segunda-feira, 29 de setembro de 2014

VOCÊ PODE FAZER DE SEU SERVO UM BURRALDO, MAS SE PASSAR DA CONTA, ELE PODE DEIXAR DE ENTENDER AS ORDENS QUE VOCÊ DÁ A ELE.




As empresas de comunicação convencionais e consagradas (que agora vão recebendo o apelido de P.I.G.) vem contribuindo, a meu ver, desde o golpe de 64 com a ignorantização (esta palavra não existe mas não achei outra mais clara) sistemática do povo brasileiro.

Mas ao que parece erraram na mão. Passaram do ponto. Por mais que escondam as falcatruas do PSDB e sublinhem as do PT, estas empresas estão vendo com desespero que a Dilma vai dar uma lavada em 2014.

Não sei se to dizendo besteira, mas acho que além dos ignorantes que acreditam nestas empresas, também existem os mais ignorantes ainda, que NÃO TÃO NEM AÍ pra qualquer notícia. E estes vão reeleger a presidente, e certamente devem ter suas razões. Acho que deveria ser feita uma pesquisa para avaliar este fenômeno. Tem uma camada imensa da população que está imune ao P.I.G. Pra quem não sabe, P.I.G. significa Partido da Imprensa Golpista.

É o feitiço virando contra o feiticeiro, e assim, a Dilma só não ganha se matar a mãe.

Você pode fazer de seu servo um burraldo, mas se passar da conta ele vai deixar de entender suas ordens. É DE DAR RISADA.

FC – 2013

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domingo, 28 de setembro de 2014

A MANIA DE VERA


Eles estavam na cama havia um bom tempo e a coisa tava pegando fogo.

Se beijavam sofregamente, então James sugeriu uma outra posição e quando Vera saiu de cima dele e apoiou a mão no colchão, sentiu que havia um farelo e bateu no lençol para afastá-lo. O gesto saiu automático e ela viu que tinha feito bobagem.

O que acontece é que James detesta que ela faça isto no meio da transa. Espanar os farelos. Já tinha pedido tantas vezes a ela que não repetisse o ato. Mas não. Vera sempre acha farelos e espana com as mãos.

- Taquíuspariu, Vera! De novo?

Vera acompanhou com o olhar marido levantar, vestir a bermuda, a camiseta e o chinelo e sem falar mais nada, sair bufando pela casa. A mulher fechou os olhos, quando a porta da frente bateu com estrondo.

Pena, pensou ela. Tava tão bom, mas não deu pra evitar. Era um farelo grandinho, aquele. Espanou, ora! Agora Vera sabe que ele vai tomar um par de cervejas na carrocinha do Norton até que passe a brabeza.

Daqui a pouco ele volta e vão continuar de onde pararam, mas por via das dúvidas é bom ir até à área e trazer a feiticeirinha pra não haver mais perigo, e enquanto isso, enquanto ele não volta, bora ler mais umas páginas do 50 tons. Pra dar uma pressãozinha.



FC


sábado, 27 de setembro de 2014

O PALPITE




Floriano, a partir de certa idade, passou a apresentar uma rara particularidade. Criava palpites sobre a morte das pessoas.

Isto é: Alguma misteriosa intuição lhe apontava claramente aqueles que iriam morrer antes ou depois dele, e um simples e breve contato já lhe bastava para ele tivesse esta antevisão. Era só olhar para a pessoa e Floriano já sabia.
 

Depois de um certo tempo, Floriano já havia mapeado toda sua gente. A mãe morreria antes e isto tinha lógica, o irmão depois. Airton, seu amigo de infância depois, o Zeca da venda antes, o mecânico Manuel depois. Quanto a seu sobrinho Ezequiel, lhe palpitou que morreria antes e isto o chocou porque o menino era jovem, mas para aumentar a certeza de que suas visões tinham fundamento, no verão seguinte o rapaz acabou caindo do cavalo numa prova de cancha reta e quebrou o pescoço.

Isto foi o primeiro grave indício de que havia algo de muito concreto em suas premonições. Com o correr do tempo, Floriano só aumentava suas certezas. Aqueles que ele achava que iriam antes, foram se indo mesmo.

Os anos foram passando e numa noite quente de janeiro, Floriano despertou sobressaltado, com o assunto na cabeça. Incomodado, deixou a cama e acendeu todas as luzes da casa. Ele podia fazer isto já que vivia sozinho, pois nunca quisera formar uma família devido a esta sua mórbida loteria.

Buscou papel e lápis e começou sofregamente a fazer o levantamento de como andava a coisa. Escreveu o nome de todos os amigos, parentes, colegas e conhecidos que pode lembrar e quando conferiu novamente a lista com todo o cuidado, chegou à espantosa conclusão de que o próximo seria ele. Nenhum da lista iria antes.

Terrificado pela grave evidência, Floriano foi até a cozinha, abriu uma garrafa de vinho, serviu-o num copo barato, acendeu um cigarro, e sentando num banquinho, se pôs a pensar.

- Quanto me falta? Pode ser daqui a pouco, amanhã ou no ano que vem. Mas está escrito. Serei o próximo.

Passou o resto da noite fumando, embebedando-se e falando sozinho até adormecer debruçado sobre a mesa.

Na manhã seguinte despertou muito cedo e pensou que deveria buscar uma maneira de saber quanto tempo ainda tinha pela frente, ou quem sabe, até descobrir, por fim, a razão desta sina.

Nunca havia contado isto a qualquer pessoa por ter medo de ser julgado insano, mas agora que sabia estar marcado como “o próximo da fila”, saiu desarvorado de casa em direção ao centro, pois teve a ideia de procurar o Pai Onir, um pai de santo que recém havia chegado à cidade.

