sábado, 27 de setembro de 2014
O PALPITE
Floriano, a partir de certa idade, passou a apresentar uma rara particularidade. Criava palpites sobre a morte das pessoas.
Isto é: Alguma misteriosa intuição lhe apontava claramente aqueles que iriam morrer antes ou depois dele, e um simples e breve contato já lhe bastava para ele tivesse esta antevisão. Era só olhar para a pessoa e Floriano já sabia.
Depois de um certo tempo, Floriano já havia mapeado toda sua gente. A mãe morreria antes e isto tinha lógica, o irmão depois. Airton, seu amigo de infância depois, o Zeca da venda antes, o mecânico Manuel depois. Quanto a seu sobrinho Ezequiel, lhe palpitou que morreria antes e isto o chocou porque o menino era jovem, mas para aumentar a certeza de que suas visões tinham fundamento, no verão seguinte o rapaz acabou caindo do cavalo numa prova de cancha reta e quebrou o pescoço.
Isto foi o primeiro grave indício de que havia algo de muito concreto em suas premonições. Com o correr do tempo, Floriano só aumentava suas certezas. Aqueles que ele achava que iriam antes, foram se indo mesmo.
Os anos foram passando e numa noite quente de janeiro, Floriano despertou sobressaltado, com o assunto na cabeça. Incomodado, deixou a cama e acendeu todas as luzes da casa. Ele podia fazer isto já que vivia sozinho, pois nunca quisera formar uma família devido a esta sua mórbida loteria.
Buscou papel e lápis e começou sofregamente a fazer o levantamento de como andava a coisa. Escreveu o nome de todos os amigos, parentes, colegas e conhecidos que pode lembrar e quando conferiu novamente a lista com todo o cuidado, chegou à espantosa conclusão de que o próximo seria ele. Nenhum da lista iria antes.
Terrificado pela grave evidência, Floriano foi até a cozinha, abriu uma garrafa de vinho, serviu-o num copo barato, acendeu um cigarro, e sentando num banquinho, se pôs a pensar.
- Quanto me falta? Pode ser daqui a pouco, amanhã ou no ano que vem. Mas está escrito. Serei o próximo.
Passou o resto da noite fumando, embebedando-se e falando sozinho até adormecer debruçado sobre a mesa.
Na manhã seguinte despertou muito cedo e pensou que deveria buscar uma maneira de saber quanto tempo ainda tinha pela frente, ou quem sabe, até descobrir, por fim, a razão desta sina.
Nunca havia contado isto a qualquer pessoa por ter medo de ser julgado insano, mas agora que sabia estar marcado como “o próximo da fila”, saiu desarvorado de casa em direção ao centro, pois teve a ideia de procurar o Pai Onir, um pai de santo que recém havia chegado à cidade.
Estacionou o carro na praça e caminhou apressado pela avenida principal em direção ao terreiro. Estava decidido a tirar o pai de santo da cama e contar-lhe sua mazela, quando escutou um grito vindo da calçada oposta e viu que cruzava a rua em sua direção um homem baixo e gordo, e pelo largo sorriso que esboçava, Floriano pode reconhecer o Gordo Lima, seu colega de ginásio.
– Floriano, amigo velho, há quanto tempo não te vejo!
Foi com exagerada alegria que Lima abraçou Floriano, que aparvalhado e irritado por ter sido interrompido em seu aflito trajeto, não esboçou reação alguma, e apenas, como era de costume, fixou seus olhos no antigo colega para sentir o palpite, mas surpreendentemente isto não aconteceu. Pela primeira vez, depois de tanto tempo, Floriano não foi assombrado pela sensação nem do antes, nem do depois. Nada. Vazio.
O gordo falava sem parar, mas Floriano a nada ouvia, tomado pela clara possibilidade de que seu feitiço houvesse desaparecido. Não podia acreditar. O palpite não veio!
Então devolveu o abraço àquele gordo suado, do qual nem gostava muito, pois Lima era dedo duro na escola e também não dava cola para ninguém, e possuído que estava por um novo e arrebatador entusiasmo, proferiu, sem saber que seria, sua derradeira frase.
- Lima! Temos de comemorar nosso encontro com uma cervejada.
Gordo Lima, sem desmanchar o sorriso, já ia responder algo, mas um forte ruído chamou sua atenção, obrigando-o a olhar para cima, e quando Floriano seguiu seu gesto, os dois, ainda abraçados, puderam assistir, impassíveis e estarrecidos, à grande marquise do velho hotel Rex desabando sobre eles.
Fernando Corona – RJ - 2013
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