domingo, 15 de dezembro de 2019

DO AVIÃO

Dia destes fui tocar no Pará. Bem longinho.

Por isso, cheguei ao aeroporto com nadinha de atraso.

Na sala de espera já entrei na cola das prioridades.

Fiquei na fila dos véio fazendo cara de véio. 

Eu sei muito bem fazer cara de véio, louco de medo que tava de que os caras descobrissem que só tenho quinze anos e me tirassem da fila a pontapés como sempre costumam fazer. O setor da aviação não tem a mínima paciência com ordinários que fingem ter tantos anos a mais só pra lograr facilidades.

Seriam três trechos até Altamira e fiquei surpreso com as formidáveis refeiçoes.

Na primeira perna, o cardápio era composto de

ENTRADA - Amendoins cobertos com uma fina camada de tungstênio modificado.
SEGUNDO PRATO - Doritos frescos.
PRATO PRINCIPAL - Roscas de polvilho ao ar
SOBREMESA - Delicadas balas de goma

Estranhei a falta da cobertura de açucar em tais balas, mas é compreensível nestes tempos bicudos. Também pensei que as balas tinham formato de peixinhos, mas colocando os óculos, descobri que se tratavam de aviôezinhos. Não é genial?

Para beber: Refris variados e Tang.

No segundo trecho o menu era quase o mesmo. Senti falta dos doritos, mas estes foram muito bem substituídos por crocantes torresminhos.

Na terceira perna a este fantástico ágape foi adicionada nada mais nada menos do que a gloriosa goiabinha. Voo de verdade não é voo se não tiver goiabinha.

Aliás, aqui vai uma sugestão. Coloque uma goiabinha na boca e junto a ela abocanhe quatro ou cinco balinhas destas que lhe falo. Somado a isso meta um golão de Tang. Uhuuuu...o sabor é algo estratosférico.

No que toca aos voos, propriamente ditos, nas decolagens, fui orando com fervor. Lá em cima, bem acima das nuvens, acabo recuperando um pouco do meu ateísmo fundamentalista, porém nas aterrissagens, volto sempre a ser um cristãozinho bunda mols cheio de salamaleques com os crendeuspadres.

Por fim, gostaria de colocar luz onde há escuridão revelando que;

Todo mundo pensa que o jacaré não entra no céu por causa da boca grande.

Este é  um ledo engano.

O jacaré não entra no céu devido ao braço curto que lhe impede de fazer o sinal da cruz.

É o que tem.

XIXI

Hoje entrei num banheiro público e fui fazer xixi no mictório, mas tinha ali uma baita mosca e resolvi mudar pro do lado. Quando vi, tinha uma mosca igualzinha.

Então minha brilhante cachola chegou à conclusão de que os fabricantes chamaram engenheiros para calcular o exato ponto onde o jato do xixi bate e respinga o menos possível.

É isso aí óh. Tem de acertar na mosca. Caprichei. A mosca desenhada na louça é uma varejeira grandinha bem nojenta que parece até ter três dimensões.

Lembrei de que certa feita fui na casa de um colega alemão e quando pedi pra usar o banheiro ele sugeriu que eu fizesse sentado pra não respingar.

Achei aquilo estranho mas depois pensei que com a quantidade de cerveja que a alemoada toma, até o teto do banheiro acaba batizado. Faz sentido.

É engraçado fazer xixi sentado.

Nao sei onde li que faz mal ao homem fazer xixi sentado, assim como faz mal à mulher fazer xixi de pé. Deve ser lenda.

Lembrei também que tinha uns quinze anos e um colega de música foi ensaiar em minha casa. Na hora da saída me comentou que estava apertado. Quando lhe ofereci o banheiro respondeu.

- Não, deixa pra lá. Acho o maior barato fazer xixi na rua.

Por esta mesma época, um colega de colégio, também em minha casa, foi ao banheiro. Logo depois também fui e encontrei a tábua da privada completamente mijada. Fiquei muito surpreso e indignado com aquilo. A partir daquele dia ficou uma mancha de desconfiança em nossa relação.

Outros dois amigos meus pegaram um táxi e um deles deixou cair uma brasa de cigarro no banco de trás e a brasa ultrapassou o couro e desapareceu no estofado. O motorista furioso e desesperado parou o carro e vendo a fumaça crescer, começou a gritar. O culpado pelo grave acidente, temeroso de levar uns tapas, achou a solução urgente.

- Vô mijá nesse troço!

O motora não pestanejou.

- Mija logo, pô!!!

Deu bem certinho. Incêndio cancelado.

É o que tem,
é o que tem,
é o que tem,
é o que tem,
é o que tem meu bem.

DIÁLOGO CRUSH

-oi
-oi
-tudo?
-tudo.
-gostei de suas fotos. bem bonitas.
-eu também das suas. bem simpático vc.
-legal. escuta.
-que?
-perguntinha importante. posso?
-manda.
-vc é bolsominion?
-não.
-me alegro.
-mas também não sou PT
-hum.
-não falo de política. não gosto.
-hum.
-hum o que?
-o que o que?
-vc tava todo animado e de repente parou de falar
-sabe o que que é?
-diga
-acho que isso não vai dar certo.
-o que que não vai dar certo?
-se vc não gosta de política, iríamos falar sobre o que?
-puxa vida! no mundo tem tanta coisa boa pra se falar. a lua, o mar, falar sobre música!
-acontece que não sei mais falar sobre estas coisas
-não?
-não. tudo, de uma forma ou de outra, tem de estar ligado à política.
-até o sexo?
-bom. daí a gente pode fazer uma pausa.
-e depois do sexo vc engata falando de política?
-geralmente sim. enquanto os hormônios se reorganizam, a mente fica mais clara e é aí que eu tenho as melhores ideias sobre política
-bah. parece muito chato
-chato é não ter nenhum questionamento político
-ih. vc tá ficando agressivo
-desculpe. é que meus últimos relacionamentos não deram muito certo.
-traumatizô?
-foi. até confesso que andei saindo com uma coxinha, mas no momento em que ela disse que o Bolsonaro era comunista demais pro gosto dela, tive de desaparecer
-caramba.
-depois namorei uma outra que era de esquerda.
-e esta?
-também deu defeito. achava que o Fidel era muito coxinha.
-que que é Fidel?
-deixa pra lá
-bom...pena. gostei de suas fotos mesmo. muito simpático vc.
-e eu das suas. vc é bem linda. escuta.
-outra perguntinha?
-isso. me diz uma coisa. vc gosta de ler?
-até que gosto
-posso te emprestar um livro? se chama o capital
-tipo romance?
-hum. pode se dizer que é algo por aí. tipo romance
-tipo paulo coelho?
-bem parecido. então podemos marcar um café e coisa e tal. o que te parece?
-vamos. daí vc me leva o livro?
-isso; olha só. gostei muito de suas fotos. vc é bem linda.
-e eu das suas. vc é um tipão.
-então tá .
-bjs
-bjks

domingo, 17 de novembro de 2019

DIETAS

Detesto os veganos. Intragáveis. Assim como os vegetarianos. Hipócritas que não ficam atrás.

Pior que estes, só os carnívoros. Aos carnívoros não dirijo a palavra.

Gosto mesmo é dos ovíparos,

dos soníferos,

dos soporíferos,

Dia destes saí com uma conífera
de bela copa.
Que conquistei com papo mortífero
e de pouco enfeite.
E acabou que comífela,
com bastante azeite.
Bem embaixo de um semáforo
ali da Goethe.

Bah.

Por falar nisso:

É do Lupicínio uma canção chamada NAVIO NO PORTO que tem uma estrofe pra lá de esquisita que vai assim.

"Nunca se deve trocar
o amor velho pelo novo
galinha que come ovo
tá pedindo pra morrer
a mesma coisa acontece
na vida de uma pessoa
quem troca de amor à toa
tá pedindo pra sofrer."