Estacionou o carro na praça e caminhou apressado pela avenida principal em direção ao terreiro. Estava decidido a tirar o pai de santo da cama e contar-lhe sua mazela, quando escutou um grito vindo da calçada oposta e viu que cruzava a rua em sua direção um homem baixo e gordo, e pelo largo sorriso que esboçava, Floriano pode reconhecer o Gordo Lima, seu colega de ginásio.

– Floriano, amigo velho, há quanto tempo não te vejo!

Foi com exagerada alegria que Lima abraçou Floriano, que aparvalhado e irritado por ter sido interrompido em seu aflito trajeto, não esboçou reação alguma, e apenas, como era de costume, fixou seus olhos no antigo colega para sentir o palpite, mas surpreendentemente isto não aconteceu. Pela primeira vez, depois de tanto tempo, Floriano não foi assombrado pela sensação nem do antes, nem do depois. Nada. Vazio.

O gordo falava sem parar, mas Floriano a nada ouvia, tomado pela clara possibilidade de que seu feitiço houvesse desaparecido. Não podia acreditar. O palpite não veio!

Então devolveu o abraço àquele gordo suado, do qual nem gostava muito, pois Lima era dedo duro na escola e também não dava cola para ninguém, e possuído que estava por um novo e arrebatador entusiasmo, proferiu, sem saber que seria, sua derradeira frase.

- Lima! Temos de comemorar nosso encontro com uma cervejada.

Gordo Lima, sem desmanchar o sorriso, já ia responder algo, mas um forte ruído chamou sua atenção, obrigando-o a olhar para cima, e quando Floriano seguiu seu gesto, os dois, ainda abraçados, puderam assistir, impassíveis e estarrecidos, à grande marquise do velho hotel Rex desabando sobre eles.

Fernando Corona – RJ - 2013


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

FRAGMENTOS E BOBAJADAS

Já faz algum tempo que andei passando pelo clube que frequentava quando era adolescente. Fui jogar tênis ou algo assim e na saída encontrei um tenista que conhecia desta época e não via fazia mais de 20 anos. Tivemos uma conversa curta sobre trivialidades e nos despedimos. Quando eu já havia caminhado 10 passos, escutei sua voz me chamando, como se houvesse esquecido algo. Ele aproximou-se e, com voz sussurrada, me perguntou.

- Mas e aí, Fernando? Continua beliscando aquele sonzinho?

Depois de responder à questão, desci a ladeira da Faria Santos rindo sozinho. Ele deve ter lembrado que eu já tocava piano naqueles tempos e me encaminhava ao profissionalismo. Quando cheguei em casa comentei o ocorrido com minha mulher que divertida tascou.

- Tu devias ter dito pra ele; não apenas beliscando, mas dando pontapé, soco, voadora, gravata...

* * * * * *

Minha avó se referia àquelas pessoas que tinham por hábito falar sobre suas relações importantes e poderosas da seguinte forma;

- Este idiota fica por aí, peidando com o cu dos outros!

Frase que ouvi quando passava por uma mulher que falava ao celular;
- Então eu disse pra ele. Não é por estarmos casados que eu deva ter tesão por você.

Outra expressão sulista de que gosto muito.
- Quando falei tudo isso pra ele, ele nada respondeu. Ficou me olhando com uma cara de cachorro que lambeu graxa.

* * * * * *

CLASSIFICADOS REAIS

Vendo TV a cores ano 96. Puxa um pouco para o verde.

Vendo moto Yamaha 125 cc. Estado duvidoso.

Troco lindo cão Pitbull, um tanto bravo, por mão ortopédica e perna mecânica.

* * * * * *

Me juraram que foi verdadeiro o seguinte diálogo que um dia teria acontecido nas escadarias de entrada da prefeitura da cidade de Santana do Livramento.

- Mas tchê, me explica o seguinte. Se a Terra gira em torno de um eixo, e a Terra sendo grande deste jeito, como é que este eixo não quebra?
- Mas tu é burro mesmo. Tu não sabia que a Terra é um "grobo" que "frutua" no Oceâno Atlântico?

* * * * * *

Acho que a palavra “felicidade” é a que mais possui tentativas de definições. Algumas acho muito interessantes.

A cantora Maysa teria dito; “Felicidade é coisa de gente burra”.

“Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho”. Esta é do Gandhi.

Dylan falava que; “A felicidade não está entre minhas prioridades”.

Pensando sobre isto, até criei uma frasezinha; “Felicidade é quando a gente finalmente levanta da cadeira do dentista”.

E só mais uma que pensei logo a seguir.

“Tudo o que vem depois deste ato também é ouro, mas felicidade mesmo, mesmo, quer saber? Felicidade é o primeiro beijo”.

E pra finalizar, só pra poder usar uma destas expressões histéricas da moda virtual, aviso aos navegantes;

EU NÃO ME REPRESENTO!

Fernando Corona - RJ - 14



segunda-feira, 22 de setembro de 2014

TRÁGICOS DESTINOS – semelhantes e distintos

Patrícia não imaginou que sua vida iria tomar outro rumo a partir naquele dia. Saiu de casa para ir a um simples jogo de futebol e no dia seguinte seu rosto estava nos jornais.

Patrícia, como a imensa maioria das pessoas, não possui uma educação apurada. Se tivesse esta educação, possivelmente optaria por não ir assistir ao time muito ruim do Grêmio, formado por péssimos jogadores que injustamente recebem 500 mil por mês em sua média, conduzidos por um treinador que já parece possuir ideias que se demonstram velhas.

Se tivesse uma educação apurada, Patrícia talvez se negasse a gastar seu dinheiro em mais uma partida do decadente futebol brasileiro.

E se tivesse esta educação apurada, Patrícia certamente não se somaria ao coro, não chamaria o goleiro do Santos de macaco, porque este ato não tem o mínimo sentido.

Educação apurada serve para que nosso olhar sobre o mundo seja mais responsável.

Educação apurada serve para que questionemos constantemente mais, e assim escolhamos melhor nossos atos, nossas palavras, nossas decisões e condutas. Patrícia, como a maioria de nós, nada sabe. E nem sabe que nada sabe. Vai pagar caro por não saber.

