sábado, 4 de setembro de 2021

Paulo Mário, o dentista

Paulo Mário é um dentista que possui consultório em bairro bom.

Paulo é também protético talentoso e por isto possui uma clientela numerosa e fiel. Além de toda competência, Paulo Mário é dono de uma paixão desenfreada pela política e, via de regra, no calor destas horas brasileiras, bate uma bola animada com seus pacientes.
Dona Lourdes foi a primeira cliente a chegar ao consultório naquela manhã de terça. Enquanto o doutor preparava o equipamento, já foi soltando.

- E estas pesquisas que tão dando vitória do Lula em 22? Hein , Paulo? Estas pesquisas compradas. Já não chega o Lularápio estar solto e ainda vai concorrer!!! Não é o fim?
- É o fim sim, Dona Lourdes. Lula acabou com o país. Tinham de prender de novo e jogar a chave fora.
- E a Globo apoiando, como sempre.
- Plim plim. Comunismo se vê por aqui.
- Que ódio.
- Agora. Deixa eu lhe contar.
- Hum.
- A senhora tem conhecimento de que o Lula sabe muito bem esconder seus ganhos. Não é?
- Certamente.
- Pois fiquei sabendo que o danado também comprou muito ouro e até colocou nos dentes.
- Nos dentes??
- Nos dentes.
- Mas não vejo nenhum dente de ouro na boca daquele ladrão.
- Ouro interno.
- Ouro interno?
- Sim. Mais porcelana chinesa.
- Na cobertura?
- Exato. E por cima de tudo, uma fina camada de esmalte de titânio, que é dez vezes mais caro que o ouro. Coisa que veio da Nasa.
- Certamente presente do Biden.
- Claro. Chefes de estado comunistas se dão agrados.
- Que nojo.
- Sabe quanto cada peça?
- Diga.
- Vinte mil.
- Cada dente??
- Cada dente. Os caninos mais um pouco. Uns vinte e cinco.
- Tinham que prender e arrancar tudo sem anestesia.
- Eu faria esse trabalho com o maior gosto, Dona Lourdes. Mas vamos a este nosso trabalho aqui.

Dona Lourdes abriu o bocão e Paulo Mário começou a limpeza que era tártaro de montão, tinha tártaro na língua e até na amígdala e o doutor foi metendo o instrumento com gosto nas cavidades e reentrâncias e a velha trançava as pernas pra lá e pra cá que o troço tava sofrido demais, ares e jatos de água geladinha naqueles pontos exatamente críticos que o Doutor conhecia tão bem, excelente profissional que era.

O paciente seguinte, professor Raimundo, com ar cansado, acomodou-se na cadeira, e desabafou.

- Paulo Mário, olha só. Não dá mais pra suportar este Bozolóide aprontando uma por dia e fica todo mundo só na moçãozinha de repúdio. Algo tem de ser feito. É urgente.
- Calma, meu bom professor. Lula tá vindo aí. Vai dar Lula no primeiro turno, vais ver só.
- Será, Doutor?
- Vai, sim. Daí vão pegar o Bozo, vão meter na cadeia por todos os crimes cometidos e vão jogar a chave fora pra nunca mais. Lá dentro o cara vai se ver com uma ala da milícia que ele surrupiou e vai ter vingança pesada. Vão torturar ele com o método Ustra. Vão enfiar ratazanas de porte médio no rabo do cara, vão extirpar as unhas devagarinho...

O doutor foi vaticinando enquanto examinava a dentadura do professor que ficou deveras impressionado com o "porte médio" que teriam os ratos e aquela espuma no canto da boca do protético que seguia inventando tenebrosos castigos também lhe causou um certo desassossego, ser examinado assim por alguém possuído por tamanha fúria talvez não fosse muito bom, mas os tempos caminham desta forma, a política anda comendo as entranhas dos viventes, nada mais se pode fazer, estamos navegando ao sabor da violenta correnteza que vai nos dando caldos homéricos dia sim e no outro também.