Certa feita, num sarau de Antonio Villeroy no Rio de Janeiro, cantamos este samba pro Caetano, que ficou duplamente surpreso. Surpreso por não conhecer a canção - Caetano é uma enciclopédia da MPB - e surpreso também pela poética maluca do Lupi.

Daí fui dar uma pesquisada no troço e fiquei sabendo que tem galinha que descobre que ovo é bom de comer e daí só matando.

Por falar em ovo, hoje li por aí, num post político, o seguinte ditado.

GALINHA QUE SEGUE PATO, ACABA MORRENDO AFOGADA.

Uma colega do face disse que riu, mas não entendeu. Eu tampouco. A vida tem andado assim, em completo desalinho.

Então estes tempos resolvi inventar um ditado.

LAGARTIXA QUE SE PREZA NÃO COME CABEÇA DE BARATA.

Não faz sentido nenhum, mas pode impressionar bem numa discussão acalorada.

Ditado que acho impressionante?

QUEM COM FERRO FERE, CONFETE PEDACINHO DE SAUDADE.

é o que tem.
é o que tem
é o que tem
é o que tem
é o que tem meu bem.

Bah. Me alcança meus remédio.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

NO AÇOUGUE

Caraca.

Minha mãe tem trauma antigo com açougueiro. Então, quando é pra comprar alcatra, sou eu quem vai.

E ela tem plena certeza de que os açougueiros me respeitam e me dão pedaços fantasticamente bem cortados e limpos.


O que tenho de fazer é simples.  Devo pedir dois quilos de alcatra do meio bem limpo. Só isto e nada mais do que isto. Se o atendente quiser qualquer explicação a mais, volto a repetir a mesma frase, lenta e pausadamente..

ME DÁ, POR FAVOR, DOIS QUILOS DE ALCATRA DO MEIO BEM LIMPO

Dia destes cheguei no balcão de carnes do Zaffari e,como sempre, pedi dois quilos de alcatra do meio bem limpo pra um atendente que eu nunca tinha visto antes.

O cara, que pareceu não ter muita intimidade com o ofício, me mostrou um pedaço de carne e falou algo confuso. Eu pedi que limpasse bem.

Enquanto o cara limpava, passou a entabular uma conversa com uma colega e o assunto era sobre um outro sujeito, que devia ser um colega, um desafeto, que merecia levar uma facada, que da próxima vez ele ia pegar aquela faca e ia cravar no cara e eu olhando o celular, notava que o cara falava com a mulher, mas dirigia o olhar a mim, pra buscar minha cumplicidade. Estas coisas chatas de machão.

Eu não levantei os olhos do aparelho. Não dou nenhum tipo de aval a este tipo de conduta mala.

O cara limpou a carne, e na pesagem, o resultado foi de 2 kg e 95g e o cara se vangloriou da exatidão do corte. Então eu disse a ele que para o bem da verdade, aquilo estava longe de ser exato, mas não tinha problema, eu levaria assim mesmo.

O rapaz então começou com uma ronha de que eu poderia pedir um desconto no caixa e lançou mais alguns disparates que não fiz questão de tentar entender, mas pude notar que ele estava realmente bastante alterado. Era um tipo forte, olhar burro, perfeito estilo bolsominion. Tive vontade de perguntar se ele iria me enfiar aquela faca, mas preferi sorrir, agradecer e sair o mais rápido possível daquela onda ruim.

Agorinha mesmo estava dirigindo e ouvi no rádio a notícia de que um empregado do Zaffari matou outro a facadas. O motivo: Depressão.

Bah.

Ah Tá

No momento em que atendi ao telefone, notei que havia irritação em sua voz.

- E aí, Corona? Tu vai vim?

Respondi com outra pergunta.

- Vim com M ou com N no final, Ciça??!!
(O nome é falset por razões óbvias.)

Daí então ela se encheu de razão, e pra jogar luz sobre minha gigantesca ignorância, mandou a frase com voz estridente e esticada, repleta de sarcasmo e ironia:

- Com M, néééééé Corona?!

Então usei minha resposta preferida de forma rápida e quase inaudível.

- Ah, tá.

Houve uma pausa e ela voltou à carga, ainda caprichando nos agudos.

- Vai vim, então?

Repliquei sem pestanejar.

- Vou im sim.
- Ah tá.

Ela também gostava dessa resposta.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

DESENCONTRO POLAR

Faz um bom tempo que ela e eu começamos a trocar uma ideia aqui pelo Facebook e fui olhar suas fotos e a moça parecia bem bonita e como era gentil, acabamos marcando uma cerveja numa sexta feira.

Em seu perfil não havia qualquer postagem política, mas como era médica e morava num bairro nobre, desconfiei um pouco que fosse coxinha.

Naquele tempo ainda se usava esta expressão, pois o coxinha ainda não havia saído totalmente do armário pra se transformar no ignóbil minion. Coxinha é um termo que foi engolido por este transcorrer histórico supersônico que estamos experimentando.

Mas fui buscar a moça em casa e ela estava me esperando com uma generosa mini saia mostrando lindas pernas e decote admirável.

Fomos de pizza e cerveja, relaxamos um pouco e a conversa ia bem, o papo tava fluindo, quando, num determinado momento, ela engatou por um caminho que me pareceu um tanto esquisito pois começou a falar a respeito de uns desocupados sei lá de onde e seguiu solando e, de repente, pra término da explanação, desaguou na seguinte pergunta.

- ...mas tu não achas, Fernando, que mesmo que a pessoa venha de uma camada bem pobre, ela não chega lá?, não achas que basta se esforçar um pouquinho?

Caraca.

Eu fiquei olhando pra ela, sem saber o que dizer. Eu não poderia responder àquela pergunta sem causar um conflito, pois quando o assunto cai em meritocracia, geralmente espumo uma baba verde e viscosa.

Fiquei lembrando rapidamente que de vez em quando alguém vem me citar o exemplo de alguma pessoa que veio do nada e com muito esforço tornou-se bem sucedida. É um exemplo num universo de milhares, mas isto já basta pra esta gente tratar a rara exceção como se fosse regra e, com ares vencedores, vociferá-la aos quatro ventos.

Não é raro você descobrir que esta pessoa que lutou tanto pra se dar bem, acabou se tornando uma pessoa desprovida de qualquer empatia por seus parecidos de origem, pois durante esta imensa peleia, não houve tempo nem chance pra educar um pouco a alma e a alma, assim, não funciona direito. Resultou danificada.

Mas, voltando a esse impasse da mesa do bar, dei uma enrolada e saí por alguma tangente, mas pude entender que com aquela questão, a moça estava curiosa para saber se nós dois participávamos da mesma equipe e notei que minha reação vacilante que acarretou um pequeno, porém constrangedor silêncio foi percebida por ela que não conseguiu disfarçar uma pontinha de decepção.

Apesar disso, o resto do jantar transcorreu de forma agradável e até rachamos a conta. Achei o fato interessante, pois já havia saído com umas minas de esquerda que não se coçaram nadinha na hora da nota e como sou casquinha, me senti bastante irritado nas  ocasiões.

No momento da despedida, apesar de sabermos que não haveria um segundo encontro, fomos cordiais.

Ela desceu sorridente do carro e acompanhei com o olhar seu trajeto até dentro do edifício. Um par de coxas de tirar o sono. Mas não dava, né?

Agora lembrei de uma charge maravilhosa que andou passando pelo Face e esqueci de salvar. Um cara tá fazendo sexo oral numa mina e ela de repente levanta a cabeça e pergunta:

- Em quem você votou mesmo?

Se alguém tiver, me mande.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A PILHA

Há uma pilha de roupas em meu quarto.

Uma pequena montanha que quase não se equilibra. Se jogar uma meia em cima, implode.

Logo urge arrumar.

Embora pareça, não é uma tarefa fácil e explico.
Seria tranquilizador que houvesse absoluta certeza de que tudo ali estivesse imundo e assim três levas de máquina mais meio OMO solucionariam o problema.