O americano Donald Turnupseed saiu de casa numa tarde de setembro de 1955 e assim como Patrícia, não imaginava que sua vida iria mudar tanto, a partir do momento em que seu carro se chocou de frente com um Porsche que se dirigia à cidade de Salinas e vinha em sentido contrário.

Turnupseed nada sofreu. O motorista do Porsche não resistiu aos ferimentos. Morreu na ambulância. Era o ator James Dean.

Turnupseed não foi considerado culpado, mas foi perseguido até o último de seus dias por ser o causador da morte do maior fenômeno da indústria cinematográfica de todos os tempos. Dean tinha uma curtíssima carreira de 3 filmes, realizados em apenas 18 meses. Tinha assinado um contrato para realizar mais 10 filmes e iria receber quase um milhão de dólares por isto. O maior contrato cinematográfico de todos os tempos.

James Dean morreu, mas penso que a grande tragédia mesmo, aconteceu com o homem que naquela tarde deu a partida em seu Ford, como certamente fazia todos os dias, e tomou a estrada. Talvez até estivesse assoviando sua canção preferida no momento do choque.

Ele e Patrícia estavam vivendo suas rotinas quando de repente a vida lhes pregou uma peça e por motivos diferentes foram execrados pela opinião pública. A opinião pública é impiedosa e covarde, pois não tem rosto. Ela não poupa, não perdoa e muitas vezes não deixa cair no esquecimento. Jamais.

Fernando Corona – 2014/setembro – PoA

“Uma vida não questionada não merece ser vivida.” PLATÃO


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sábado, 20 de setembro de 2014

A MÚSICA E O HOMEM



A manhã avançava sem pressa e a Música serpenteava pela casa deslizando pelas paredes, esgueirando-se com agilidade por entre os móveis e fluindo até a janela de onde podia ver um sol que a tudo dourava e um povo moreno e amarrotado que jorrava iluminado das esquinas. A Música gostava de ver toda esta gente passando, gente que bebia da música de infinitos tipos e formas. Então a Música cintilou brevemente no spray deste sol e flutuando rente ao chão, tomou a direção do quarto do Homem que ainda dormia pois na noite anterior havia recebido a Mulher e os dois derrubaram uma garrafa de vodka entre tantos abraços e palavras murmuradas e mãos que buscavam incessantemente as grandes descobertas e a Música assistiu a tudo isto com alegria pois gostava de ver o Homem tomado por esta paixão que lhe deixava à flor da pele e quando tocava este homem que agora amava um pouco esta Mulher, as notas soavam mais densas e coloridas e dava gosto ver aquela Mulher bonita tão atenta, entre um cigarro e outro, escutando a Música tocar suavemente o Homem madrugada adentro até o momento em que a Música decidiu parar e foi brincar nos desvãos do telhado pois já era hora de deixar os dois recomeçarem as carícias que os levariam até o ponto em que suas vontades se dissipassem por completo num gran finale sem maestro e por isto o Homem dormia até mais tarde e também porque a Mulher se havia ido antes de chegar o dia, já que pertencia a outro homem que por sua vez era tocado por outra música.

Nesta manhã a Música não tinha pressa e ficou zanzando lentamente pelo quarto até o momento em que viu que os olhos do Homem se abriram e ela sabia que ele era preguiçoso e iria levar ainda algum tempo reorganizando pensamentos, lembrando-se dos flashes daquela Mulher tão nua e tão sinuosa, imaginando que já seria quase meio-dia e tinha de estudar piano, além de outras pequenas obrigações tão maçantes como ir ao supermercado e ficar entre as prateleiras devaneando sobre música, a Mulher que era quase sua e a eterna dúvida sobre o que comprar. A Música então deixou o quarto do Homem e se aproximou novamente da janela por onde saiu e foi tremular pelas varandas dos prédios para quem sabe ouvir a música da vizinhança, dos carros de som, a música que vinha das crianças pequenas e outras tantas músicas que assim como ela, eram tocadoras de homens e mulheres e esvoaçou pelas paredes de velhos tijolos à vista e bisbilhotou quartos e outras janelas sabendo que era preciso deixar o Homem vazio de música nestes primeiros momentos que seguiam ao despertar e então dançou um largo tempo entre ensolarados galhos de árvores até que se cansou disto quando lhe voltou a vontade de tocar o Homem e retornou à sala ao mesmo tempo em que ele saia da cozinha ainda mastigando, trazendo sua vermelha xícara de café e quando sentou ao piano a Música pode toca-lo apenas a mão direita, a mão que sobrava, fazendo soar pelo apartamento algumas poucas notas entrecortadas por acordes vacilantes pois o Homem destinava ainda alguma atenção ao café que permanecia quente e poderia lhe queimar e com o olhar perdido no vazio não desconfiava do que a Música já sabia que logo seriam interrompidos pelo telefone e do outro lado da linha uma voz convidaria o Homem para tocar música para muitas pessoas e a Música ficou feliz de ver o Homem ao telefone sorrindo assim tão lindo pois iria tocar para uma plateia que aplaudiria muito, uma plateia que nem por um instante poderia imaginar que não era o Homem que tocava a Música e sim exatamente o contrário.



Fernando Corona – RJ – 2013





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terça-feira, 16 de setembro de 2014

PRI


Madame está fazendo as unhas e Priscila, nervosa como sempre, gane impaciente à sua volta. Priscila é uma chihuahua de 25 cm de pura impertinência e arrogância. Igor que o fale, ou que o mie, pois a cachorrinha lhe traz a vida insuportável.

Igor é um gato Persa imenso, peludo e tranquilo, no entanto, Priscila passa o dia latindo em sua direção, fazendo com que o bichano busque paz nos cantos mais recônditos do apartamento luxuoso.

