Tive a sorte de conhecer e tocar com Roberto Menescal num concerto que Pery Ribeiro realizou em São Paulo, já faz alguns anos. Nesta época eu acompanhava Pery e isto também era uma grande sorte, mas o assunto a seguir não versa sobre música.
Estávamos, nesta ocasião, almoçando num restaurante e comíamos peixe, e talvez por isto, tenhamos começado a conversar sobre pescaria, ou quem sabe o assunto tenha se criado a partir do fato de Menescal praticar pesca submarina, não sei ao certo, sou apenas mais um músico ao qual a memória vive traindo, mas lembro de que num determinado momento do papo, perguntei a ele qual, no seu entender, seria o peixe mais saboroso. A resposta foi surpreendente. Menescal respondeu que o Pampo é o mais gostoso peixe entre tantos que já provou.
Ora, fiquei surpreso porque o Pampo, que no sul chamamos de Pampa, foi marcante na minha infância e era o peixinho mais comum dos mares sulistas. Geralmente se podia vê-lo na beirinha, diminuto e prateado, sozinho ou em pequenos cardumes, e naquela época não imaginávamos que ele pudesse alcançar até 3 kg na fase adulta.
Meu primos e eu tínhamos uma espécie de tela pra mosquito que usávamos como redinha de repuxo. Nas praias do Rio Grande do Sul, o repuxo na beira é longo, então, como a tela tinha orifícios pequenos, tínhamos de fazer muitíssimo esforço pra aguentar aquela correnteza toda passando por ela.
Antes que chegasse a onda seguinte, bravamente levantávamos a redinha, que vez por outra ficava repleta de Pampinhas e então, na maior felicidade, gritávamos em coro e com voz grossa.
PAAAAAAMMMMMMPAAAAAAAAAA!!!!!
Logo em seguida vinham os versos;
- Hoje, o mar tá cheio de
PEIXE (coro)
- O peixe tá cheio de
TRIPA (coro)
-A tripa tá cheia de
MERDA (coro)
O que acontecia é que os adultos não queriam saber de limpar aquele montão de peixinhos e era tarefa nossa, quando chegávamos em casa, cortar nadadeiras e espremer os bichos, pras tripas saírem pelos respectivos cúzios. Neste momento da espremeção, voltávamos a entoar os cânticos relatados acima. Foi por aí que começou minha admiração pela pescaria.
Mais tarde, já adulto, comprei uma rede de 25 metros que tinha o nome pomposo de “rede itinerante”. Levava chumbo embaixo, boias em cima e uma corda longa, presa a ela. Eu caminhava léguas à beira mar com minha rede que navegava ao sabor da corrente e varria o oceano. Peguei muito peixe bonito. Papa Terra, Tainha e até Robalo.
Pescava também de carretilha, e passei pro meu filho este gosto pela pesca. Lembro de uma tarde em Atlântida que pescamos mais de 80 papa terras. O guri (devia ter 8 ou 9 anos), ficou no auge! Era só lançar a chumbada e imediatamente começavam as fisgadas. Quando recolhia, vinha às vezes um trio de Papas gordinhos que o Tatolino, que já era fortão, tirava com esforço e alegria da água, pra total orgulho do velho. Foi uma tarde mágica.
Volta e meia paro pra pensar sobre este esquisito encantamento que a pescaria exerce sobre a gente. Acho uma sensação fantástica saber que existe um animal preso, do outro lado da linha e isto deve ser alguma mensagem que vem lá da pré-história.
Já presenciei, em mais de uma ocasião, uma pessoa sentir pela primeira vez em sua vida a fisgada de um peixe. O olho brilha. É uma espécie de feitiço. E então quando esta pessoa consegue tirar com sucesso o peixe da água, se deslumbra com o fato, e quer repetir a proeza imediatamente. Não é raro, que na semana seguinte, resolva comprar, entusiasmada, um equipamento para si.
Quando você vê estes adesivos nos carros, que dizem “TÁ NERVOSO? VÁ PESCAR”, pode ter certeza de que aí está escrita uma grande verdade.
É uma espécie de meditação. Você vai pescar e quando vê, passou várias horas sem lembrar de nenhum problema. O pensamento fica só ali, naquele universozinho bacana de iscar, lançar, ficar de olho na linha, cavar a areia pra achar uma isca diferente. A cabeça esvazia e você descansa.
Tem gente que não entende, acha uma perda de tempo. Tem gente que, como eu, curte e tem gente que é viciada. Tenho um conhecido que aos domingos, acorda às 5 da manhã e vai pros pilares das pontes do Guaíba pegar Piava na época da desova. Num inverno destes, o balde caiu na água, e ele, na tentativa de recuperar o utensílio, perdeu o equilíbrio e mergulhou no rio com jaqueta e tudo. Se não fosse uns canoeiros que passavam pelo local, teria morrido. Pensam que ele foi pra casa? Nada. Pediu pros caras roupa emprestada e ficou de cueca pescando, até eles voltarem com bermuda e moleton. Tudo pelas Piavas gordas.
Atualmente, há uma corrente contra o abate de qualquer espécie animal, e a pescaria também tem sido condenada. Isto tem me feito pensar um pouco e dia destes li uma frase sobre o assunto; “Ah, se o peixe gritasse, quem se atreveria a pescar?” Frase dura, não é? O peixe não expressa nada, ou pelo menos, nada que possamos entender. Então parece bem menos violento fisgar um peixe do que dar um tiro numa codorna. Eu pesco porque meu pai pescava e me transferiu a intimidade com esta atividade. Acho que não teria coragem de caçar porque a caça não fez parte de minha formação.
Eu sonho, constantemente, com improváveis pescarias. Muitas vezes dentro de casas, ou pátios, pesco em fios de água, piscinas ou ralos, e nestes sonhos sempre pego peixe. Coisa de maluco, né?
Mas então é isso. Já faz tempo que queria falar um pouco sobre a pesca, esta misteriosa atividade que relaxa, dá prazer e faz sonhar, e foi dia destes, quando estava na Praia do Flamengo com a linha na água e peguei um Pampinha, que lembrei do assunto com o Menescal. Era um Pampa bonitinho, mas devolvi-o ao mar. Claro que, não sem antes gritar;
PAMPAAAAAAAAAA!!!!!
Fernando Corona - RJ - 2014
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