Depois que o professor se foi, entrou esbaforida na sala, Lidinha. 

Lidinha, toda bem feitinha, empresária de joias e bijus, muito fitness, tinha recém vindo da academia. Ficou em silêncio todo o tempo. Doutor Paulo teve de cutucar um pouco a fera, enquanto fazia efeito a anestesia.

- E essa polarização que vai aumentando a cada dia? Não tá uma loucura?
- Tá sim, Paulo. Não suporto mais isso. Vamos ter de encontrar logo de uma vez esta terceira via porque Lula e Bozo não dá pra querer, né?
- Estes dois tinham de atirar no fundo da mesma cadeia e jogar a chave fora. Que ficassem lá dentro mordendo o pescoço um do outro até o fim dos tempos.
- Acho que o Moro seria um bom nome, você num aicha?
- Moro é excelente nome. Mandetta...
- Isso. Goixto do Mandetta também. Inteligeinte.
- Huck.
- Huck? Pode ser sim. Também goixto. E de vice? Quem seria?
- Ivete.
- A Sangalo?
- Com certeza. Empresária fantástica. É disso que precisamos. Gestão!
- Hum. Num sei não.
- Datena, Romário. Aquela do magazine Luiza. Qualquer dupla com estes nomes poderia compor muito bem.

O restante da consulta seguiu neste plano de encontrar a chapa mais perfeita e até o nome de Juliette e Anitta foram aventados.

O paciente seguinte era um tratamento de canal. Era cliente novo. Primeira consulta. Se chamava Valdemar e vinha com um abcesso no molar do tamanho de um navio. Depois de meio litro de anestésico e infindáveis brocagens o troço veio a furo e uma maresia fétida se espalhou pelo consultório. Depois das cusparadas, Paulo perguntou.

- Tá tudo bem?
- Tudo bem sim. Pelo menos a dor aliviou.
- Que bom.
- Mas me diga uma coisa, Doutor.
- Digo.
- E as políticas?
- As políticas estão fervendo.
- E Bolsonaro?

Paulo Mário ficou olhando praquele alemão sem saber o que dizer. Pra ganhar tempo, mandou.

- Bolsonaro é o Bolsonaro.
- É sim. Mas me diga sinceramente.
- Digo.
- O que o senhor acha dele?
- Do Bolsonaro?
- Isso.
- Como assim? Você tá falando do presidente?
- Claro, Doutor! De quem mais seria? O presidente, sim!
Possuído por irresistível furor, resolveu arriscar.
- Canalha.
- Como assim, canalha? Jair Messias Bolsonaro veio varrer toda a corrupção deixada pelo PT, doutor!!!
- Calma! Você não entendeu direito. Canalha é quem fala mal desse homem. Bolsonaro é nosso mito, pô!!!
- Puxa vida!!! Por um momento pensei que você fosse um esquerdopata, Doutor. O PT acabou com o País. E ainda querem eleger de novo aquele ladrão do Lula.
- A Polícia tinha de meter a mão nele de novo, Valdemar.
- É sim, Doutor. Enfiar ele numa cadeia e jogar a chave fora.
- Bueno. agora ao trabalho. Bocão.

Paulo Mário foi experimentando os canais com as agulhas e pensando que não havia reparado nos detalhes, a camisa polo, o pochetão, tava na cara que o cara era minion, mas deu pra contornar. Essa tinha sido por muito pouco, mas agora era questão de limpar os canais, escarafunchar bem com a agulha mais grossa, quem sabe cutucar um pouquinho o cerebelo, não é? quem sabe o cerebelo não se enrosca todo na agulha e a limpeza não fica absolutamente perfeita pra depois quem sabe acimentar tudo até o topo, tudinho, até esterilizar por completo este inesgotável criadouro de infâmias, isto sim seria o must, não é não?

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