Mas como eu conto, madame faz as unhas dos pés e das mãos e quando acha que o trabalho está pronto e do seu agrado, levanta da cadeira e se dirige à cadelinha, falando-lhe com voz de criança.

- Lindiazinha da mamã. Terminei, cuxicuxi. Ponto, ponto, agora nós vamos pra piscina, vamos, Prizinha?! Vamos, amori?

E madame calça as pantufas, pega a bolsa de protetores e toma o rumo da escada em caracol que leva até à cobertura. Priscila vai atrás, tentando morder os calcanhares de Madame, que finge um chorozinho e diz que Priscila é malvadinha e vai subindo as escadas cantando um pagode da hora, seguida de perto pela cachorrinha que parece estar sempre à beira de um ataque de nervos e sobe os degraus com tensa dificuldade, às vezes patinando indecisa, voltando atrás, e logo retomando a difícil e penosa subida dos altos degraus, e Madame, já no alto do  patamar, se volta para receber a cadelinha quando assiste com pavor que esta, no derradeiro salto, falseia a perninha que escorrega, lhe tirando o equilíbrio e ela quica dois degraus abaixo e despenca no vazio e Madame escuta o ruído surdo que faz o corpinho dela ao encontrar a superfície do carpete do andar de baixo e Madame se lança pela escada aos berros, chamando por Neide, a criada, que chega assustada da cozinha e as duas encontram a bichinha durinha, imóvel, e Madame segura o corpinho dela e grita que Ai, meu Deus, Prizinha, acorda Pri, fala com a mamãe e Neide pergunta Será que tá morta, dona? E Madame diz que não, que ela ainda está quentinha e que seria uma boa idéia se Neide fizesse uma respiração boca à boca na Prizinha e rápido, mas Neide diz que não sabe o que é isto e Madame impaciente grita que é muito simples É como um boquete, Neide, só que ao invés de puxar, assopra e Neide fica de olhos arregalados sem resposta e Madame vocifera; Que é isto, Neide? Toda mulher já fez um boquete na vida, não fica me olhando deste jeito, e Neide responde; Mas dona, eu sou evangélica, não posso fazer isto, mas Madame possuída pelo desespero sobe o tom de voz ao máximo e ordena que Neide faça e faça logo e Neide vacilante coloca quase toda a cabeça da cachorrinha na boca e se põe a soprar ao mesmo tempo em que revira os olhos em direção à Madame que está transtornada e é a própria figura do Demo que obriga os outros a fazerem coisas tão feias e Madame entre choramingas, faz massagenzinha cardíaca no peito da cãzinha, usando os indicadores e não deixa de notar que suas unhas estão muito bem feitas.

Se você leu até aqui e ficou preocupado com Pri, fique tranquilo. A história acaba bem.

Priscila ficou em coma por 3 dias devido a um traumatismo craniano. 5 dias de UTI e mais 5 em observação, e estes 10 dias de internação custaram uma baba, mas Madame pode e pode muito.

Priscila já está em casa, bem de saúde, mas parece ter mudado um pouco seu temperamento. Não late nem gane e surpreendentemente se tomou de amores por Igor, que no começo ficou um pouco desconfiado, mas agora, quando sente que a cadelinha se aconchega a ele, manda um olhar mortiço que se perde no infinito e até ronrona.

Madame, por sua vez, não sai do telefone, contando às amigas a sua quase tragédia e diz acreditar que Priscila ficou sequeladinha, coitada E você acredita que ela ficou em estadinho de coma por três dias? Na UTI, viiiiu?

Conta também que Neide, muito envergonhada, havia pedido demissão logo após o evento, mas voltou atrás quando Madame lhe ofereceu o dobro do salário, afinal de contas, Neide merece tudo, pois foi corajosa e heroica com o seu simulacro do herege ato. O boquete. Invertido e salvador.

Fernando Corona - RJ - 2014




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domingo, 14 de setembro de 2014

O MARTELO, O DOMINGO...

Agora há pouco, estava lembrando que eu desenhava um pouco quando era pequeno. Só desenhava rostos. Não me interessavam casinhas, sóis, cachorros ou carros. Só desenhava caras e gostava mais dos perfis. Meu avô organizou dois álbuns de desenhos meus que eram basicamente rostos vistos de lado.

Isto me fez lembrar uma frase que li por aí; “Quando o único instrumento que você tem é um martelo, todo problema que aparece você trata como um prego”. Boa, não é? É do Mark Twain.

Muitas vezes acaba ficando assim. Como se você tivesse apenas um martelo. É a limitação que a gente sente, uma  falta de mais amplos horizontes. 


Tem muita gente boa por aí que dá a impressão de só ter um martelo.Tem um mega campeão de tênis que, nas entrevistas, me parece só saber responder perguntas referentes ao tênis. E tem também um craque de futebol mundial que vai no mesmo plano. Acho que estes dois só tem um martelo na vida, mas que baita martelo, não é não?

A lembrança de desenhar também me trouxe a imagem da criança desenhando. A criança geralmente bota a língua pra fora, num dos cantos da boca. Mafalda e sua turma desenham assim. Quino é um gênio. 


Também me veio à mente a borracha. Dia destes, um colega de rede jurou ter gastado uma borracha até o fim e ficou surpreso com isto. Ele afirma que borracha nunca se gasta, sempre se perde. É como guarda chuva. Sempre se perde, e todo mundo perde e ninguém acha um guarda chuva. E isto me fez lembrar também de uma historinha do Barão de Itararé que vai assim;

O homem cumprimentou o outro, no café.
-- Creio que nós fomos apresentados na casa do Olavo.
-- Não me recordo.
-- Pois tenho certeza. Faz um mês, mais ou menos.
-- Como me reconheceu?
-- Pelo guarda-chuva.
-- Mas nessa época eu não tinha guarda-chuva...
-- Realmente, mas eu tinha...


