Este homem era odiado pela grande maioria da população das aldeias, no entanto ainda era celebrado por um menor contingente de birutas que teria sido possuído por potente e inacreditável feitiço e, com o passar do tempo, tal súcia logrou transformar o fabuloso paraíso de Braziléia num acinzentado amontoado de mentiras, injustiças e demência.
Riaj, mais do que tudo, matou.
Riaj matou cinco e sentiu prazer.
Matou então cinquenta.
Não contente com isso, matou quinhentos e celebrou o feito com seus filhos que ululavam e ovulavam de regozijo. Tal prazer não bastou e então Riaj matou cinco mil e logo matou cinquenta mil e não tardou a eliminar quinhentas mil almas que se foram desta vida sem ter chance nem clemência.
Este homem era possuidor de insaciável ganância e, através de seus quatro filhos, pretendia disseminar suas infâmias e perversões pelos quatro cantos da terra que acreditava ser plana como uma bolacha Maria e quadrada como uma Cream Cracker.
O nome deste homem?
Riaj.
Certa noite, num agudo sobressalto, Riaj despertou com a sensação de que não estava só em sua habitação. Pôde vislumbrar através da penumbra que realmente havia alguém que o acompanhava.
- Quem está aí e por que aí estás?
Riaj acompanhou o movimento do vulto que aproximou-se um tanto, revelando que se tratava de uma bela mulher que emanava serenidade e exibia um sorriso generoso.
Riaj então odiou, pois odiava toda e qualquer mulher, odiou o sorriso, pois Riaj jamais aprendera a sorrir mas, acima de tudo, odiou a tonalidade trigueira da pele daquela intrusa.
- Afasta-te daqui, ou será aqui mesmo que te darei morte.
A mulher aproximou-se mais e inclinou-se para que Riaj pudesse ver os detalhes de seu rosto.
- Não podes me matar, Riaj
- E por que não, vil assombração?
- E por que não, vil assombração?
Riaj fez menção de sacar a adaga da bolsa do catre, mas a frase seguinte lhe fez paralisar.
- Não podes me matar porque já me mataste uma vez, Riaj.
- Dizei então como te chamas, fantasma das trevas.
- Sou Arielle. Não te recordas?
- Dizei então como te chamas, fantasma das trevas.
- Sou Arielle. Não te recordas?
O olhar de Riaj perdeu-se no vazio em busca do que este nome podia lhe recordar e este lapso durou alguns segundos até que o pérfido homem saiu do transe e sua resposta veio acompanhada de um inocente soluço que lhe fez engasgar levemente.
- Lembraste, não é Riaj? Posso ver que lembraste claramente de mim. Vim aqui especialmente para te deixar este pequeno presente.
- Que presente, nefasto ser?
- Que presente, nefasto ser?
Esta indagação de Riaj foi colocada entre uma impertinente moldura de dois soluços.
- Os soluços, Riaj. Os soluços.
Riaj gargalhou frente a tamanha afronta e bradou insandecido.
- E que dano pensas que me faria um simples acesso de soluços, óh alma penada? Não vês que sou Riaj, o poderoso!?
Seguido a isso, Riaj, num rápido movimento, empunhou a afiada adaga e golpeou com fúria, mas Arielle, num gracioso gesto, agilmente esfumaçou-se e desapareceu nas filigranas da noite, deixando no ar um suave odor de amêndoas e mel que Riaj também odiou, pois Riaj odiava toda e qualquer boa fragrância. O cheiro da chuva, da maresia, o cheiro do sexo, Riaj sabia, como ninguém, odiar.
A partir daquele momento, Riaj nunca mais deixou de soluçar. Os espaços entre os soluços foram diminuindo e a intensidade aumentando. A partir do quinto dia, as frases de Riaj já não se completavam. No décimo, o malvado homem não mais podia alimentar-se. Foi na trigésima noite que Riaj já não conseguia adormecer e foi na jornada de número cinquenta que Riaj, em seu leito de morte, diante de seus ignóbeis descendentes, emitiu seu último soluço em vida, quando a derradeira e brutal contração rompeu pele, músculos, nervos e órgãos e as vísceras foram lançadas com violência em direção a janelas, paredes e tetos, e aromas fétidos espalharam-se pelo povoado que clamou que o cadáver fosse enterrado imediatamente, cadáver este que continuava soluçando, mesmo depois de ter sido colocado dentro do caixão, que os agora solitários filhos da besta, cada qual com a mão em sua respectiva alça, iam carregando com extrema dificuldade, pois os espasmos tornavam-se cada vez mais violentas e pelas frestas do ataúde via-se com assobro escorrer a putrefata lava que vertia das entranhas do corpo que pertencera a Riaj e, neste instante, nuvens negras repentinamente tomaram os céus. um vento ventou com fúria e os soluços do vil defunto se tornaram gritos que ecoavam pelas montanhas como tambores japoneses e no momento em que o caixão seria, entre tropeções, por fim depositado sobre a cova, a terra se abriu, tragando em direção às suas profundezas primeiramente o sepulcro e logo em seguida a prole toda, que manteve intacto o costumeiro olhar apatetado até desaparecer por completa da vista dos abutres que assistiam a cena com vivo interesse e não esconderam sua decepção com desfecho tão inapropriado.
Neste exato instante, por toda Braziléia, o silêncio se fez.
As nuvens se foram.
O vento desventou.
O sol veraneou.
Logo gramíneas surgiram aqui e ali por sobre a cova em direção a todos vilarejos.
Quem por ali passasse, poderia assistir a duas pequenas margaridas que haviam nascido lado a lado e entrelaçavam-se com alegria. A cena era assim como um beijo daqueles beijos bem abraçados de quem celebra o fim de uma sangrenta guerra. Acho que vi tal imagem numa foto em branco e preto de uma revista velha e não tenho certeza de que fosse Paris. Talvez Nova York, não sei ao certo. O homem era marinheiro. A moça era bela e beijava sorrindo o sorriso de Arielle.
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