domingo, 12 de abril de 2015

O ÚLTIMO DESEJO DE VILSON

Vilson estava estirado na cama com o olhar fixo no teto. Já tinha experiência de dois infartos e aquele caminhão parado em cima do seu peito não deixava dúvidas sobre o que estava acontecendo com ele naquele momento.

Lembrou que o celular estava descarregado em algum canto da casa e também de que os vizinhos estavam viajando no feriadão.

Concluiu com isto que suas chances eram diminutas e quando as cenas de sua infância começaram a girar à sua frente sentiu que o fim estava muito próximo e resolveu deixar-se levar.

Fechou então os olhos para apreciar melhor as imagens das partidas de futebol e as corridas de carrinhos de rolimã que iam passando. Pensou que logo em seguida viriam as lembranças de quando entrava no quarto de Sônia, uma empregadinha que tinha vindo de Marau, gordinha e prestativa. Ah... o cheiro do quarto de Sônia. Isto sim, quase lhe fazia esquecer esta dor no peito.

Mas eis que um poderoso facho de luz riscou as pálpebras de Vilson e quando abriu os olhos viu que o apartamento havia sido invadido. Um velhinho, sentado na cama com um sorriso na boca olhava calmamente para ele. Vilson, com o resto de voz que ainda tinha, perguntou.

- Quem é você?

- Não me reconheces porque nunca acreditaste em mim, filho.

- Deus?

- Sim, Vilson. Eu mesmo. Vim te buscar pois é chegada a tua hora.

- Mas assim? O Senhor em pessoa? Ou em espírito, sei lá? Porque não algum emissário? Que importância tão grande tenho eu?

- Resolvi vir por tu seres tão honrado. Foste bom filho, és bom pai, ... Já faz tempo que te observo, Vilson. És digno.

- Mas tem de ser agora? Logo agora que vou lançar meu livro de Gramática Avançada?

- Por isto também, filho. Por seres um professor talentoso e esforçado. Por teres trabalhado honestamente a vida toda em troca de merreca.

Vilson por um momento, pensou que aquilo podia ser um sonho. A voz era convincente, mas um Deus falando gíria? Então reparou melhor naquela figura que tinha a barba por fazer e estava usando uma camisa Polo. Fazia mais o estilo de um jogador de dominó.


- Li teus pensamentos, Vilson. Eu também me modernizo. Avanço com a humanidade. Além do mais, sou em quem cria estas gírias e as introduz no inconsciente coletivo. E moda, cada um escolhe a sua. Não seja careta, filho.

Vilson se contorcia enquanto pensava em algo pra ganhar tempo.

- Mas Senhor...tem de ser agora? Já, já?

- Demorô, Vilson.

- Sem direito a nada? Quem sabe um último pedido?

Deus coçou a barba rala e com um olhar astuto perguntou.

- Que pedido seria este, filho?

- Me envergonha tamanha luxúria Senhor, mas gostaria de ter a chance de fornicar com uma mulher perfeita, a mais gostosa de todo o planeta e de todas as épocas.

Deus, depois de estrepitosa gargalhada, falou.

- Queres dizer então que o que tiveste na vida não foi o bastante?

- Não mesmo, Senhor. Respondeu Vilson, arquejando.

- E a Paulinha em 92?

- Era linda, Deus, mas aquelas canelas finas me davam desgosto.

- E aquela prima do seu amigo Norton?

- Rosto de princesa, Senhor. Mas tinha celulite até na sola do pé.

- É Vilson. Talvez tu tenhas razão. Também tive pena de ti nesta ocasião. Isto é um pouco irregular, mas acho que posso te quebrar essa, já que sou eu quem manda mesmo.

Quando Deus terminou a frase, a dor no peito desapareceu milagrosamente e Vilson repentinamente se sentiu como quando tinha quinze anos.

- Vai até a sala, filho.

Vilson levantou agilmente da cama e perguntou vacilante.

- Pra que Senhor?

- Vai.

Então Vilson tomou a direção da porta enquanto ainda ouvia a voz resoluta de Deus que se acomodava melhor na cama e com o controle remoto na mão sentenciava, sem tirar os olhos da TV.

- Filho! Tens 30 minutos.