E assim é o domingo. Uma corrente de pensamentos que vão se interligando sem fim. Acho que o domingo foi feito exatamente pra isto. Pra pensar. Pra refletir.  Por isto a maioria das pessoas não gosta muito deste dia. O domingo vai nos moendo sem pena e se por algum descuido você escuta a voz do Faustão ao entardecer misturada à alguma locução de futebol, dá um ruim, não dá?

Bueno, com esta me vou. Além do mais, me mudei, casa nova, tem um ou dois quadros pra colocar na parede... Nada que um martelo e alguns pregos  não resolvam. 


Bom domingo pra vocês, gurizadinha.



FC

25/05/14



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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

PAMPAAAAAAAAAA!!!!!



Tive a sorte de conhecer e tocar com Roberto Menescal num concerto que Pery Ribeiro realizou em São Paulo, já faz alguns anos. Nesta época eu acompanhava Pery e isto também era uma grande sorte, mas o assunto a seguir não versa sobre música.

Estávamos, nesta ocasião, almoçando num restaurante e comíamos peixe, e talvez por isto, tenhamos começado a conversar sobre pescaria, ou quem sabe o assunto tenha se criado a partir do fato de Menescal praticar pesca submarina, não sei ao certo, sou apenas mais um músico ao qual a memória vive traindo, mas lembro de que num determinado momento do papo, perguntei a ele qual, no seu entender, seria o peixe mais saboroso. A resposta foi surpreendente. Menescal respondeu que o Pampo é o mais gostoso peixe entre tantos que já provou.

Ora, fiquei surpreso porque o Pampo, que no sul chamamos de Pampa, foi marcante na minha infância e era o peixinho mais comum dos mares sulistas. Geralmente se podia vê-lo na beirinha, diminuto e prateado, sozinho ou em pequenos cardumes, e naquela época não imaginávamos que ele pudesse alcançar até 3 kg na fase adulta.

Meu primos e eu tínhamos uma espécie de tela pra mosquito que usávamos como redinha de repuxo. Nas praias do Rio Grande do Sul, o repuxo na beira é longo, então, como a tela tinha orifícios pequenos, tínhamos de fazer muitíssimo esforço pra aguentar aquela correnteza toda passando por ela.

Antes que chegasse a onda seguinte, bravamente levantávamos a redinha, que vez por outra ficava repleta de Pampinhas e então, na maior felicidade, gritávamos em coro e com voz grossa.
PAAAAAAMMMMMMPAAAAAAAAAA!!!!!

Logo em seguida vinham os versos;
- Hoje, o mar tá cheio de
PEIXE (coro)
- O peixe tá cheio de
TRIPA (coro)
-A tripa tá cheia de
MERDA (coro)

O que acontecia é que os adultos não queriam saber de limpar aquele montão de peixinhos e era tarefa nossa, quando chegávamos em casa, cortar nadadeiras e espremer os bichos, pras tripas saírem pelos respectivos cúzios. Neste momento da espremeção, voltávamos a entoar os cânticos relatados acima. Foi por aí que começou minha admiração pela pescaria.

Mais tarde, já adulto, comprei uma rede de 25 metros que tinha o nome pomposo de “rede itinerante”. Levava chumbo embaixo, boias em cima e uma corda longa, presa a ela. Eu caminhava léguas à beira mar com minha rede que navegava ao sabor da corrente e varria o oceano. Peguei muito peixe bonito. Papa Terra, Tainha e até Robalo.

Pescava também de carretilha, e passei pro meu filho este gosto pela pesca. Lembro de uma tarde em Atlântida que pescamos mais de 80 papa terras. O guri (devia ter 8 ou 9 anos), ficou no auge! Era só lançar a chumbada e imediatamente começavam as fisgadas. Quando recolhia, vinha às vezes um trio de Papas gordinhos que o Tatolino, que já era fortão, tirava com esforço e alegria da água, pra total orgulho do velho. Foi uma tarde mágica.

Volta e meia paro pra pensar sobre este esquisito encantamento que a pescaria exerce sobre a gente. Acho uma sensação fantástica saber que existe um animal preso, do outro lado da linha e isto deve ser alguma mensagem que vem lá da pré-história.

Já presenciei, em mais de uma ocasião, uma pessoa sentir pela primeira vez em sua vida a fisgada de um peixe. O olho brilha. É uma espécie de feitiço. E então quando esta pessoa consegue tirar com sucesso o peixe da água, se deslumbra com o fato, e quer repetir a proeza imediatamente. Não é raro, que na semana seguinte, resolva comprar, entusiasmada, um equipamento para si.

Quando você vê estes adesivos nos carros, que dizem “TÁ NERVOSO? VÁ PESCAR”, pode ter certeza de que aí está escrita uma grande verdade.
É uma espécie de meditação. Você vai pescar e quando vê, passou várias horas sem lembrar de nenhum problema. O pensamento fica só ali, naquele universozinho bacana de iscar, lançar, ficar de olho na linha, cavar a areia pra achar uma isca diferente. A cabeça esvazia e você descansa.

Tem gente que não entende, acha uma perda de tempo. Tem gente que, como eu, curte e tem gente que é viciada. Tenho um conhecido que aos domingos, acorda às 5 da manhã e vai pros pilares das pontes do Guaíba pegar Piava na época da desova. Num inverno destes, o balde caiu na água, e ele, na tentativa de recuperar o utensílio, perdeu o equilíbrio e mergulhou no rio com jaqueta e tudo. Se não fosse uns canoeiros que passavam pelo local, teria morrido. Pensam que ele foi pra casa? Nada. Pediu pros caras roupa emprestada e ficou de cueca pescando, até eles voltarem com bermuda e moleton. Tudo pelas Piavas gordas.

