sábado, 11 de julho de 2020

NAUTILUS, FÉLIX E A CHUVA INTERMITENTE E RIDÍCULA

Nautilus e Félix estão sentados no tapete da sala com olhares aborrecidos postos na janela fechada.
- Que saco, Nautilus. Esta chuva não para. Poderíamos estar por aí, nos aventurando pelos telhados...
-...ou caçando baratas gordas e crocantes, Félix. Mas é muita água que cai. Já faz três dias que chove sem parar. Completamente ridículo.
- Nada disso, Nautilus. Faz seis dias que a chuva começou.
- Não diga bobagens, Félix. Tá chovendo há oito dias. Tenho certeza.
- Táz completamente enganado, Nautilus. No máximo dois dias.
- Agora...mudando de assunto, olha só, Félix. Você viu a mulher no quartinho?
- Vi sim, Nautilus.
- E você viu o que ela tá fazendo. Félix?
- Vi muito bem, Nautilus. Vi com estes mesmos olhos que agora tão te olhando. A mulher tá com aqueles dois palitos fininhos na mão.
- Não são dois, Félix. São cinco palitos.
- Táz enganado de novo, Nautilus. São mais de sete palitos.
- Bom. Esquece isto, Félix. Isto não é o mais importante.
- Sei muito bem sobre o que você tá falando, Nautilus. §
- Sabe, Félix? Sabe mesmo?
- Sei perfeitamente, meu bom amigo Nautilus.
- E o que você pensa disso, Félix?
- Penso que gatos modernos e articulados como nós não caímos nestas tentações baratas e antigas, Nautilus.
- Perfeito, Félix. Correr atrás de novelos é uma coisa por demais ultrapassada, não é? É um clichê muito, muito, muito ridículo.
- Perfeitamente ridículo, Nautilus. Eu é que não vou me atirar naquele novelo vermelho e fofo.
- Nem eu, Félix. Não me interessa nada aquele novelo gordo e vermelho que vai sair girando pra todo lado com nossas muitíssimas patadas.
- Isso, Nautilus. Seria ridículo metermos nossas unhas naquele novelo fofinho e lindo.
- Opa, opa!, Félix.
- O que foi, Nautilus?
- Você chamou o novelo de lindo, Félix!
- Chamei, Nautilus? Nem notei. Que ridículo da minha parte.
- Olha só, Félix! A mulher entrou no banheiro.
- To vendo, Nautilus. Será?
- Ouviu isso, Félix? Ouviu bem o barulho da água?
- Ela vai tomar banho, meu bom amigo Nautilus.
- Você tá pensando o mesmo que eu, Félix?
- Tô, Nautilus. Teremos uns vinte minutos.
- Nada disso, Félix. Teremos mais de quarenta minutos.
- Táz novamente enganado, Nautilus. O banho dela dura sempre oito minutos.
- Chega desta perda de tempo, Félix. Eu não resisto.
- Nem eu, Nautilus. É mais forte do que nós, não é? Tão ridículo.
- Bora atacar novelo vermelho, Félix. §
- Bora atacar novelo fofinho, Nautilus.§§
- Bora já, Félix. O último a chegar lá é mulher do rato. §§§

NOTA DO AUTOR

Como os felinos tem, por natureza, a testa achatada, a parte frontal do cérebro resultou bastante reduzida e é esta região que seria responsável pela exatidão dos cálculos matemáticos. Devido a esta relevante diminuição de área, se pode muito bem notar na narrativa que os gatos fazem notória confusão com os números.

Outro ponto importantíssimo a ser desmistificado é o de que gatos enxergam em preto e branco. O texto contrapõe esta crença de forma definitiva.

MAIS NOTA DO AUTOR

Como os felinos riem com a alma e assim seu riso não tem propriamente nem som nem forma, resolveu-se estipular um signo para cada risada.

O signo é este: §

Quanto mais riso, mais §

§§§ significa que o gato está a um passo de gargalhar, o que seria possivelmente impossível.

Também, à guisa de informação, é significativo dizer que se trata de uma praxe felina o fato dos gatos colocarem o nome do interlocutor em toda frase.

Outro dado marcante.

Os nomes dos gatos são escolhidos por eles mesmos e é por isto que de nada serve você tentar dar nome a um gato. Ele jamais atenderá.

Tenho certeza também de que você se surpreendeu com a repetição sistemática do termo “ridículo” em meio à conversação.

Explico.

Para os felinos, quase tudo neste mundo é ridículo. Sempre que você enxergar um gato sentado com o olhar perdido no vazio não tenha dúvidas de que ele está pensando que o universo que está ali, revelando-se a sua frente é, no mínimo, ridículo.

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