Quando Vilson entrou na sala quase teve um outro infarto em cima do que já estava tendo. Deitada no sofá estava alguém que se fosse chamada de deusa seria uma ofensa. Vilson se aproximou. A mulher estava nua. Cabelos cacheados e longos, um sorriso com dentes perfeitos, os peitos eram turbinas celestiais, as coxas daquelas de quem joga vôlei na areia desde o dia em que nasceu, com pelos loirinhos espalhados com divina perfeição e os pés, ah os pés, Vilson pensou que poderia dedicar uma semana inteirinha só praqueles pés. Sem saber ao certo como começar, falou com voz trêmula:

- Como você é linda menina. O que vai fazer por mim nestes meus últimos momentos?

Ela responde dengosa.

- O que eu vou fazer, Vilson? Vou fazer tudo. Tudinho que você quiseres.

- Como?

- Tudinho que você pedires.

- Péra, péra péra aí. A regência tá errada. Esta terceira pessoa não é assim.

Ela então começa a fazer rosquinhas com o dedo indicador na perna de Vilson e pergunta.

- Que foi,Vilsinho? Algum “poblema”?

- Eita, menina. Isso não vai dar certo. Espera aí um pouco.

Vilson foi até o quarto ter com o Senhor mas ali já não havia mais ninguém. Nem rastro Dele. Voltou aflito.

- Menina! Cadê Deus?

-Ué. Deve ter ido buscar algum outro homi que tá desencarnando.

- Mas e a onipresença?

- Oni o que?

- Nada, nada. Acho que vou tomar uma vodka tripla.

- Bobagem, amor.Não precisa bebida. Chega eu pra que tu teje satisfeito.

- Teje...? Nem com morfina eu aguento “teje”. Sabe o que, menina? Vou te dar um chinelo e um lençol, então você zarpa e eu vou ficar por aqui tendo o resto do meu infarto, certinho?

Pegou a deusa pelo braço, abriu a porta e sem dar a mínima pras queixas dela, ainda disse.

- Vai pela escada. Se você não se dissipar até o térreo pode dar minha meia hora pro zelador e que ele “seje” feliz!

Ela, na ansiedade da saída, deixou cair o lençol e Vilson ainda pode ver aquela bunda do outro mundo, o que quase o fez mudar de ideia, mas fechou a porta com firmeza e respirou fundo pro cérebro funcionar um pouco melhor. Uau, que domingo, pensou. Mas não ia dar. Ser PHD em língua portuguesa acaba sempre dando este defeito.

Então olhou o relógio e viu que ainda tinha 25 minutos. Pegou o telefone e ligou pra emergência.

– Instituto de cardiologia a seu dispor.

- Alô! Eu queria pedir uma ambulância.

- Qual os sintomas?

- Querida, não é qual. É quais. Mas deixa prá lá. É infarto agudo de miocárdio.

- Mas como o senhor sabe? É pro senhor?

- Não. É pro meu primo Gilcinei. Olha só. Tem de vir rápido. Ele já está com uma tonalidade azulada.

- Ok, senhor. Já temos o endereço e estaremos chegando em 15 minutos.

Vilson bateu o telefone pra não encher a telefonista de palavrões porque este gerúndio aplicado desta forma sempre o deixava irritado,e seguido a isto foi até o banheiro, abriu uma cartela de Isordil e colocou um comprimido debaixo da língua.

Voltou ao quarto, se esparramou na cama e desligou a TV que estava no canal que Deus havia escolhido, no qual estava passando um programa sobre as formidáveis cataratas do Niágara. Que ego que Ele tem, pensou. Já não chega ter criado tudo e ainda quer ver os vídeos?

E o mais engraçado, ficou a pensar, é que Ele tem a maior cara de brasileiro. A camisa Polo tava até meio desbotada. Se for brasileiro mesmo, só volta no ano que vem , e se for baiano então, haha...esquece.

Vilson se sentia bem como nunca e agora era só esperar a Samu chegar. Certamente seria levado para fazer um cateterzinho básico e de tarde já estaria de volta para ver o jogo na TV, com certeza.

Mas que português horroroso o desta menina! Que lástima. Mas também, que coxas. Ah... e aquele olhar? Aquela cinturinha com aquele umbiguinho perfeito? E as panturrilhas? E aquele perfume de amêndoas que ficou no ar? E aquelas mãos com unhas tão bem feitas? Ai, ai, ai. Será que dá tempo? Bem, quando ouvir a sirene eu paro.



Fernando Corona







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