Atualmente, há uma corrente contra o abate de qualquer espécie animal, e a pescaria também tem sido condenada. Isto tem me feito pensar um pouco e dia destes li uma frase sobre o assunto; “Ah, se o peixe gritasse, quem se atreveria a pescar?” Frase dura, não é? O peixe não expressa nada, ou pelo menos, nada que possamos entender. Então parece bem menos violento fisgar um peixe do que dar um tiro numa codorna. Eu pesco porque meu pai pescava e me transferiu a intimidade com esta atividade. Acho que não teria coragem de caçar porque a caça não fez parte de minha formação.

Eu sonho, constantemente, com improváveis pescarias. Muitas vezes dentro de casas, ou pátios, pesco em fios de água, piscinas ou ralos, e nestes sonhos sempre pego peixe. Coisa de maluco, né?

Mas então é isso. Já faz tempo que queria falar um pouco sobre a pesca, esta misteriosa atividade que relaxa, dá prazer e faz sonhar, e foi dia destes, quando estava na Praia do Flamengo com a linha na água e peguei um Pampinha, que lembrei do assunto com o Menescal. Era um Pampa bonitinho, mas devolvi-o ao mar. Claro que, não sem antes gritar;

PAMPAAAAAAAAAA!!!!!

Fernando Corona - RJ - 2014




segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A CURA DA MORTE




Foi quando estava me aproximando dos 30 anos que descobri que eu não seria eterno, porque até então, com 20, ou pouco mais, eu enxergava um horizonte sem fim pela frente. Eu realmente não pensava na morte. Esta aterrissagem nos 30 me assombrou de verdade. 

Quando cheguei aos 40, só tive um pensamento. PUTZ, AGORA FUDEU! Mas não sofri. Me senti muito bem ao entrar nos “enta”. Pensei que, "já que agora fudeu", era a hora de falar e fazer o que me desse na telha, sem me importar muito com a opinião alheia e então comecei a entender que é muito verdadeira a máxima de que a vida começa aos 40. Aliás, a Mafalda tem uma frase boa sobre o tema: Se a vida só começa aos 40, por que viemos com tanta antecedência?

Quando me aproximei dos 50 não foi tão relax. Também tive apenas um pensamento definidor. AGORA FUDEU MESMO.

Acho que os 50 são uma espécie de duro marco, tipo “to vivendo os últimos fiapos de juventude e depois disso vai ser só corocagem” e tragicamente desconfiei que a vida começa aos 40 e termina aos 50. Fiquei meio doidão por algum tempo, mas eis que de repente começaram a cair algumas fichas sei lá de onde e agora vejo brilho por todos os lados.

Levei mais de 50 anos para perceber coisas tão simples. É um milagre que estejamos por aqui, e então tenho me sentido lisérgico que dá até medo. Uma vontade desgraçada de viver e também vontade de trazer os meus junto comigo pra dividir isto e quem sabe até ensinar. Há uma serenidade boa que vêm vindo com esta maturidade.

Dia destes li um artigo que falava que o homem macho, em sua grande maioria, sai da adolescência aos 54 anos de idade. É um artigo sério.

Sabe que os 54 foram, para mim, o começo desta curva ascendente? E dá bem certinho. A vida começa aos 40, a gente vive 14 e fica adultinho aos 54. Não é?

Tenho um amigo médico que também é músico que se chama Colombo Cruz. O Colombo é homeopata e trabalha com medicina ortomolecular. Andei encontrando o Colombo numas festas e ele parece, cada dia que passa, mais rejuvenescido. Falei pra ele que quero tomar disso que ele anda tomando, e na última festa chamei-o num canto e aconselhei.

- Colombo, se você continuar assim, vai perder todos seus pacientes. Ninguém vai querer ser atendido por uma criança.

Ele deu risada, e logo em seguida, dando segmento às brincadeiras, falei para quem estava por perto.

- Olha só! Colombo descobriu a cura da morte!

Desde então esta expressão me acompanha um pouco. Será que algum dia o homem vai conseguir frear o envelhecimento celular? Já pensou? Se não formos atropelados ou morrermos afogados podemos ficar por aí mais de 500 anos.

Acho que seria o fim da humanidade, que só caminha devido à urgência que temos de fazer as coisas antes de morrer. Se já deixamos pra amanhã o que podemos fazer hoje, imagina se nos tornarmos eternos.

Tenho aproveitado muito cada um destes meus atuais dias. Tenho pensado muito no mistério da vida e se penso na vida não há como não pensar na morte e em todo grande mistério que ela também tem e acho que sempre terá. A morte tem pautado meu dia a dia e não tenho vergonha de dizer. E afirmo que isto é um puta combustível.

Não acredito que vamos descobrir algum dia, o que acontece com a alma quando o corpo fenece. Então por isto, às vezes falo com os amigos sobre que seria legal se realmente o homem descobrisse “A CURA DA MORTE” e sempre tem alguém pra me dizer que isto é bobagem, que chega uma hora que a gente se cansa e quer ir embora mesmo.

Eu não sei não. Sei lá. Acho que eu gostaria de ficar por aqui por uns dois mil anos. Enquanto houver panturrilhas pra ver caminhando pra lá e pra cá, acho que quero ficar. E se não for pelas panturrilhas, fico só pra implicar, ou usando um verbo sulista mais legal ainda. Fico aí pra a eternidade. Só pra inticar.

Fernando Corona – 8/14 - RJ



domingo, 7 de setembro de 2014

DAQUI, DE ONDE AGORA ESTOU

Daqui, de onde agora estou sentado escrevendo, ouvi muita coisa esquisita que aconteceu pela Correa Dutra, que faz esquina com a movimentadíssima rua do Catete.

Ouvi, por exemplo, um assassinato, às 7 da noite. Foram 5 tiros no peito de um cara que nem era o cara. Quando cheguei na janela, vi o assassino trapalhão, de capacete, subindo na garupa de uma moto e a moto se misturando ágil ao trânsito encardido. Morte encomendada. Por causa de mulher, foi o que se falou muito pelo bairro e como se não bastasse o motivo torpe, foi morte do cara errado.

