Paulinha. Está ansiosa. Faz mais de meia hora que espera.

A informação fez Jota se engasgar com o cuspe e experimentar um breve acesso de tosse. Nos olhamos, compenetrados e sérios, estudando a situação. Já havia comentado que quase nunca sorrimos, e isto acontece até mesmo quando a piada é boa.

Antes de fechar a porta dei um aceno a meu amigo que me olhava preocupado, com os olhos de um cachorro que lambeu graxa.

Ao passar pelo saguão me deparei com Paulinha sentada no sofá, com uma expressão de Madre Teresa no rosto. Reparei na mini saia e na rasteirinha. Coxas de tirar a paz do planeta. E ela vai entrar no quarto assim: Exuberando.

Oremos



PoA - outubro - 16

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