segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

SANTO ANJO

É hora da janta.
Sento à mesa e ligo a TV.
Sirvo o prato pensando na vida.
Quando vejo, coloquei comida demais e tenho certeza de que será impossível comer tudo.
Janto assistindo TV.
Me surpreendo quando reparo que o prato está vazio e ainda sinto fome.

Vou colocar a camiseta.
Presto bem atenção pra não colocar a caralha da camiseta ao contrário.
Volto a revisar pra ver se está tudo certo.
Tudo certo. Etiqueta no lugar adequado.
Visto a camiseta.
Está ao contrário.

Daí surge flutuando na via uma mulher linda e ensolarada e você lança o olhar sobre ela e não se sabe de onde aparece um sujeito que se interpõe, impossibilitando sua visão, e você então vai pra direita, vai pra esquerda, procurando novos ângulos, mas o energúmeno, caprichosamente, vai mudando a trajetória, impedindo você de ter acesso aos detalhes, talvez analisar o balanço do caminhar, o formato das panturrilhas ou até mesmo a forma como se comporta o cabelo ao vento, e então só te resta puteá-lo, pois você já sabe muito bem que vai ser assim até a moça desaparecer no horizonte, o palhaço será um muro com pernas, teimoso e intransponível e você também começará a ter certeza de que isto é coisa de um anjo safado, um querubim fela que, como você, adora o assunto, e fica por aí, vagabundeando pelo éter e pelas nuvens, te sacaneando, rindo da tua cara de contrariedade por não poder, nem por uma caralha, esculpir na alma a rara fotografia de uma deusa que, pra tua imensa sorte, teria cruzado teu caminho.

Deus eu não sei.

Mas que tem um anjo que protege a gente, já tenho minhas certezas.

Protege. 

E também se diverte muito.

BBB, THE VOICE, FUTEBOL 2

Escrevi uns troços sobre estes três assuntos e os desdobramentos tão sendo bem interessantes.

O BBB até que tenho vontade de assistir, mas não consigo. Acabo achando chato. Mas tenho acompanhado um pouco o que vem acontecendo e parece que a cosa vai seguir por uma onda brutal, como eu achava mesmo. Li por aí que um tal Lucas é um doente e logo li também um comentário que diz que doentes do BBB são o público que assiste. Disso não tenho dúvida. Estamos muito doentes. Principalmente estamos doentes de ódio. Neste BBB vai escorrer sangue. Se preparem.

"Um tal Lucas". Já ouviram falar? São contos piradíssimos de Cortázar. Aí que me refiro o tal do degrau civilizatório.

O The Voice com os corocas parece que vai sendo um sucesso. Assisti a um e achei bem bacana. Tá se apresentando, entre alguns amadores, gente que não ficou nem famosa nem rica com a música mas são excelentes operários que ganharam e ganham a vida dignamente com a música. Gente competente, que a falta de cultura de uma nação impediu que tivessem um pouco mais de projeção.
Tenho visto a revolta de várias pessoas pelos jurados, ditos profissionais de música, não terem reconhecido a cantora Cláudia que possui importante trajetória e por não terem ficado intrigados por um cara ter o nome de Billy Blanco. Acontece que o Bilinho é filho do grande compositor Billy Blanco que fez, entre tantas canções, "Sinfonia Paulistana", "Tereza da Praia", "O Morro", "Estatuto da Gafieira", "Mocinho Bonito", "Samba Triste", "Viva meu Samba", "Samba de Morro", "Pra Variar", "Sinfonia do Rio de Janeiro" e "Canto Livre".

Billy Blanco tive a honra de conhecer no Rio de Janeiro, nos camarins de Pery Ribeiro. Certa noite, Billy, que era arquiteto, me disse que tinha sido aluno de meu avô e logo em seguida dirigiu a palavra a Pery.

- Este Corona é o melhor pianeiro que você já teve.

Pery não tinha muita certeza disso. Era um cantor mais clássico e ficava impressionado quando eu dizia que gostava de reaggae e rap. Mas o Billy falou isso mais de uma vez.

