Ouvi, por exemplo, um assassinato, às 7 da noite. Foram 5 tiros no peito de um cara que nem era o cara. Quando cheguei na janela, vi o assassino trapalhão, de capacete, subindo na garupa de uma moto e a moto se misturando ágil ao trânsito encardido. Morte encomendada. Por causa de mulher, foi o que se falou muito pelo bairro e como se não bastasse o motivo torpe, foi morte do cara errado.
Daqui, também ouvi uma mulher ao telefone. Era moradora do prédio em frente e falava muito alto.
- Roberrrrrto. Que pessoal é este? Que pessoal é este que você vai tomar chope, Roberrrrto. Me conta, Roberrrto. Que pessoal é este?
E ficou nesta ladainha. Acho que o Roberrrrto ligou pra casa e disse que ia tomar um chope com o pessoal e a mulher já devia saber quem era esse "pessoal". Ela ficou puta. Num momento dado disse.
- To indo aí, Roberrrrto.
Fui pra janela pra ver que tipo de mulé era, mas ela desistiu, pois logo ouvi sua voz novamente berrando.
- Você vai ver, Roberrrto! Quando eu cair na putaria, se prepare.
Dizem que o Rio de Janeiro é a cidade do corno, dizem que ninguém escapa de levar um chapéu. Será que escapei? Tenho severas dúvidas.
Uma cena que vi repetidas vezes na rua foi o cara na frente da menina vociferando algo tipo:
- Porra! Liguei pra você 12 vezes e você não atendeu, caralho. Onde você tava?
A menina, com a maior cara de pastel sem saber o que responder. Bem assim. Casais jovens. O Rio é uma chapelaria.
Daqui, de onde agora estou escrevendo estas bobagens, certa manhã comecei a escutar uma discussão. Era entre o dono da banca de revistas e uma mulher que parecia furiosa e enchia o cara de desaforos. Gritava, com um sotaque da Bahia.
- Você é um palhaço, um idiota. Lá em Salvador faço isso sempre e nunca deu defeito, você é um imbecil.
Depois fiquei sabendo o que era. A mulher tinha por hábito entrar na banca, abrir o jornal e lê-lo. Muita cara de pau, não é não? O jornaleiro perdeu a paciência com razão e resolveu parar de vez com aquilo.
Daqui desta janela também vi de camarote os black blocs passando e quebrando bancos. Vi também as pessoas caminhando tranquilamente em meio à quebradeira. Tive a impressão que certas pessoas nem olhavam para o que estava acontecendo. Acho que por aqui há uma espécie de anestesia geral.
Dia destes, numa capa de jornal, vi uma foto emblemática. Em primeiro plano, um agente do Bope agachado, portando um fuzil, protegendo-se atrás da quina de um edifício da comunidade, e em segundo plano, a poucos metros de distância, uma senhora, carregando uma sacola de compras, caminhando com a maior naturalidade num espaço que supostamente poderia ser cruzado pelas balas.
Logo que cheguei ao RJ, ficava assustado com tanto ruído de bala. Depois, com o tempo, fui me acostumando com os tiroteios fantásticos. Talvez por causa disto, tenha vazada a notícia de que as provas de atletismo da Olimpíada não vão poder ser realizadas na Cidade Maravilhosa. Motivo: Nunca vai se saber qual é o tiro que dá início à prova. Boazinha esta, né?
Daqui, de onde agora estou sentado, já ouvi muitos discursos de loucos desvairados, muita batida de carro, muitas brigas com gritos e garrafas quebradas, muita música brega e muito funk passando, muito samba bom e muito samba ruim às 5 da matina, muitos casais trepando, muitos casais saindo no tapa, muita buzina ao mesmo tempo, na orquestra dos homens que sentem ódios diversos.
Daqui, de onde agora estou sentado, escuto o Brasil gritando. Nascendo e morrendo todos os dias.
Fernando Corona – 8/14 – RJ
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