Daqui, também ouvi uma mulher ao telefone. Era moradora do prédio em frente e falava muito alto.

- Roberrrrrto. Que pessoal é este? Que pessoal é este que você vai tomar chope, Roberrrrto. Me conta, Roberrrto. Que pessoal é este?


E ficou nesta ladainha. Acho que o Roberrrrto ligou pra casa e disse que ia tomar um chope com o pessoal e a mulher já devia saber quem era esse "pessoal". Ela ficou puta. Num momento dado disse.

- To indo aí, Roberrrrto.

Fui pra janela pra ver que tipo de mulé era, mas ela desistiu, pois logo ouvi sua voz novamente berrando.

- Você vai ver, Roberrrto! Quando eu cair na putaria, se prepare.

Dizem que o Rio de Janeiro é a cidade do corno, dizem que ninguém escapa de levar um chapéu. Será que escapei? Tenho severas dúvidas.

Uma cena que vi repetidas vezes na rua foi o cara na frente da menina vociferando algo tipo:

- Porra! Liguei pra você 12 vezes e você não atendeu, caralho. Onde você tava?

A menina, com a maior cara de pastel sem saber o que responder. Bem assim. Casais jovens. O Rio é uma chapelaria.

Daqui, de onde agora estou escrevendo estas bobagens, certa manhã comecei a escutar uma discussão. Era entre o dono da banca de revistas e uma mulher que parecia furiosa e enchia o cara de desaforos. Gritava, com um sotaque da Bahia.

- Você é um palhaço, um idiota. Lá em Salvador faço isso sempre e nunca deu defeito, você é um imbecil.

Depois fiquei sabendo o que era. A mulher tinha por hábito entrar na banca, abrir o jornal e lê-lo. Muita cara de pau, não é não? O jornaleiro perdeu a paciência com razão e resolveu parar de vez com aquilo.

Daqui desta janela também vi de camarote os black blocs passando e quebrando bancos. Vi também as pessoas caminhando tranquilamente em meio à quebradeira. Tive a impressão que certas pessoas nem olhavam para o que estava acontecendo. Acho que por aqui há uma espécie de anestesia geral.

Dia destes, numa capa de jornal, vi uma foto emblemática. Em primeiro plano, um agente do Bope agachado, portando um fuzil, protegendo-se atrás da quina de um edifício da comunidade, e em segundo plano, a poucos metros de distância, uma senhora, carregando uma sacola de compras, caminhando com a maior naturalidade num espaço que supostamente poderia ser cruzado pelas balas.

Logo que cheguei ao RJ, ficava assustado com tanto ruído de bala. Depois, com o tempo, fui me acostumando com os tiroteios fantásticos. Talvez por causa disto, tenha vazada a notícia de que as provas de atletismo da Olimpíada não vão poder ser realizadas na Cidade Maravilhosa. Motivo: Nunca vai se saber qual é o tiro que dá início à prova. Boazinha esta, né?

Daqui, de onde agora estou sentado, já ouvi muitos discursos de loucos desvairados, muita batida de carro, muitas brigas com gritos e garrafas quebradas, muita música brega e muito funk passando, muito samba bom e muito samba ruim às 5 da matina, muitos casais trepando, muitos casais saindo no tapa, muita buzina ao mesmo tempo, na orquestra dos homens que sentem ódios diversos.

Daqui, de onde agora estou sentado, escuto o Brasil gritando. Nascendo e morrendo todos os dias.

Fernando Corona – 8/14 – RJ




sábado, 6 de setembro de 2014

RECEITA ARRISCADA





        Estava em casa, estava faminto, era fim de tarde, que às vezes esqueço de almoçar, e tinha uma preguiça danada de ir ao mercado, então queria me arranjar com os parcos recursos que tinha e descobri uma lata de atum, e atum com massa sempre dá certo, mas quando abri a geladeira, taquíuspa, no tomatoes, no ceboloes, apenas um sinistro pimentão, e vai assim mesmo, mas molhar com o quê?, com vinho, é claro, mas só? então tentei novamente a geladeira e me deparei com um pote de geleia de pimenta e por que não? às vezes é preciso deixar a covardia de lado nesta puta vida, é preciso arriscar, e não tive medo de refogar desta forma, com azeite de oliva, vinho, pimentão picado e mais uma boa colherada desta geleia que lhe falo, e no final dei uma última busca pela cozinha, e isto me fez achar um pedaço de Gorgonzola sobrado, que de tão antigo já começava a criar cabelo, ôh rapazinho fedorento, e lhe cortei a peruca e o derrubei na frigideira em pedacinhos e por certo os aromas daquela notável combinação já causavam inveja na vizinhança e por sorte a massa era Barilla, que sozinha já é tudo, e sentei-me à mesa como um nobre e solitário cão, que, ainda que severamente tomado pela raiva da fome, teve a humildade de agradecer a fortuna de também haver um bom queijo ralado e um estupendo azeite para jogar por cima de todo aquele duvidoso molho, mas lhe digo que passei muito bem, tão bem que guardei esta receita arriscada a 7 chaves, há 7 anos, e só agora a estou revelando porque hoje tenho ganas de escrever um pouco e me falta assunto, então aí está, mas desconfio que ninguém vá ter a devida coragem de segui-la, de correr tal risco, assim como eu corri, pois naquele fim de tarde, no momento de levar a primeira garfada até à boca e sentir o agridoce da exótica mistura cerrei os olhos e me senti lançado a um mundo longínquo e desconhecido, quem sabe um vilarejo no coração da Índia ou talvez até um pouco mais além, um lugar tão raro que era, ainda lembro, acho que era um pouco mais além, além da Índia.