Algum tempo depois, Pery chamou Billy e o Billinho pra uns concertos e eu tive a sorte de tocar todas estas canções lindas junto com eles.

Os jurados não sabem destas histórias. Estão por demais longe delas. Fazem parte de um outro Brasil, onde o mais importante é ganhar muito dinheiro, mesmo que seja vendendo o lixo que vai ajudar a tornar o intelecto das pessoas mais e mais frágil. Elas não podem saber quem foi o Billy.

Daí sobrou o futebol.

Vi um pouco do Porco jogar com um time mexicano.

Já faz tempo que o México, entre outros, vai se tornando uma dor de cabeça pro Brasil. O Tigres deu um nó tático no Parmera e o Parmera mostrou uma total falta de criatividade e iniciativa. Um troço morno do começo ao fim. Tem gente que ainda diz que o futebol brasileiro é o melhor do mundo. Diz e acredita. Isso também faz parte da ignorância e loucura que toma conta de nós a vai nos jogando pra fora da estrada.

Vai sobrar pro tricolor, certamente. Palmeiras vai vir com sangue nos olhos enfrentar este time desanimadinho do Renato.

Torço pro Palmeiras. Pro Renato ir embora logo de uma vez.

Tem sorte. Muita. Mas não é técnico. É pretensioso e arrogante. E é fascista

A MÁSCARA NOVA


Comprei essa máscara. Diz que é antivírus e tals.
Parece uma calcinha.
Não é?
Destas calcinhas tchuns.
Faz tempo que não vejo umas calcinhas.
Coloco ela pra ir no super e fico bem louco.
Fico bem loko por causa do antiviral, né, cabeça suja?
Bah.
Otra cosa, mudando de assunto.
De agora em diante vou gostar um pouco mais de mim.
De agora em diante vou dar like em todas as minhas postagens. Todíssimas.
Eu já fazia isso, mas antes do sol nascer eu dava o deslike porque me dava vergonha.
Agora vou deixar. Afu.
Quanto mais não seja, melhoro um pouco o meu algarismo.
Me alcança meus remédio?

VIAS DE FATO

O avião da Gol decolou e umas senhoras começaram a reclamar que um tipo lá tava sem máscara.

Chamaram aeromoça e veio piloto e resulta que o cara era um minion destes que o cérebro tá em curto e o cara disse que ninguém ia fazer com que usasse máscara.

O piloto deu meia volta, baixou no aero de origem e chamou a poliça que logo entrou na aeronave pra saber qual o babado.

O minion, com os relé do cerebelo faiscando, meteu a mão com a poliça e acabou sendo preso por desacato.

O médico Juscelino Santos, que era passageiro no voo, relatou como ocorreu todo o caso:

"Com 30 minutos de voo, começou todo o mal estar. Alguns passageiros, principalmente umas senhoras idosas pediram pra ele colocar a máscara, e ele disse que não ia colocar, que era besteira, e que não tinha prova de que aquilo servia pra alguma coisa. As senhoras ficaram indignadas, uma até teve um pico hipertensivo. Um dos rapazes foi lá discutiu, e eles foram às vias de fato. Depois um outro senhor também foi às vias de fato com ele".

Pode isso?

Daí fiquei pensando nesta expressão que o médico usou duas vezes.
"IR ÀS VIAS DE FATO".

Fiz uma breve pesquisa e descobri que no século XVII, na Polônia do Norte, região de gente braba pra caralho, o FATO era um tradicional utensílio de defesa que os aldeões portavam sempre consigo.

O FATO consistia num pedaço de saibro pesado de quarenta a cinquenta centímetros com pregos enferrujados na ponta. Os nobres levavam seus fatos dentro de ricas bainhas cravejadas. 

Já os plebeus carregavam os fatos sem estojo e isto fazia os pregos roçarem nas coxas e o tétano pegava legal fazendo com que a metade da população sempre morresse dumas febres esverdeadas com desinterias fétidas que o povoado todo reclamava muito.