Só que não.

É preciso deixar-me levar pela responsabilidade e estudar caso a caso com todo o cuidado.

Iniciando a função, escolho aleatoriamente alguma  camiseta na pilha e se esta se revelar realmente fétida, meu coração se enche de alegria e, inundado por este novo entusiasmo, jogo a danada ao chão imaginando que logo ela terá companhia.

Possuído por tal otimismo, sigo com a tarefa. Então experimento cheirar outra camiseta e a apreciação da devida nhaca se mostra inconclusiva. Isto significa que já tinha usado a roupa em algum outro dia e a havia separado na categoria "roupas em observação", com a possibilidade de vesti-la novamente e isto certamente não aconteceu por ela ter desaparecido sob a pilha. Este fato me causa uma grande confusão na cabeça pois acho injusto lavar uma peça tão pouco suja.

Ela pode então continuar em observação e isto é um tanto desanimador, pois sei que na próxima vez que for cheirada, à esta nhaca mediana será adicionado o conhecido cheiro de mofo e aí não haverá escapatória e a decisão será dolorosa. Máquina.

Fico cheio de dúvidas.

Então surge uma camiseta impecável do meio da montanha. Está limpa e nada amarrotada. Entro no youtube, aprendo uma forma prática e rápida de dobrar camisetas e a coloco na prateleira. De uma distância média concluo que a dobradura ficou aceitável. Não parece tão embolada. Isso volta a me alegrar.

Então surge um problema grave e insolúvel.

Descubro com assombro que no bolo há uma camiseta limpíssima e completamente amassada. Chego a me imaginar com o ferro elétrico na mão e a cena me faz rir até doer a pleura.

Não, não. Isso é que não. Da última vez que tentei abrir a tábua de passar, ela beliscou meu dedo e a partir daí guardo distância segura da espertinha. Um pianista não pode correr tais riscos.

Daí, para colmo da exaustão, surgem no meio da cordilheira, as camisetas de dormir. São quatro ou cinco. Estão fedorentinhas, mas nada que seja um escândalo digno de máquina. O que se deve fazer numa hora destas? Tentar programar um rodízio sustentável das queridas até ficarem nauseabundas? Mais dúvidas. São tantas dúvidas.

Ia entrar no capítulo blusões, mas o desânimo que me causa este redemoinho de encruzilhadas acaba me levando de volta à cama, onde me atiro à prática enfurecida do sudoku killer e assim acabo deixando tudo como está.

Se você leu até aqui e tiver alguma ideia prática para solucionar estas questões, gostaria de ouvi-la. Grato.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

CUSPIDA PERFEITA

Tô gripado.

Minha mãe me deu um lenço. Tô usando. Obedeço sem contestar.

Lembrei então que os homens, antigamente, tinham por costume usar um lenço no bolso de trás da calça. Um lenço e um pente. Não sei se os dois iam no mesmo bolso, mas talvez tenha sido este fato que deu origem à ideia de inventar o guméx que é pai do gel.


Bécs.

Bécs, naqueles tempos, significava "que nojo".

Eu usava lenço no colégio em gripes estratosféricas. A gurizada no inverno ficava sempre gripada e campeonato de catarradas à distância era um dos divertimentos da época.

Recordo então de uma manhã ensolarada de inverno, em que, atormentado que estava pela dor de cabeça causada pela teimosa sinusite, cheguei até à janela da sala 314, do Colégio Júlio de Castilhos..

O pátio estava vazio, pois o recreio havia terminado. De repente surge do nada o gordinho Richter. Gazeando aula. Eu achava ignóbil e mesquinho o gordinho Richter. Não sei por que.

Estava no terceiro andar, e alvejar o sinistro Richter daquela altura seria como acertar na loteria, mas achei que valia a tentativa

Então puxei o frango das mais profundas profundezas.

Sabe aquela puxada que dói o peito e deixa a cabeça latejando? Pois foi bem assim.

Fiz um cálculo rápido, pois o gordinho vinha caminhando em direção ao prédio, e squèééssshhhhh.... soprei com fúria para os ares aquele colosso multifacetado que parecia um paraquedista, cheio de braços oscilantes de medusa, e por um momento acreditei melancolicamente que erraria o alvo por pelo menos três vergonhosos metros, mas eis que a catarrada ao chegar ao primeiro andar agregou-se a uma vigorosa corrente de ventos Elísios que abundavam ali pela região e mudando bruscamente sua trajetória, triplicou sua velocidade para acertar espetacularmente a nuca do Richter. que num gestual de quem está sendo atacado por abelhas, buscou, entre tropeções, desesperado refúgio embaixo da marquise.

Eu lhes conto e lhes digo que até hoje, quando penso nisso, me entristeço. Então oro com fervor.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

RUSGA VIRTUAL

Daí ela me perguntou no chat.

- Tax bem?

Eu respondi.


- Tox. E tux?

Ela.

- Comigo tudo bek..

Eu

- Legak.
- Mas escuta! Tu é louc9?
- Acho que sou um pouc9. Mas por que tux ach9u iss9 só ag9ra??
- Sei lá. Esse jeito maluc9 que vc digifa.
- Eu digifo norfal. Como fualfer um.
- Fei. Olha fó. Afo quw 0 teu teflaco tad c proclema.
- Nad é isco nad.
- O qued seria, csralh9?
- Bofa ov ócul9s que eu bofo tambed.
- Vad a merfa.
- Vad a merfa tux, mal educaga.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

ENTRE O ACERVO E O ESTÚDIO




 Pois então nos fomos, mami (Magali Corona) e eu à cidade do Rio de Janeiro para comparecer à exposição chamada de ENTRE O ACERVO E O ESTÚDIO de Marilice Corona, realizada no Museu Nacional de Belas Artes ali na Cinelândia.

Marilice vem desenvolvendo este trabalho já faz algum tempo. Minha visão é leiga, mas tento explicar. Ela faz uma ligação entre trabalhos dos acervos e os seus, quando fotografa a interação das pessoas com os quadros nos museus e pinta as fotografias em seu estúdio.


Nesta ida ao Rio, ela sobe um degrau neste estudo e sigo tentando explicar.

Já faz algum tempo, uma cabeça do escultor Fernando Corona que é nosso avô, estava sendo colocada em seu pedestal pelo funcionário do museu e Marilice registrou o momento que depois se transformou em quadro. Este quadro foi levado ao Rio para fazer parte da expo e no instante anterior a ser fixado na parede, um bombeiro fazia a checagem do extintor e minha irmã flagrou o instantâneo. No hotel, Marilice tirou as tintas pra dançar e com técnica cada vez mais apurada, em tempo recorde, fez uma nova tela interessantíssima. Além desta, criou mais duas, com esta temática de interação com funcionários do museu.

O quadro dentro do quadro dentro do quadro.

Não é lega? Na tarde de sábado estávamos na grande sala, quando reparei duas meninas da brigada de bombeiros olhando os quadros e comentando com entusiasmo. Me aproximei um pouco para conversar e elas estavam surpresas e interessadas com a exposição.

Uma ideia simples que pode ser multiplicada e desenvolvida ao infinito. Uma ideia que desperta interesse e pode se tornar popular, sem deixar de ser inteligente. Acho que talvez seja isto que a maioria dos artistas busquemos.

Afora isto, tivemos a sorte de agarrar dois magníficos dias de sol e junto com Vika Barcellos, que se moveu desde Floripa, fomos almoçar no Forte de Copa. Pedimos os mesmos pratos que pedíamos quando vivíamos por lá e a cozinha continua a mesma:

SALADA SOUZA LIMA
Presunto cru, muzzarela de búfala, tomatinhos, alface e manjericão.

PENNE AOS QUATRO QUEIJOS

RAVIOLLE AO ROSSO
Massa recheada com queijo, molho de tomate e manjericão.