Fernando Corona – 2014 – RJ



sexta-feira, 5 de setembro de 2014

RECADO PRAS GURIAS


Por estes dias, tenho tentado divulgar minha página de textos e nestes contatos virtuais com pessoas que não conheço, tem acontecido bastante uma coisinha engraçada. Mulé me mandando abraço no final do papo. Acho que elas, ou talvez vocês, no caso, (acho tenebroso este “no caso”, mas no caso fui obrigado a usar) pensam que mandar abraço, em vez de beijo, impõe uma certa distância ou algo parecido com “NÃO ME PAQUERE”, ou não me paquere ainda. Pode ser também “TU É FEIO, JÁ VI TEU PERFIL”, ou “VOCÊ É LOUCO, JÁ ME DISSERAM”, ou “NÃO AMOLA, NÃO CURTO HOMEM” ou o velho e bom “SOU CASADA, SOU UMA MULHER SÉRIA”.

De todas as formas, acho feio mulher mandar abraço. Feio e falso. Se eu encontrar alguma amiga de rede na rua, vou me apresentar e vou sair abraçando. Não é? Ninguém vai poder reclamar, afinal estão consagrando o ato.

Mulher não manda abraço pra mulher, então mulher mandar abraço pra homem acaba tendo, pra mim, um sentido quase obsceno. Eu sinto assim. Eu sei o porquê, mas não consigo explicar muito bem, mas talvez neste ato, ela esteja tocando no assunto, sem tocar. Ninguém estava pensando naquilo. Não ainda.

E também tem a parada de que o abraço sempre soa mais afetuoso que o beijo e isto torna o ato mais nebuloso ainda, afinal nem nos conhecemos.

Então, gurias, se quiserem mandar alguma coisa no final da conversa com quem não é íntimo, mandem beijo mesmo, que não vai dar defeito. Mandar abraço pra homem soa falso. Ou então troquem por algo bem formal, mesmo. Saudações, vênias, salves, loas...ih, acho que to inventando.

FC - 2014 - RJ




https://www.facebook.com/pages/Cor%C3%B4nicas/1408993059364173

terça-feira, 2 de setembro de 2014

PARAÍSO AMEAÇADO

Ary serve batata frita e cerveja com um sorriso na boca.

Ele trabalha num quiosque na Praia do Forno, uma das tantas praias do Arraial do Cabo, litoral norte do estado do Rio de Janeiro.

É uma praia pequena e o acesso por terra é um pouco difícil, pois fica atrás do morro, então há que subir uma boa ladeira e depois descer até se chegar na areia. Mas depois que a gente recupera o fôlego, vê que valeu muito a pena, pois o lugar é lindo demais.

Então é preciso brindar, e é o Ary quem traz a cerveja. E junto com a cerveja traz também sua gentileza e seu orgulho por aquele lugar. Então fala um pouco sobre algumas curiosidades, fala sobre as melhores épocas do ano, fala sobre o vento e a temperatura e estas coisas que a gente presta muita atenção quando são ditas com simplicidade e nobreza.

Ary tem a fineza no jeito e no olhar, mas seu sorriso tranquilo se dissipa quando anuncia:

- Sabe que tão querendo fechar a praia? O prefeito e o Eike Batista têm um projeto de construir 4 resorts aqui. Querem botar um muro ao longo do morro e o acesso  só poderia ser feito pelo mar, por lancha. A Praia do Forno é uma reserva mas eles querem que seja uma praia particular. Parece que tem uns advogados que tão tentando impedir.

Ora, vejam! Querem roubar o mar do Ary. Do Ary e de tantos outros. Ary tá preocupado. Ele gosta muito do seu paraíso. E de seu paraíso nunca estiveram tão perto os vândalos da humanidade.

Fernando Corona - 2013 - RJ


segunda-feira, 1 de setembro de 2014

ESPAGUETE



Eu admiro, profundamente, duas invenções do homem. Uma delas é o protetor solar. Acho fantástico e inacreditável que você possa ficar horas ao sol sem se ferrar.

A outra é o Mat Inset. Um engenho muito simples que ao ser ligado na tomada, deixa os mosquitos enjoadinhos e assim eles param de encher o saco da gente.

Agora descobri a terceira maravilha da criatividade humana: O ESPAGUETE.

Atenção. Não to falando de comida. To falando do espaguete aquático. Ou macarrão. Tanto faz.

Comprei um no Rio de Janeiro, com as cores do meu time, e quando estava entrando no avião rumo a Porto Alegre tive uma séria desavença com a aeromoça que queria que meu espaguete fosse levado para o setor de carga.

Finquei pé, pois não tinha comprado um estojo protetor e tive medo que se danificasse. Então ameacei nunca mais viajar por aquela companhia e a lindinha acabou cedendo. Só assim pude entrar na aeronave com ele.

Como se trata de um espaguete GG, não coube nos maleiros, então ele foi comigo mesmo, na poltrona. Depois de algumas tentativas vãs, consegui por fim, encontrar uma posição adequada para que os dois pudéssemos viajar com um certo conforto, e olha só, que sucesso ele fez!

As pessoas não paravam de olhar, talvez impressionadas com as cores, ou quem sabe pensando que eu fosse algum famoso performer de espaguete.

Agora tenho ido à piscina com a Júlia, minha filha de 11 anos. Ela tem uns óculos da hora e prefere mergulhar. É muito jovem ainda para perceber o universo espagueteano.

Então, enquanto ela mergulha, vou criando ricas e vivas evoluções com meu espaguete, invento movimentos artísticos e os vou batizando com nomes tais como: Espá Ramo, Espá Dachim e Espá Litandosdente. E assim faço, modéstia à parte, o maior sucesso com a mulherada. Acho que chegou ao fim o reinado dos surfistas. Agora o momento é outro. Espaguetistas no topo.

Esta descoberta me abriu caminhos e inclusive tracei uma meta para 2015, para a qual já estou treinando. Querem saber? Eu conto. Pretendo atravessar o Canal da Mancha em menos de 3 dias. Bem assim. Eu e meu espaguete.

Fernando Corona - 2014 - PoA