Muitas vezes havia desentendimentos na viela e os homens recorriam ao fato. Qualquer ofensa os caras pegavam o fato.

O problema é que, muitas vezes, devido às arestas e pontas, ficava muito difícil para o nobre sacar com presteza o fato da bainha e isso propiciava ao adversário, possuidor do fato sem bainha, a vantagem de sentar o fato sem piedade no moscão, ou brindar-lhe com uma chuvarada de socos na cabeça.

A qualidade do fato era medida pela quantidade de pedaços de pessoa que voavam a cada golpe e também pela distância que estes fragmentos atingiam.

Vem daí então esta expressão tão curiosa, "as vias de fato".

LEGENDA

Em primeiro plano uma taça contendo uma pilsen ordinária. Se pode notar pela palidez. Pelo menos, gelada.

Atrás se pode ver os antídotos. Na caixinha há profusão de Aspirinas, Omeprazois e Magnésias Bizuradas.

A cédula de dez reais foi o que sobrou do auxílio emergencial.

Ao lado da cédula, na parte superior, uma das maiores invenções do serumano: O Matinset. Matinset não pode faltar numa cidade que agora tem mosquitos de todos os tipos em todos os turnos.

Hoje pela manhã, numa matéria séria de um site neutro, descobri que o Matinset agora também faz parte do tratamento precoce contra o covid. Diz que os bolsominions mascam com alegria as pastilhinhas verdes. Muito tri.

Abaixo do Matinset, se pode ver o cabo de um pente inoperante.

No entorno próximo, pomadas variadas para variadas coceiras.

A pior coceira?

A de dentro dos ouvidos, para a qual utilizo uma chave de fenda número cinco pra coçá.

As duas latinhas de Valda não têm Valda. Dentro delas organizo meus rivotris, divididos em flambados e não flambados.

A pequena pilha de livros é formada por alguns Bukovskis aos quais recorro sempre.

Prensado entre os Buks, está Crime e Castigo, que é uma caralha de livro impossível de ler, composto de uma infinidade de personagens que jamais se consegue decorar e um protagonista que se chama Raskólnikov.

Parece que o Raskólnikov, potente anti viral, já tá fazendo parte também do Kit Covid.
T
ambém se pode ver os restos destroçados de óculos nos quais deitei em cima. Sempre podem servir num momento de emergência e pavor.

Acima de tudo, uns fones de ouvido, irreparavelmente emaranhados.

Notei só agora que também há uma embalagem de Sorine genérico, certamente deixado ali por uma ex com ideias naturalistas e lindas que cuidava de minha saúde tentando evitar os descongestionantes aqueles que dão infarto de pleura mas que funcionam muito bem, bem ao contrário deste Sorine paraguaio aí da foto que desentope nada e eu é que não vou usar esta porcaria.

CANÇÃO BAND-AID

https://www.facebook.com/1845098156/videos/10215177299026219/


Foi o Fernando Pezão que me chamou pra gravar o trabalho do 

Claudio Levitan e nos primeiros cafés ficou decidido que seria piano e voz e nada mais.

Acho que isso era 18 ainda e passamos todo 19 ensaiando e gravando as cançonetas do Levitan. Pezão propôs que a performance pianística fosse encarada meticulosamente e por isso os ensaios foram numerosos.

Numa tarde levantei a ideia de que poderia ficar simpático se houvesse no disco uma parceria nossa.

Levitan me entregou um retalho de letra em que o refrão dizia:
"Só a canção me acalma, só a canção não deixa que eu morra de amores por ti".

Daí fiquei pensando.

Sim. A canção é um bálsamo. Elimina as dores.

Logo me veio aspirina. E pra rimar com aspirina, vacina. Vacina na primeira frase.

Atenção. Isso aconteceu um ano antes da pandemia.

Daí mostrei pro Levitan esta proposta de uma nova arquitetura pra música e ele gostou e imediatamente foi adicionando outros signos e dentre eles:

MINHA CANÇÃO NÃO QUER DEIXAR QUE NA ANGÚSTIA ME FALTE O AR.