Esta é a minha definitiva sugestão de almoço de primeira no RJ. Além da vista fantástica e a comida deliciosa, é bastante barato.

Encontramos também por lá bons amigos. Nosso primo Alberto Corona, com a Diva e a Úrsula, Antonio Ricardo Ribeiro Cidade, Jorge Teixeira e Fernanda Lago e pudemos celebrar um pouco a vida na Cidade um tanto machucada mas que nunca deixa de ser maravilhosa.

LOROTA MUSICAL

Eu gostava de lorotear músicos entusiasmados da seguinte forma:

- Você ouviu este disco novo da Sarah Vaughan com o Caetano?
- Sério? Lançaram?!
- Foi. Com participação do Herbie Hanckock? Ouviu?
- Caraca. Que massa!!! Não ouvi.
- A abertura é com o Santana.
- Mas que loucura é essa? Como é que ainda não ouvi essa maravilha??!!
- Três faixas com Toninho Horta e Paco de Lucia.
- Cara!!! Não acredito!!!
- Outras três com Hermeto.
- Mas vai ganhar o Grammy esta porra!!! Onde encontro?
- Uma faixa tem um solo do Jimi Hendrix.
- Hendrix tá morto, pô!
- Psicografaram.
- Hum...
- Julio canta duas.
- Que Julio?!
- Júlio Iglesias, o cantor espanhol.
- Bah...véio. Tu tá me tirando...?
- Na última faixa tem Credence e Nelson Ned.
- Tomanocu!!!

ULTIMATO NA ORLA

Fomos apresentados ao casal numa noite quente, ali na praia de Copa e sentamos num quiosque e pedimos chopes e cervejas e logo passamos a falar sobre o estado em que está a situação ou a situação em que está o estado e comentei que, infelizmente, os sindicatos estão paralisados e o cara começou a dar uma explicação sobre isto, sobre as origens dos sindicatos brasileiros e dissertou muito bem, e por isto ficamos animados, pois o cara sabia tudo de sindicato e alguém comentou sobre a era Getúlio e o cara enveredou sobre o estado novo e com voz monocórdica foi narrando os inúmeros fatos importantes da época, o cara sabia tudo sobre o Palácio do Catete, cacete, e para mudar o foco um pouco, falei que tinha lido uma matéria sobre o pianista que tocava no palácio e o cara engatou uma primeira no assunto piano, pianistas, órgão, organistas, harpas, cellos, oboés e o caralho e uma hora e meia e doze exatos chopes depois, me agarrei com desespero a uma pausa, me inclinei sobre a mesa em direção ao sujeito e mandei.


- Véio. Olha só. Prestatenção. Vou te dar três assuntos:
Primeiro. A pata choca do Tocantins.
Segundo. Invasões bárbaras na cidade de Bagé no século dezoito.
Terceiro. Pigmeus esquimós que migraram para o Saara com o interesse de comer o cu de camelos distraídos.
Fiquei olhando pro homem que adquiriu expressão assustada. Dei um golão no chope e arrematei entre mini arrotos.

- Tu tem cinco minutos pra tagarelar sobre cada assunto. Depois disso é nóis, véio. Nóis é qui qué falá nossos assunto bagacera.

domingo, 7 de julho de 2019

DEU TILT

Já fazia mais de hora que os dois tavam na cama e o troço tava incendiando quando ela olha bem nos olhos dele e, possuída pela luxúria, grita.

- Aiiii, que vontade de te dar um beijo na boca.

É neste momento que ele para tudo e exclama.

- Opa, opa!!!
- O que foi?
- Deu tilt na máquina!!??
- Que tilt, Venceslau?
- Esta frase aê! “ Aiii, que vontade de te dar um beijo na boca”!!??
- Que que tem?
- Deu tilt. Se você tivesse me dito isso na hora do amasso no sofá eu até entenderia.
- Hum.
- Eu diria até que, pela lógica, se você tivesse me dito antes do amasso, a frase ficaria num lugar ainda mais certinho.
- E daí, Lau?
- Daí, querida, que não dá.
- O que que não dá?
- A gente já tinha feito de tudo. Você já tinha lambido meu nariz pelo lado de dentro e naquele momento antes do terceiro orgasmo, você chegou a chupar meu nariz, coisa que me deixou meio mareado, mas achei tesão.
- E aí, seu chato? Qual é o problema?
- Daí que, do jeito que você me olhou naquela hora, com aquela volúpia toda que tem esta tua cara de tarada, pensei que você ia me propor uma coisa diferente e confesso que temi até por um golden shower.
- Hum...
- Mas não. Daí veio essa mensagem antiga... do beijo na boca.
- Hum.
- Deu tilt, querida. Desconfigurou.
- Sabe o que?
- O que?
- Larga um pouco este celular, pô!!
- E largo o celular por que?
- Larga porque esta internet tá te deixando louco, Nicolau!!
- Caraca!! Viu só!!?? Meu nome não é Nicolau.
- Putz!!
- Bah. Deu tilt!!



JOÃO

Eu não assisti Jobim, mas vi João.

Foi no Araújo Viana em 96. Lembro que João, em determinado momento, começou a cantar Prenda Minha e a gauchada, bairrista como ela só, resolveu cantar junto. Não sabiam que aquilo era arriscado e o cara podia até levantar e ir embora. Quando João terminou a canção, fez uma ironia qualquer. Estava irritado. Disse que esperava um dia poder cantar pra gente Prenda Minha do jeito que ela devia ser cantada. Isto é: Sem coro.

Anos depois, acho que em 2003, numa lavanderia do Rio de Janeiro, lembrei deste fato quando peguei, ao acaso, um jornal e ali havia uma notícia sobre João que dizia que num concerto no Japão, um fã ensandecido deu um grito no meio do Desafinado e o artista ficou puto, interrompeu a tocata e saiu do palco. A galera começou a chamar João de volta, aplaudindo, depois gritando e por fim puseram-se de pé clamando pelo perdão do cantor ao conterrâneo trapalhão e João então voltou e postou-se no meio do palco e a reportagem conta que foram vinte minutos ininterruptos de urros até que o produtor, temeroso de que João tivesse tido um piripaque, pois durante este tempo todo manteve-se completamente imóvel, subiu ao cenário e quando se aproximou, descobriu que João estava apenas chorando. Depois de uma pequena troca de palavras, João voltou a sentar e fez o resto do show.

Dez anos mais tarde, quando tocava com Pery Ribeiro, tive a sorte de participar de uns concertos ao lado de Miele, Menescal, Danilo Caymmi e o assunto, certa noite, foi João.

Menescal comentou que João tinha uma capacidade imensa de convencer as pessoas a fazer suas vontades. João era um convencedor implacável. Menesca contou que o cantor, certa feita, fez um show em Sampa e no dia seguinte, o empresário chamou uma dupla de ajudantes para levar o cachê até o hotel. Diz que João não aceitava cheque. Tinha de ser dinheiro vivo. No meio da tarde, o empresário preocupado que os emissários tardavam a retornar, liga para o hotel e pergunta por eles. A resposta foi de que sim, os rapazes tinham ido até o quarto de João e ali ainda estavam já fazia algum tempo, mas João tinha pedido para que não fossem perturbados, nem mesmo por telefone. O cara desliga o telefone, mas uma hora depois, intrigado com o fato, liga novamente para a recepção, e num tom ameaçador, diz que é urgente falar com os empregados e que passassem logo de uma vez a ligação para o quarto, antes que ele decidisse não trabalhar mais com o hotel. Passados alguns tensos minutos, o empresário escuta com alívio a voz do Montanha do outro lado.

- Alô, chefe.
- Porra, Montanha. Que que tá acontecendo? Tô aqui nervoso com esta demora de vocês, pô?
- Sabe o que é, chefe? Nós pagamos o Seu João tudo bem certinho, mas é que na hora da saída ele nos convidou pra fazer um vocal no Doralice e eu e o Medeiros tamo aqui sentado na cama fazendo a segunda e a terceira voz.

