São dois assuntos distintos, mas fizeram parte de um mesmo dia.
No fim do ensaio um colega me ofereceu carona. Eu morava no Catete e estávamos em São Conrado.
Quem conhece o Rio de Janeiro sabe que uma carona destas vale ouro, principalmente neste caso, em que eu estava portando um amplificador pesadinho e por isso não tinha como pegar o ônibus.
Quando já estávamos no carro, entrando na avenida, o telefone de meu amigo tocou e terminada a ligação, me informou que iríamos até a Barra da Tijuca buscar sua mulher, mas que eu ficasse tranqüilo, depois me levaria em casa.
No momento que ouvi aquilo, me atirei pra fora do carro, com caixa e tudo. Não vê que já conheço estas caronas milagrosas? A Barra fica no sentido contrário e o trânsito estava caótico nas duas bandas.
Quando chegássemos lá, uma hora depois, seguramente a mulher dele iria sugerir que buscássemos uns tijolos na casa do primo Valdemar. Valdemar, por certo não estaria e teríamos de tomar café com biscoitos moles com a avó do cara, esperando por ele que não atenderia o celular nem por uma caralha, talvez estivesse na oficina, e eu seria obrigado então a ver a vózinha trazer as colchas que tinha bordado pra mostrar pra mulher de meu amigo que pediria pra aprender ali mesmo o ponto tão bonito e delicado, enquanto isso, meu colega tiraria o instrumento do estojo pra me mostrar um tema que teria composto na noite anterior, sem nem imaginar que meu olhar fixo na cozinha adivinhava o tamanho da faca com a qual eu assassinaria os 3 e depois enrolaria seus corpos nas colchas da velhinha antes que ela me oferecesse aquela coca quente e sem gás que me traria sem perguntar se eu tinha sede.
Nada disso aconteceu, pois como falei, o pânico fez com que me jogasse no asfalto. Meu amigo ficou surpreso por eu não ter aceitado o sinistro favor, e me viu cruzando a via, alvoroçado, por entre os carros, carregando com esforço o amplí, acenando pra ele, deveras aliviado que fiquei por ter tido a ágil decisão de me livrar da perigosíssima carona.
Eu sei muito bem como este tipo de coisa termina. A gente chega em casa 3 dias depois, todo escalavrado. O que parece um milagre se transforma numa tragédia. Desconfie sempre de caronas milagrosas.
Com a alegria de quem foge de uma prisão de alta segurança, entrei no táxi e nem me importei com os 50 pilas que iria gastar na corrida. Toca pro Catete que a vida é boa!
Larga distância, engarrafamento. Fui conversando com o motorista que se demonstrou esperto e articulado.
Quando já estava perto de casa o papo enveredou para a corrupção. Antes de eu pagar a corrida ele me confessou.
- Vou contar pra você. Eu sou formado em direito. Trabalhava com isto, mas pode acreditar que pra fazer qualquer processo caminhar é preciso molhar a mão de alguém.
E continuou;
- Enchi o saco de viver num mundo que só vai pra frente com propina. Larguei a advocacia de vez e vim dirigir táxi. To bem melhor agora.
Hoje lembrei deste dia. Certamente, pelo fato da palavra “propina” ser a palavra da hora. Puxaram uma pedra e parece que o castelo vai ruir por inteiro. O castelo da propina. Seremos o país da propina? Será que ela está entranhada em absolutamente todas as camadas da sociedade brasileira?
Dia destes vi Leandro Karnal na TV dizendo que não tem jeito mesmo, pois por aqui, é normal a mãe oferecer um sorvete para que o filho se comporte bem, assim como parece muito natural o pai prometer o carro em troca de boas notas.
Por estas terras, acho que desde crianças já somos formatados corruptinhos.
FC – março – 2015 – Poá
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