O ar. Tão simbólico, não é? Neste terrível ano de 20, tantas e tantas pessoas ficaram impossibilitadas de respirar.

Ficamos surpresos que nossa canção contivesse estes toques tão premonitórios.

O disco do Claudio, com produção cuidadosa do Pezão, ia ser lançado no 20, mas o coronga nos atropelou. Ficou bonito pra caramba.

Tamo só pela vacina.

LAGARTIXA MARLEY, PINGUIM LASANHA E A LUA.

- Olha só, querido. A lua tá linda hoje.
- Hum.
- Que foi, Lasanha? Não gostas da lua?
- A lua me dá fome, Marley.
- Sério? Já sei. A lua cheiona, assim como tá, te parece uma pizza! É isso?
- Siiiiimmmm. E as crateras são como buracos de queijo. Huuummmm.
- Só gostas da lua porque ela te lembra comida. Só pensas em comer.
- É?
- É. Comer algo ou comer alguém. Só pensas nisso.
- Gosto de beber também. E de pescar peixes coloridos. Não sejas tão injusta, Marley.
- Não gostas da lua.
- Gosto sim. E gosto muito.
- Então me diz qual é o momento que gostas da lua.
- Digo. Sabe aqueles fins de tarde de calor em que o sol vai descansar, o céu vira mar nos convidando a nadar e a lua surge atrás daquele morro e tu apontas teu dedo fino e magro pra lua e transbordas esta felicidade que tu soube tão bem inventar?
- Hum.
- É aí que gosto tanto da lua, Marley. Quando olho pra ti e vejo aquele luão refletido na piscina dos teus olhos.
- Ai, Lasanha. Não faz assim que eu choro. Vem cá e me abraça bem.
- Ai!! Para, para. Tás me machucando com estes ossos pontudos, Marley.
- Para de fiasco, Lala! Fofo desse jeito e fazendo mimimi por causa de um abracinho. Pronto. Te solto, então.
- Não me solta não, Marley. Me abraça. Mas vai com calma.
- Assim tá bom?
- Tá. Tá muito bom.
- Não acredito. Tô ouvindo teu estômago roncar.
- É que aquela nuvem que tá cortando a lua agora fez a lua ficar com jeito de pastel. Vamos comer?
- Vamos. Mas antes vamos namorar mais um pouco.
- E depois?
- Depois esfirras.
- Esfirras de alcachofras selvagens?
- Selvagérrimas.
- Huuum...e depois?
- Depois agarramento.
- Sério?
- Seríssimo.
- Não acredito. Tás me enganando.
- Nops.
- Ô vidão!
- Humhum.
- Então vamos.
- Calma.
- Tá.





12King Jim, Newton Teixeira e outras 10 pessoas
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BBB, THE VOICE, FUTEBOL



A pandemia faz a gente assistir um pouco mais de televisão.

Até BBB andei vendo. O BBB é um troço brutal. É mórbido aquilo. 

E neste, em especial, vai jorrar sangue. Parece que há gente articulada ali e também tem minions e pelo que observei é bem manicomial, espelhando o que se tornou nosso país. Vai ser um fenômeno pra quem tem o estômago muito forte.

Daí tô vendo o The Voice, que também acho bem insuportável.

Daí descubro que é The Voice dos corocas e é uma surpresa muito boa, pois os calouros não possuem a síndrome de Whitney Houston, cantora de fantástica técnica que deixou uma escola chatíssima que é seguida por parte da galera mais jovem que participa destes troços.

Gosto de cantores que possuem têmpera. Isto é. Gosto de cantor que não tenta ficar maior do que a canção cantada. Maomeno isso. Tô vendo uma gente bacana no programa este. Uma gente que canta simples e bonito. Um troço digno.

E ontem também assisti à final da Libertadores, que foi um espelho perfeito do futebol brasileiro. Não aconteceu nada.

Se não houvesse tanta paixão clubística, o futebol daqui desapareceria pois tá longe de ser espetáculo. Maçante para caráleo.