Nunca me assombrei com João, pois cresci ouvindo. Tá amalgamado na minha alma. Li algumas coisas sobre ele pra descobrir que o cara inventou uma forma de cantar e uma maneira de tocar violão. Então, nas madrugadas, quando a gente tá na cozinha batendo um violãozinho, um sambinha ou uma bossa pra não acordar ninguém, a gente agora sabe que isto é João. Li também que o músico era meticuloso e ficava dias repassando a mesma canção até ficar da forma mais exata. Li ainda que no disco AMOROSO, que é um primor, com arranjos de orquestra do maestro americano Claus Ogerman, houve muita briga até se chegar à forma final. Conta-se que João pediu pra retirar quase todas as baterias executadas. João queria mais silêncio. Acho que o mundo de João era o violão e a voz e nada mais além disso. Nada que fugisse do seu controle de exatidão. Violão, voz e o silêncio. Aliás. Caetano lacrou; Melhor que o silêncio, só João.

sábado, 15 de junho de 2019

MÉNAGE À TROIS VIRTUAL

Depois de exaustivas tratativas, por fim consegui convencer duas amigas a fazer sexo no menseger. Seria assim, uma espécie de ménage à trois virtual.

Seus nomes serão substituídos por fictícias abreviaturas. Os motivos para isto são óbvios e devo confessar não possuir exata certeza sobre a verdadeira ordem dos acontecimentos, mas a coisa foi mais ou menos assim;

CAIXA DO GRUPO – EU, JU, LE

EU – Então, gurias. Tudo certinho?
JU - Pra mim tá. Oi, Le
LE – Oi, Ju.
EU – Alguma ideia pra começar?
JU – Eu tenho, Fe.
EU – Diga.
JU – Eu e a Le vamos te amarrar, Fe.
EU – Hum...Vão mesmo? E vão me amarrar onde?
JU – Vamos amarrar você numa árvore.
EU – Numa árvore?
JU - É. Numa linda árvore.
EU - Hum... não sei não.
JU – Por que não sabe não?
EU – Ah...sei lá. Do lado de fora. Parece que sempre vai passar alguém. Um carteiro, um jornaleiro. Estas coisas do lado de fora não gosto muito.
LE - Tu é cheio de coisa, Fe.
EU - Fantasia pra funcionar tem de ter uma boa ligação com a realidade. Prefiro dentro de casa. Ou motel.
JU – Mas pode ser no mato, Fe, que no mato ñ tem ninguém. Num bosque florido.
EU – E eu vô tá amarrado e pelado nesse mato cheio de flor?
JU – Isso! Não é um tesão?
EU – E os bichos?

Nisso, abre a caixa de diálogos da Le.

CAIXA DA LE

LE - Pô, Fe. Essa mina quer dominar.
EU – Dominar o que?
LE – Tudo...ela quer fazer a regra. Não to gostando
EU – Bobagem. Volta pro grupo e vamos esquentar este troço.

CAIXA DO GRUPO

JU – Ei!!! Cadê vcs? Tão transando no reservado?
EU – Que nada. A conexão deu uma caída.
JU – Ah tá. Podemos continuar?
LE – Vamos... mas deixa eu dar uma ideia, então.
JU – Fala, Le.
LE – Podemos fazer a vontade do Fe, né JU? Vamos amarrar ele dentro de casa.
EU – Hum....e onde seria?
LE – Vamos te amarrar no fogão.
EU – No fogão?
LE – Isso. No fogão.
EU – Mas é impossível amarrar alguém no fogão. Não tem onde.
LE – Num fogão a lenha tem!
EU – Tem? e de onde vc tirou isso?
LE – Ah!!! Sei lá...Eu lembro que o tio Nilo amarrava o Tobi no fogão lá de casa.
EU – E quem seria o Tobi?
LE – O cachorro da vó Nonô.
JU – Caramba, Le! Teu tio comia o cachorro da tua avó?
LE – Claro que não, né? Só amarrava.

Nisso, abre-se novamente a caixa da Le.

CAIXA DA LE

LE – Caralho, Fe. Essa mina tá ofendendo minha família.
EU – Tá não.
LE – Tá sim. E o tio Nilo é um cara super legal. Ela não pode fazer isto. Vou sair daqui.
EU – Não. Fica aí, LE.

Nisso, abre-se a caixa da JU

CAIXA DA JU

JU – Putz, Fe. Essa tua amiga é de uma família de gente tarada. Tô com medo. Vou cair fora. Zoofilia não é meu estilo.
EU – Nada, Ju. Volta lá que vai ser legal.

CAIXA DO GRUPO
LE – Sumiram, pô. Tão me fazendo de boba.
EU – Que nada... é a conexão q tá uma bosta.
LE – Acho melhor esquecer isso de amarrar.
JU – Tá...tive uma ideia então.
EU – Fala.
JU – Eu e a Le vamos lamber tua testa.
EU – Hum...to gostando.
JU – Vamos lamber toda tua testa.
LE – Eu é que não!!!
JU – Por?
LE – Pura graxa.
JU – Como assim?
LE – Você mora a mil quilômetros daqui e não sabe...O Fe tem a pele oleosa. Além do mais a testa parece uma marquise . Muita superfície pra lamber. To fora.

Nisso abre a caixa da Ju.

CAIXA DA JU

JU – caracas, Fe...essa mina não te curte.
EU – Não? Por que?
JU – Ela nem quer lamber tua testa.
EU – Olha. Vou ser sincero contigo. Eu também não lamberia minha testa.
JU – Claro que não, né, Fe? Você nunca alcançaria.
EU – Bah.
JU – Só se tua língua fosse de elástico.
EU – Bah.
JU - E que tesão haveria em lamber a própria testa?
EU – Bah...
JU – Talvez as orelhas fosse legal poder lamber. Hein Fe? as orelhas...mas a própria testa, acho q a pessoa ñ ia gostar.

Nesse momento, antes de mais um inevitável bah, a conexão caiu. Não lamentei nadinha. Desliguei o PC, desconectei o smart da net, preparei um sanduba e liguei a TV. Tava passando Os Piratas do Caribe. Fiquei ali, suspirando de quando em vez. Lá fora um cachorro latia bem ao longe. Certamente era o Tobi. Fugindo do tio Nilo.

Bah!

segunda-feira, 13 de maio de 2019

CÉUS E SÓIS

Hoje chove um pouco em Porto Alegre e a manhã é fresca. O céu tem nuvens carregadas, mas se pode ver nesgas de azul aqui e ali.

Então, acho que faz um lindo dia feio por estas bandas.

Isto me fez pensar que tenho sorte, pois nestes dias, pedaços meus andaram por aí, passeando pelo planeta e dividiram comigo fantásticas amostras celestes.

Um amor antigo me mandou imagens do D'oro, em Portugal, e Laura, por sua vez, me alcançou várias paisagens solares do deserto do Atacama. Nos dois casos são impressionantes azuis e amarelos que inspiram a gente a tirar a camisa, fechar os olhos e respirar a vida devagarinho, e nos dois casos sei que elas ficaram felizes pela fortuna de presenciar tudo isto e a coisa toda me deixou assim, com uma rarinha sensação de paz.

Esta profusão de cores me fez também lembrar de uma manhã de junho em 84 na cidade de Madrid em que me vesti pra enfrentar dez graus en la calle e ao abrir o portão do folclórico hostal de Dona Hortênsia, situado perto da Gran Via, levei um soco no peito. O verão havia chegado na península, sem avisar os incautos clandestinos.

Assombrado, voltei à habitação, dispensei blusas e jaquetas, coloquei uma camiseta e me mandei pra rua, pra descobrir que aquela cidade podia ser ainda mais viva do que eu pensava que pudesse ser.

Na Espanha o verão chega repentinamente.

