Não vi Tom.
Assisti a Stevie Wonder bem de pertinho e a Ray Charles bem de longinho.
Não vi Santana nem Bil Evans que estiveram aqui em PoA, mas por aqui assisti a Corea e a Hancock juntos e também ao austríaco Zawinul que me fez perder a tampa do cérebro quando executou umas escalas num teclado invertido que havia programado com baixos à direita e notas altas à esquerda.
Não vi Miles. Um amigo contou que quando se iniciou o concerto, parecia uma nave espacial pousando.
Fui assistir a Pastorius em Madrid, só que ele não foi. Disseram que não conseguiram tirar o cara da cama de um hotel da Bélgica. Doidaraço. Pouco tempo depois morreu.
Nesta época, fiquei sabendo que Corea fez um concerto em Barcelona e usando um efeito de voz no teclado somado aos vocalizes da cantora Gayle Moran, levou a plateia a experimentar o fenômeno da histeria coletiva. Quem já ouviu turbina de avião a todo vapor, bem de perto, sabe mais ou menos sobre o que estou falando.
Também nesta mesma época e cidade, me contaram que Keith Jarret, ao qual nunca assisti, estava passando o som, infernizando a vida de um afinador de pianos, quando de repente encasquetou que havia um calombo em cima do palco e disse que com aquilo não tocaria. Tiveram de chamar marceneiros pra tirar o carpete e aplainar a suposta saliência até ficar do agrado do lock.
Vi Al Jarreau e Mclaughlin na Plaza de las Ventas em Madrid. Foi bem legal, mas na noite anterior havia assistido ao melhor show de minha vida no mesmo local. George Benson. Isto foi em 86. Já faz 30 anos.
Em Madrid, num ginásio, assisti a Caetano e no dia seguinte, vi Bethânea de longe e ouvi os espanhóis a meu lado comentando que ela era gostosa. Estávamos bem longe mesmo.
Assisti à Guernica, de Picasso.
Sim, é um quadro. Mas tem som. Guernica grita.
Da mesma forma que quando pela primeira vez caminhei pelas areias de Copacabana e me deparei com aquele fantástico paredão de prédios. É uma sinfonia aquela arquitetura toda. A história, ali berra.
Assim como berrava um morro que vi em frente ao mar, numa praia da Bahia, num dia em que fazia um sol de justiça. Uma parede de verde exuberante que emanava sons de vários séculos.
Já faz anos, subi as escadas de um teatro de Santa Rosa no exato momento em que GibaGiba, Neto, Ernesto, Neguinho Edson e outros, de que não recordo o nome, iniciavam a apresentação de uma canção. Alguma coisa diferente começou a acontecer ali. Ficou tudo conectado e em câmera lenta. Foi um contato com um algo a mais, talvez aquilo que costumamos chamar de superior. E não foi loucura da minha cabeça. Quem estava comigo dividiu o assombro. Ficamos de boca aberta, aparvalhados, nos perguntando o que havia acontecido, quando a canção terminou.
Num bar chamado Oba Oba, assisti a um guitarrista inglês dando uma canja no meio de um grupo grande de brasileiros. O pau tava comendo. O ritmo era tribal em dois acordes. O cara botou uma distorção e fez um solo esquisito, torto pra caramba com poucas notas. Num determinado momento meteu a alavanca e veio a microfonia aquela. Foi meneando o corpo bem devagar praquele som ir desaparecendo pouco a pouco. No momento em que o som da guitarra sumiu por completo, ele ficou sem emitir nenhuma nota por alguns compassos, com a postura física estática, e os músicos todos entenderam que aquela pausa era uma pausa genial e fazia parte do solo.
Não vi Tom...mas vi Elis.
pOa - novembro - 16
Nenhum comentário:
Postar um comentário