O que me impressionou bastante foram os cortes de cabelo, as sobrancelhas meticulosamente aparadas, as barbas e cavanhaques impecavelmente formatados dando ares de androginia a muitos daqueles atletas. E absolutamente todos se produzem desta forma. Não há exceção.

Futebol de merda, mas todo mundo bem penteado.

O PROVOCADOR

Faz muito tempo.

Umas três vidas atrás.

Tive a bravura de ler os Irmãos Karamazov.

Hoje em dia não conseguiria.

Um detalhe daquela narrativa me chamou a atenção e disso nunca esqueci.

O reiterado uso da palavra "provocador".

Eu imaginava que provocadores eram aqueles que seriam os contra revolucionários.

Mas não. Agora entendo Dostoiévski.

Corta.

Tô folhando o Facebook e vejo uma destas postagens de grupo que fala sobre máscaras e tal. O primeiro comentário diz assim.

ESTAS MÁSCARAS NÃO SERVEM PRA NADA.

E logo abaixo 246 respostas ensandecidas.

Entro no perfil da pessoa e é uma véia da minha idade, talvez um pouco mais.

Bolsominia padrão. Temente a Deus. Dona de casa ou talvez aposentada. Um perfil simples. Só compartilha penduricalhos. Nada de cultura. Nada de arte. E meia dúzia de likes.

Uma provocadora.

Deixou a provocação no post e foi cuidar do feijão. Nem se deu ao trabalho de responder às mais de duzentas críticas e achincalhamentos que geraram seu comentário.

Isto é o fascismo. O fascismo é uma conduta humana. Foi a rede social que despertou o fascismo no momento em que, de forma equânime, deu voz a todos.

Os potenciais fascistas, pessoas medíocres e ressentidas em geral, passaram a tramar relações com seus parecidos e foram amadurecendo uma postura social que está aí novamente assombrando o mundo.

São cheios de certezas.

E não sofrem com as intempéries da política. Ou pelo menos nunca acusam o golpe.

Possuem um arsenal de memes, textos e frases, tudo pra usar no momento certo. Têm incapacidade de articular uma reflexão e isto sempre faz qualquer debate se transformar num bate boca. No momento em que se sentem encurralados por argumentações irrefutáveis, dirigem o assunto para cu e assemelhados. Isso acontece usualmente. Pro fascista , cu é chakra.

O fascista é o medíocre que ganhou luz com a rede social e ele não voltará jamais a sua condição de ostracismo. Não vai deixar jamais de compartilhar fake news, pois isso faria sua vida perder o sentido. 

Pro zumbi fascista, compartilhar mentiras é um direito democrático. Acredita quem quer.

Os pioneiros do movimento terra plana plantaram uma temível semente no planeta com um recado muito claro;

HELÔOOOU! A REALIDADE É UM CONCEITO ULTRAPASSADO.

Assisti ao documentário terra plana. Medíocres. Ressentidos. De uma burrice que, como diria mamis, dá vontade de surrar.

Voltando às provocações.

Eu fico surpreso com a revolta e a ingenuidade de quem contesta este tipo de provocação.

O fascista é um reativo. É o provocador, como dizia o Dosto. Ele faz isso em busca de alimento pro ego. Toda vez que você contesta um fascista, você dá importância a ele e o alimenta.

Já faz tempo que digo que contestar um fascista é o mesmo que borrifar água num gremlin. Ele cresce com teu desespero. Se alimenta de tua preocupação.
J
á há uma certa iniciativa de gente pela rede sugerindo que não se responda às provocações dessa galera, mas parece que o apelo não cala. Toda hora vejo provocação e zilhões de gente retrucando.

Eu bloqueio todos.

Se você deixar o fascista somente entre fascistas, sobrevivendo no lado da calçada que não bate sol, entre fungos e ácaros, eles se desidratam, acabam por destroçar uns aos outros (o fascismo não tem limite) e irão desmanchar-se naturalmente sob o olhar de baratas desanimadas.