Daí você pode guardar os agasalhos no fundo do armário, porque os próximos noventa dias terão temperaturas acima dos trinta e cinco com quase nada de chuva.

Durante o verão espanhol, você pode ficar muitos dias sem enxergar qualquer nuvenzinha branca no céu azulíssimo e quando se vislumbra, à distância, o perfil da capital sendo acachapada pelo sol, Madrid parece uma cidade de ficção científica que tanto pode estar no passado como no futuro.

Depois, o verão se despede lentamente, a partir de setembro, mas até aí, muitíssima cerveja desceu pela goela, pois o verão europeu é época a ser celebrada com a devida fúria e as razões são óbvias.

Todo este assunto também me trouxe à cabeça o famoso céu de Brasília, tema que Toninho Horta usou para compor uma linda canção, mas Brasília me deixa um tanto que mareado atualmente. Então deixa assim que assim tá de bom tamanho.

Voltando a Porto Alegre, repito que hoje faz um lindo dia feio e fico pensando que estes nebulosos tempos, (e agora me refiro à tragédia pela qual estamos passando), talvez sirvam para ajudar a moldar um pouco nossas almas e assim, quem sabe, possamos descobrir belezas que andam escondidas por aí.

Algo vamos aprender no meio de tanto desalinho. Celebremos, pois.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

SÓ NÃO PODE BUNDA



Este país virou uma chatura do caralho.

E esta rede social é cheia de toxinas. Quem discorda te irrita. Aquele que concorda vem com mais dados alarmantes, daí te dá uma gastrite na nuca e te irrita mais ainda.

Eu mesmo, me transformei num ser asqueroso, num musgo, um plâncton da internet.

Sempre repetindo as mesmas coisas.


Dddddddddddddãããããããããããñnnnnnnnnnnnnnnnnnnn

Chega num ponto que toda postagem te dá nos nervos.

Acho que vou fazer uma rede só com quem posta flor, gato e paisagem.

Não. Paisagem não.

Gato também não.

E flor muito menos.

Vou me dedicar aos salmos.

Às motos.

Ao surf.

Bah.

Chatura.

Fui postar umas mulé pelada e me deram 24 horas de cabide.

Nessa bosta pode tudo, só não pode mulher pelada.

Até assassinato rola, mas quando aparece uma bunda, o Zuck fica todo griladão.

Tomanocu.

Acho que a única coisa que não pode nesse país é mulé pelada no Face. O resto tudo pode. O governo e os homens da lei formaram um puteiro gigante, na cara do planeta. Tá tudo liberado. Mas se você inventa de postar uma bunda te mandam pro limbo.

Te afastam da sociedade.

Chatura do carai.

Vou tomar um chá de camomila com meio rivotril flambado..

quarta-feira, 3 de abril de 2019

PAPO CUECA NA AVENIDA - a associação

- Fala, Nestor.
- Fala, Varley. Tudo certinho?
- Na correria, meu. Fim de ano pegando.
- É. Tô indo pro shopping ver se compro os últimos presentes.
- Mas e aí? Me conta. E a Licinha?
- Quê que tem a Licinha?
- Te vi com ela no Barbatana no sábado. Tás pegando?
- Tô não.
- Como não?
- Não tô.
- Ah, para! Que papo é esse, Nestor? A Licinha é uma linda. E parecia toda sorridente pro teu lado.
- Mas não tô.
- Hum. Tô te estranhando, parça.
- Sabe o que é, brother? Vamos caminhando que te conto. Tens tempo?
- Tenho. Manda.
- Eu não sabia que a Licinha tinha namorado o Jonas.
- E aí? Qual é o defeito? Acho que não tão mais juntos, e faz um tempinho.
- Sabe o que é, parceiro? O Jonas faz parte das peladas do Bola7 nos domingos.
- E?
- A galera andou comentando que viu o cara nu no vestiário depois do jogo.
- Comentando o que?
- Calçado.
- É?
- É.
- Pauzão?
- Yap.
- Muito?
- Diz que é assim tipo uma coca cola litro e meio.
- Credo!
- Daí enfraquece, bro.
- Ah. Mas isso é bobagem, porque o que conta...
- Sei, sei. Tamanho não é documento. O que conta mesmo é o talento que a gente tem na hora do vamuvê e estas coisas que se fala por aí.
- Então?
- O problema não é esse!
- Qual é o problema?
- O problema é a associação, véio.
- Que associação?
- Quando eu sair com ela eu vou pensar: “sentando no restaurante com a Licinha do Jonas pauzão”.
- Hum.
- Quando for na casa dela vou pensar; “chegando na casa da Licinha do Jonas pauzão”.
- Humhum.
- Quando for tirar a calcinha dela vou pensar; “tirando a calcinha da linda da Licinha do Jonas pauzão”.
- Putz. É verdade. A associação. Quando a Licinha passar por mim vou pensar exatamente a mesma coisa: " Aí vai a gostosa da Licinha do Jonas pauzão".
- E não é?
- É. Mas tem coisa pior.
- O que?
- Vai que você resolve conferir e fica floxo.
- Que floxo, véi? É frouxo.
- Nesse caso, a palavra justa é floxo mesmo. Já pensou?
- Parius.
- Daí é ela quem vai fazer a associação.
- Qual?
- Nestorzinho bota floxo.
- Bah. E vai espalhar, é claro..
- Com certeza.
- Por isto então é que eu não respondo mensagem.
- ...fica na tua...
- Fico quietinho. Ela manda cartão de bom dia e eu respondo com um joinha bem broxante.
- ...piano...
- Não dou like nos posts dela.
- Hum. Mas que pena, né? Aquelas pernas.
- Aqueles peitos... e a cara mais linda.
- Será que não vale o risco?
- Vale não. Ainda mais que você me criou mais uma associação.
- Eu?
- É. Agora, se eu por acaso estiver beijando ela, vou logo pensar; “ Nestorzinho bota floxo dando umas bicotas na maravilhosa Licinha do Jonas pauzão”.
- Bah. Desculpe, mano.
- Agora ficou complicado, véio.
- Caraca! Olha só quem vem vindo na nossa direção!
- Quem?
- Baita coincidência. O Jonas.
- Putz. É mesmo. Eu é que não vou apertar a mão dele, brother.
- Associação?
- Yap.

QUÉ CAFÉ?

Com minha avó era assim.

- Tu qué café?
- Não, vó. Não quero.

Café, pra minha avó, era um copão de café com leite e mais um sanduíche grande.

- Eu faço pra ti e tu vai lá na cozinha e toma.
- Não, vó. Não quero café.

Cinco minutos de trégua e...

- Por que tu não toma um café?
- Não quero.
- Um café bebido, então. Tu qué?

Café bebido significava o café sem o sanduíche.

- Não, vó. Não tenho fome.
- Eu te faço e trago aqui.
- Não, pô! Já falei que não quero!

Passados dez minutos da gente achando que a mensagem tinha sido clara, lá vinha ela da cozinha, com a bandeja na mão.

- Toma.

Daí tinha de se comer e beber tudo até o fim, afinal, nhaca de pobre vê-se por aqui.

Muitas vezes ela vinha conferir a obra.

Parava na frente da gente, observando atenta, através dos óculos, nossa dificuldade em terminar com aquilo.

- Vai...
- ...
- ...tudo!

Minha avó era descendente de italianos e se sabe que, pros italianos das priscas eras, todos os problemas de saúde se resolviam com purgante, assim como os males da alma, estes eram tratados à base de rango.

Lembro da primeira cena do filme Quatrilho.
Pires e Pilar estão tendo um diálogo, enquanto uma delas fatia um salame.

Não tenho certeza, mas é Pilar que se queixa de que está triste. Pires responde.

- Come um pouco de salame que tu vai ver que tu vai ficar melhor.

quinta-feira, 28 de março de 2019

PAQUERA NO SUPER

Já faz tempo que escuto que tem paquera no supermercado. Pensava que não passava de uma lenda até comentar o assunto com o Fausto.