VAMPIROS DA INTERNET

Olha só.
Deixa eu te dizer.
Tu ficas aí.
Espiando, espiando, espiando.
Jamais aparece.
E de repente aparece.
Só pra criticar o detalhe.
Ou pra likear o suposto comentário contrário.
Deixa eu te contar.
Isto se chama voyeurismo.
É uma prática que não chega a ser um defeito.
Mas eu tenho mil olhos.
E tô te vendo.
E sei que lês tudo.
Avidamente.
Então olha só.
A partir de hoje te batizo.
De vampiro da internet.
Acho que fui claro.
Tô no bico.
Tenho mil olhos.
Um rivotril numa mão.
Um omeprazol na outra.
Oro.
Oro também por ti.

STORYES

É calor.

Por ser calor o mulherio se pela.

Se pela e se fotografa. Na praia, na piscina, em casa na frente do espelho.

E coloca no story.

Peitos, coxas, bundas e às vezes até uma generosidade a mais que já sobrevém o infarto na pleura.
Ah...e muito biquinho.

Então eu printo.

Printo tudo.

Aí imprimo.

Depois de impresso, coloco nome e data.

E catalogo.

Já faço isto há vários anos, mas foi neste ano de pandemia que as mulheres, como que possuídas por alguma entidade suprapartidária, rasgaram a bandeira e os storys nudísticos passaram a chegar aos borbotões, me impossibilitando de seguir organizando meus catálogos da forma meticulosa, como habitualmente faço.

Confesso que tenho trabalho atrasado neste sentido e isto também se deve ao fato de ter sido colocada uma nova estante para abrigar os novos catálogos que somados, já ultrapassam a admirável cifra de duzentos.

A novidade é que meu primo Robson, da locadora, me ofereceu, por quantia módica, verter todos meus prints para o consagrado formato slide.

Achei um ideia fantástica, pois já estava cansado de assistir aos slides daquele passeio do ano de 94 que fiz a Gramado. Só do Lago Negro possuía mais de quinhentos instantâneos. Muitas vezes convidei meus amigos para virem assistir os slides deste passeio, mas certamente por razões desta vida atribulada de cidade grande, jamais puderam vir.

Bueno.

É chegado o momento de ir pro banho, vestir meu chambre bordeaux e tomar meu rivotril flambado.

Passarei o restante da noite ao lado de uma taça de Blue assistindo aos slides dos storyes das moças facebookianas.

Orrevuá.

A CHUVA EM UMA VIDA NORMAL E BELA

Cai uma chuva bonita em Porto Alegre.

É uma chuva justiceira que não nos assusta com ventanias e raios e tampouco parece muito densa a ponto de alagar ruas e casas.

É uma chuva daquelas de se querer tomar banho de chuva e até fazer barquinho.

Você chega na janela, olha a chuva e gosta tanto dela que chega num ponto que parece que a vida é normal. Normal e bela.

"Normal" agora é palavra da moda. É referência. Normal, que significa dentro das normas, podia parecer chato. Agora, o normal pra mim está excelente. Normal já tá mais do que bom. Normal é adjetivão.

Mas a vida não é normal e bela, pois lá fora tem uma guerra. Ou mais de uma.

Talvez daqui um tempo, se conseguirmos soldar os inúmeros buracos do casco de nosso barco, possamos assistir à chuva novamente e sentir na boca o gosto de que a vida é realmente normal e bela.

Se isto acontecer, tenho certeza de que será uma sensação insuperável.

ABDUZ NO FESTERÊ

- Fala, Abduz!! Que bom te encontrar aqui. Não sabia que você vinha!
- ...
- Tá irada essa festa. Tá todo mundo aí!! E cheio de mulé bonita.
- ...
- Que qui foi, Abduz? Tás esquisito.
- Pera só um pouco, bro. Tô comunicando.
- Comunicando?
- É. Comunicando com Kolbat.
- O que? Telepatia?
- Yap.
- Caracas. Que legal.
- ...
- ...
- Humhum.
- Que foi, Abduz?
- Tem uma festa.
- Que?
- Uma festa concomitante.
- Con co o que?
- Uma festa rolando em Kolbat. Ao mesmo tempo que esta festa daqui.
- Caramba. E você tá nas duas, Abduz?
- Yap.
- Ah, moleque telepata, seu! Isso sim é que é vidão.
- Tô até dançando lá.
- Ah. Fala sério!!
- Tô sim. A música de Kolbat é dodecafônica, bro.
- Tás dançando sozinho?
- Não. Dançando com Ínix.
- Tua namorada pescoçuda?
- Yap.
- Que massa. Sempre quis dançar uma música dodecafona com uma pescoçuda gostosa dessas daí.
- ...
- ...
- Ahaiaaaaiii...
- Que foi, Abduz? Tás passando bem?
- Sim. Tudo bem.
- E esse gemidão?
– É que agora estamos transando.
- Sério??!! Transando assim, a fu?
- Yap. A fu.
- Carácoles, Abduz. Então vou te deixar tranquilo com tua trepada telepata intergalática.
- Fica aí, bro. Podemos conversar enquanto transo. Possuo onipresença tangencial.
- O que é isso, rapaz? Tô fora.
- Por?
- Muito arriscado. Vai que no calor da hora respinga algum fluído planetário qualquer e sobra pra mim.
- Tranqui, bro.
- Pode voar uma gosma galáctica, me acertar o olho bem na pálpebra e daí me dá um glaucoma bem no meio do tersol.
- Sereno, bro. Sou um cara controlado.
- Ninanina, Abduz. Fica aí com tua pescoçuda bafenta enquanto vou procurar um balde de Aperol pra me chapar.
- Sereno, bro.
- Quando terminar, me avisa. Tô na área.
- Yap.
- E vê se lava bem as mãos depois da função.
- Sereno.
- Olha lá, hein?

MARILU E VLADIMIR NO WHATTS

- Marilu. Tás aí?
- Tô, Vladimir.
- Escuta, Marilu. Vamos fazer mais um teste?
- Outro, Vladimir? Já fizemos três testes este mês.
- E aí, Marilu? Qual é o problema?
- Aí?? Aí que meu médico já não atende mais nem mensagem nem ligação, Vla. Não sei quantas requisições já pedi pra ele.
- Fazemos na farmácia, Marilu. Fazemos em vezes. Tem uma farmácia aqui perto que tá fazendo o teste em até dez vezes. Vamos?
- Tás doido, Vladimir? Já gastei quase mil reais neste mês, só nesse troço! Além do mais, o moço da farmácia fica todo nervoso quando me vê porque tô toda hora lá fazendo teste e teste. Ele deve achar que tenho Covid crônico.
- Hum.
- Essas nossas trepadas tão muito caras, Vlazinho. Segura tua onda.
- Tá. Então vamos no virtual.
- De novo?
- Hoje ainda não fizemos.
- Como não fizemos? Fizemos sim. Na madrugada, tás lembrado?
- Isso não conta, Marilu. O dia só vira depois que a gente dorme. Aquele foi o virtual de ontem.
- Putz. Pera, então.
- Pera o que
- Pera que tenho cosa pra fazer.
- Que cosa seria essa cosa?
- Fazer as unhas.
- Hum.
- Lavar louça.
- Que mais?
- Aguar as plantinhas.
- Para com isso, Marilu. Essa ordem tá errada. Fazer as unhas antes de ir pro batente? Tás me enrolando?
- E também tô com problema muito sério na conexão, não sabias?
- Para com isso, Marilu. Para de me enrolar.
- ...
- Tás aí?
- ...
- Marilu!!!!
- ...
- Caralho.