- E tem, pô.
- Sério?
- Sério. Qual é o super que tu vai?
- Bourbon Ipiranga.
- Ah tá. Olha só. No Ipiranga, a paquera é às quartas. No dia dos hortifruti.
- Hum.
- Ali pelas oito, oito e meia é o pico.
- Tá.
- No setor das carnes, as ofertas. Na prateleira dos ovos também tem movimento, mas é nas frutas que tem mina pra caralho.
- Tem certeza?
- Tô te falando. Ali na área das laranjas. Te digo. Se botarem uma musiquinha, a galera sai dançando.
- Hum.
- Experimenta apalpar as laranjas navelinas.
- Que que tem?
- Tudo mole.
- Por?
- O pessoal fica vendo o movimento, paquerando e pra disfarçar vai apalpando as laranjas que vão ficando molengas.
- Entendi.

E nesse momento, exatamente às oito horas de quarta feira, seguindo as diretrizes de Fausto, o sábio, estou em frente aos entrecots, fingindo olhar preços e espiando quem está por perto, mas só vejo dois caras da minha idade, que vez por outra me lançam olhares desconfiados.

Me dirijo então à prateleira dos ovos, mas no caminho lembro de que certa feita fiquei ali mais de dez segundos e no dia seguinte estava com pneumonia. Os ovos ficam perto dos iogurtes. A atmosfera ali é glacial. Então, quando quero ovos, passo correndo, pego uma caixa e só vou conferir se estão quebrados lá na prateleira dos desodorantes, em total segurança.

Resolvo experimentar a terceira opção e me assombro com a flacidez das navelinas. Fausto sabe tudo. Sinto perfumes no ar e uma moça, a dois metros de mim, apalpa laranjas com fúria. Vejo que é jeitosa. Vou me aproximando pouco a pouco até o momento de apalparmos a mesma fruta. Ela se assusta e dá um passo atrás. Tomo a iniciativa.

- Oi.
- Oi.
- Então...
- Então o que?
- Você veio pra paquera?
- Que paquera?
- A paquera do super.
- Não to sabendo nada disso.
- Hum.
- Eu sou casada.
- Muito?
- Muito o que?
- Muito casada?
- Casada normal.
- Casada normal é casada saco cheio.
- Algo assim.
- Já sei. Cansada da falta de iniciativa dele.
- Por aí.
- Ele quer sexo toda hora mas não bota o lixo na rua jamais. É isso?
- Olha. Quer saber?
- Quero.
- Não tem iniciativa nem pro sexo.
- Iniciativa zero?
- Zero não. Ele busca cervejas na geladeira de vez em quando.
- Putz.
- É. Putz.
- Bueno. E quem sabe tomamos um café então?
- Será?
- Claro. Vamos?
- Bueno. Isso já é uma iniciativa. Mas antes tenho de terminar minhas compras.
- Perfeito.
- Não conheço muito bem este super. Você sabe onde ficam os ovos?
- Sei. Te levo até lá. Mas não posso ficar muito.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

MÚSICOS NO BAILE

- Olha só.
- Que?
- Neste último bolero.
- Quê que tem?
- Você tá semitonando.
- Eu!? Me mitonando?
- Tá semitonando direto.
- Tás doido. Eu nunca me mitono.
- Do jeito que você tá desafinando, se desmaiar no meio da canção, não volta a si. Volta a lá bemol.
- Bueno. Se eu desmaiar me livro do desprazer de ouvir tua bateria de velho oeste.
- Que papo é esse de bateria de velho oeste?
- Quando você toca rock, parece uma carroça se desmanchando.
- Ah para!! Sou um relógio.
- Um relógio que adianta e atrasa. E o que é inacreditável. Adianta e atrasa ao mesmo tempo. Sabe a bateria eletrônica?
- Quê que tem?
- Muito mais criativa que você!
- Olha só, seu croonerzinho de meia tigela. Naquela hora que você faz aquele dueto com a Mirna.
- Quê que tem?
- Ela diz que não aguenta teu bafo.
- Impossível. Uso Binaca antes de toda apresentação.
- Ela me contou que só respira no contrafluxo pra nao desmaiar. Que parece que você comeu um morcego defumado.
- É. A Mirna me contou uma coisinha também.
- Contou o que?
- De ontem.
- Ontem o que?
- Me contou que ontem teve alguém que deu uma brochada sinfônica.
- Que papo é esse?
- Uma brochada filarmônica repleta de fagotes e oboés que foram vacilando, vacilando, até reduzir a peça a um minueto pianíssimo e chocho.
- Mas que caralho de Mirna mais linguaruda.
- Bah! Olha lá.
- Olha lá o quê?
- Do outro lado do salão. Briga!
- É. É briga mesmo. Tão se pegando.
- Tá comendo o pau.
- Porradaria, meu!
- E a briga tá vindo pra cá.
- Putz. Cadeiraço e tudo.
- E garrafada.
- Óh. Tá vindo!! Quem sabe camarim?
- Caralho! A briga subiu no palc....!!!!
- Vamu vazáaa...aaaaahhhhhhhhhh!!!!!

domingo, 10 de fevereiro de 2019

A TOSSE

A tosse é uma contração espasmódica, repentina e frequentemente repetitiva da cavidade torácica, resultando em uma violenta expulsão de ar dos pulmões, a uma velocidade de até 480 km/h.

Bah. Tudo isso?

A tosse, na maior parte das vezes, é uma ação que o corpo toma para se livrar de poeiras, bactérias, vírus, fungos e substâncias que estão irritando as passagens de ar.

Mas a tosse, nos humanos, também aparece em outras ocasiões.

Eu tenho um colega, com o qual trabalhei muito tempo, que sempre que o assunto era dinheiro, dava uma tossidinha. Era batata.

- E aí, fulano? Aquela grana já saiu?
- Pois é...cof, cof, cof. Ficaram de pagar hoje.

Não sei porque sempre tinha de ter esta tossinha.

Noutra feita, comentei com a Vika que tem gente que quando mente, tosse. Que a tossezinha pode ser um indicativo de mentira. Ela achou aquilo meio estranho. Fez uma cara de que era bobagem minha.

Dois dias depois fomos tocar no Parque Lage, um lindo lugar. Também fazia uma linda noite. Tinha público. Aquilo tudo estava muito lindo, com exceção do equipamento de som. Bastou uma rápida olhada pra gente saber que a aparelhagem era bastante duvidosa.

Quando o técnico apareceu, fui logo perguntando.

- Fala, meu velho. E este equipamento? Anda?
- Sim, sim...veja bem...cof,cof,cof...veio da manutenção ainda ontem.

Vika ficou me olhando, dando um jeito de esconder a risada.

O equipo realmente estava uma bosta, mas como também somos mágicos, a noite transcorreu naquele astral que a gente sabe muito bem como criar.

Tinha um carinha da família que era bem gaudério. Duas gerações acima. Já falecido.

Quando ele falava a palavra sexo, sempre tossia. E como era guasca barbaridade, ele pronunciava SÉCOÇO. Daí ele mandava algo como:

- Mas viu, Fernando. Essa gurizada que anda por ai fazendo sécoço a torto e a direito, cof,cof, cof, não se dá ao respeito. Essa gurizada não tem sistema. É como se o sécoço, cof,cof,cof, fosse uma cosa normal que a gente....

Bueno.

É domingo. Dia de reflexão.

Por isto também lembrei de que uma vez, no calor de fevereiro, tossi por quinze dias. Era como se tivesse uma borboleta na traqueia. Tossi até chorar de exaustão. Por sorte tinha meios, e antibióticos e cortisona acabaram por me recuperar.

Que aqueles que tossem por enfermidades possam encontrar seus bálsamos redentores e que suas dores sejam minoradas.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

SUPOSITÓRIO E LEGALIDADES

Era uma banda grande. Dois brasileiros, um espanhol, um dominicano, um porto-riquenho, um panamenho, um mexicano e um uruguaio. Fomos chamados para acompanhar uma cantora brasileira de duvidosa qualidade. Seu marido era o empresário e este era mais duvidoso ainda.

Estávamos na praia de Gandia, na província de Valência e os shows prometidos tinham caído todos. Apesar disso, fomos alojados em belos apartamentos, com vistas mediterrâneas fantásticas.

Ewerson Vargas e eu já estávamos ilegais e comentamos nossa preocupação com este empresário que levianamente afirmou que silucionaria o problema nos conseguindo os tão sonhados vistos de trabalho. Chamou um cupincha chamado Paco e ordenou que o cara pegasse nossos passaportes pra realizar a tarefa.

Ficamos preocupados, pois além da questão da clandestinidade, nossos passaportes agora estavam na mão de um picareta, mas três dias depois, o cara nos tira da cama às nove da manhã.

Lembro da cena. O cara senta na cabeceira da mesa e Ewerson e eu, sentados um de cada lado, sem camisa e descabelados por uma ressaca monstra, ficamos mirando com ansiedade Paco, com ar solene, enfiar a mão dentro de um envelope.

O cara então retira dali de dentro um passaporte, abre-o, e com fisionomia compungida, se dirige ao Ewerson.

- Mira, Ewerson. A ti no te han dado el visado especial.

Fiquei olhando aquilo e pensei "putz, não quiseram dar o visto pro Ewerson" e então Paco repete a cena de abrir e olhar o passaporte que havia restado e me olhando sem mudar o semblante, me entrega o dito sentenciando.

- Y a ti tanpoco.

Naquele momento não tínhamos o humor necessário para cairmos na gargalhada, mas esta se tornou uma história consagrada.

Vez por outra surge oportunidade de usar a sentença lacradora.

- Y a ti tanpoco.

Bueno.

Acompanhando esta desconfortável mistura entre céu e inferno, um dente do siso tentando nascer sem espaço, há vários dias, estava me deixando a vida impossível.

Numa madrugada de sexta para sábado, acordei a Jannice, pois a dor já atingia o ombro. A boca não fechava por conta da inflamação na gengiva e as lágrimas vinham ao natural com a dor insuportável.

Tiramos Pani, o pianista, da cama e lhe pedi que me levasse até o povoado para tentar achar algum dentista. Não lembro como descobrimos o consultório, mas lembro do colega sair do carro para vomitar um pouco. Na noite anterior tínhamos enchido a cara.

Por sorte encontrei um bom profissional. Naquele tempo, quem necessitava fazer um tratamento dentário ia pra Suécia, pois a Espanha era famosa por dentistas ruins. Era assim também com o aborto. As espanholas iam a Londres. Fazer um aborto na Espanha significava grave risco.

Mas, voltando. O dentista deu uma olhada rápida em minha boca e receitou antibiótico e anti-inflamatório. Este último, em forma de supositório.

Bueno.

Cheguei em casa e fui direto pro banheiro pra estudar a operação. Abri o invólucro. Eu conhecia supositórios fininhos, mas este suposi espanhol era diferente. Era mais curto, talvez tivesse uns três centímetros, e possuía um formato de bala, um tanto gordinho.

Sentei no vaso e a partir daí descobri, com assombro, dois fenômenos da mais alta importância.

Primeiro. O cu não quer que nada entre. Ele oferece tenaz resistência a qualquer tipo de penetração e confesso que quase desisti da empreitada pensando que aquilo era realmente algo totalmente contra a natureza, mas a dor era tamanha que cerrei os olhos e concentrei-me com fervor na abominável atividade e foi aí então que, obstinado, descobri o segundo e formidável fenômeno.

O cu rejeita tudo que lhe é oferecido, mas se o artefato introduzido chegar até sua metade mais uma quarto de milímetro, as forças se invertem, e o cu suga o objeto com fúria avassaladora, e inclusive a força do vácuo traga tudo que estiver ali por perto, como partituras, lápis, borrachas e salgadinhos, tudo isso se dirige atabalhoadamente para a zona de confluência.

Depois de toda esta ventania, perplexo, caminhei com cuidado pelo apartamento, reorganizando pensamentos e pregas.

Impressionante. Em três horas, minha gengiva havia desinchado e a dor diminuído bastante.

Uma semana depois, pegamos o trem e deixei pra lá o trabalho falcatrua. De volta a Madrid, andava pela Gran Via e sentia vertigens. Na bula dizia que era efeito colateral. Além dessas merdas, tive de ouvir a galhofa dos músicos que diziam que eu havia me viciado nos foguetinhos.

Os colegas da infortunada gira, por aqueles dias, foram na casa do empresário tentar cobrar algum dinheiro, mas lograram apenas assistir ao cara, melancolicamente, entrar algemado num carro de polícia.

O dente foi ganhando espaço pouco a pouco e está aqui comigo, passados trinta anos. O cara é gigante e o utilizo para serviços pesados, tal como mastigar costela gorda e matambres em geral.

sábado, 5 de janeiro de 2019

SABIÁS E LAGARTIXAS

A parreira da casa de minha mãe não deu uvas. Ou melhor. Deu. Mas quem comeu foram os sabiás.

Hoje ela estava contando que viu o sabiá aterrissando no pátio dela com um grão de uva no bico. O bicho dava uma bicada na uva e olhava de soslaio pra ela, bicava de novo e olhava pra ela novamente. Implicando, acredita?


Então comentei com mami que sempre achei que os sabiás são de uma hipocrisia tremenda. Quem é noturno sabe muito bem o quão mala pode ser um sabiá. Ele começa a cacarejar muito antes do galo. Às 4 da matina o sabiá capricha na goela pra encher o saco da gente e vai assim até o sol nascer.

Aqui tem muito sabiá gordo. Tão mais barrigudos que eu, de tanta uva. Às vezes fazem um som parecido ao das galinhas e posso jurar que dia destes escutei um sabiá laranjeira arrotando depois de mandar uma uvona. E tão sempre assustando a gente, pois às vezes saem do meio das moitas dando a impressão de que podem ser ratos.

E é assim com as lagartixas também. Nas madrugadas passam zunindo pelas paredes, e rola o maior calafrio. São lagartixas gigantes. Bem criadas. Sérias e compenetradas, quando cruzam pelo caminho, dão a impressão de que estão indo fazer algo importante.

Dia destes assisti a uma preparando o bote. O rabinho treme e ela faz um toc, toc, toc meio assustador. Volta e meia se encontra a metade de uma barata pela casa. As baratas andam preocupaditas com estes grotescos assassinatos.

Inclusive criei um ditado.

LAGARTIXA QUE SE PREZA, NÃO COME CABEÇA DE BARATA.

Não significa nada, mas pode impressionar muito bem numa conversa, não é não?

Semana passada, ao fechar a porta da garagem, uma delas se perdeu na curva e caiu no meu pescoço. Geladinha, a querida.

A sensação imediata que tive na pele foi a de um bife de fígado com pernas. Uma delícia que vocês não imaginam. O grito que soltei me deu extrema vergonha.

É por estas e por outras que detesto natureza.

Relatei estes fatos a uma amiga que tem pavor de lagartixas. Ela contou que em sua casa tem muita. No desespero ofereceu as lagartixas em troca de nossos sabiás. Quando lhe contei que as lagartixas são benignas porque comem as baratas, ela quis saber se sabiás podem comer lagartixas. Lhe respondi que sim, mas há que adestrar. Lhe comentei também que quando um sabiá come uma lagartixa, via de regra se apaixona. Ela me respondeu algo um tanto vago, mas desconfio que tivesse teor chulo. Como sei que este tipo de conversa sempre acaba em açoitamente em frente à cam, parei por aí. Sou um homem sério.

O mundo gira.

E assim vamos.