ABDUZ E A RUSGA INTERPLANETÁRIA

- Fala, Abduz. Beleza?
- Sereno, irmão.
- Tás com a cara caída. Que passa?
- Cansado. Acabei de chegar de viagem.
- De onde vens?
- De Kolbat.
- Qui é isso? Planeta?
- Não. Galáxia.
- Muito Longe?
- Sabe a constelação de Mikornios?
- Nops.
- Bom...Kolbat fica duas constelações depois.
- Longe pa dedéu. E a viagem demorada?
- Nada. É na hora.
- Na hora?
- É transporte celular. Na hora mesmo.
- Hum.
- Automático.
- Carai.
- Automático e portátil.
- Portátil? Lá em casa tem um radinho que meu pai diz que é portátil.
- O princípio é o mesmo.
- Legal. Mas escuta. Tás um bagaço. E este cheiro?
- Cheiro de éter.
- Cheiro de éter?
- Me jogaram éter kobalteano.
- E por que fizeram isso?
- Pra apartar uma briga.
- Você brigou com um cara de outro planeta?
- Foi.
- Caraca. Porradaria intergaláctica?
- Exato.
- Mas Abduz. Você tá fedendo mesmo é a trago. E estas manchas na camisa? Isso é vinho.
- Nada. Isso é sangue.
- Claro desse jeito? Sangue é mais escuro.
- Sangue kobalteano.
- Você tirou sangue do cara?
- Foi.
- Mas por que brigaram?
- Ele falou mal da Terra.
- E você ficou puto.
- Muito.
- E aí?
- Aí dei uma voadeira no segundo pescoço dele.
- É voadora que se diz.
- Quando não tem gravidade espacial é voadeira.
- Hum. E aí?
- Aí o pescoço dele dançou.
- Caraca. E a cabeça também.
- A cabeça não.
- Como não? Se o pescoço dança, a cabeça dança também.
- Você não conhece os kobalteanos.
- E aí?
- Aí a briga parou. Os kobalteanos não combatem com apenas um pescoço. Então ele chorou.
- Chorou?
- Chorou um pouquinho. Agora vou nessa que to morto.
- Mas escuta aqui. Tira logo essa camisa com sangue que pode tá contaminada com algum vírus.
- Não precisa. Ínix já soprou.
- Como assim soprou? E quem é Ínix?
- Minha namorada kobalteana. Quando sopra esteriliza na hora.
- Não! Não me diga que tás com uma mina galáctica.
- Tô.
- Bejô?
- Sim. Mas só a segunda boca.
- A primeira não?
- Não.
- Por?
- Bafão.
- Caraca, Abduz. Muita coisa?
- O cu dum camelo.
- Bécs, Abduz. Que nojo. Mas escuta. As mina de lá tem tudo repetido no corpo?
- Tudinho.
- Quero pra mim uma dessas mina, Abduz.
- Vou te apresentar uma.
- Você é tratante, Abduz. Sempre me promete que vai me levar junto e nada. Só garganta.
- Hum.
- Mas deixa te falar uma coisa, Abduz.
- Fala, brother.
- Te admiro.
- É?
- É sim. Tenho muito orgulho de ti.
- Por?
- Caracas, Abduz. Não é qualquer um que tira as caras por nosso planetinha.
- Era o mínimo que eu podia fazer. Me subiu o sangue.
- Sentou a porrada no alienígena, né? Você é bravo, Abduz.
- Hum.
- Agora vai. Vai descansar que você tá precisando. Ficas aí de porradaria pelo universo! Vais descansar esse corpo.
- Sereno, bro.
- Abraço. Ah. Só uma coisa. Tens uma foto pra me mostrar dessa mina pescoçuda?
- Não tem.
- Não tem??
- Não. Eles não usam foto.
- Caralho. Mas que galáxia mais sem graça esta que ninguém manda nudes? Fui.
- Sereno.

ABDUZ

- Fala, Abduz! Beleza?
- Beleza, brother. Sereno?
- Sereno, mano. Andou desaparecido estes últimos tempos.
- Tava em Kénops.
- Onde fica isso?
- Oitavo planeta da constelação de Tarkus.
- Caraca. Muito longe?
- Caralhada de anos luz.
- Hum. E esse cigarro estranho que você tá fumando?
- Trouxe de lá.
- Sério? Esquisito. Marrom... e fininho.
- É diferentão, sim.
- Que legal. Posso experimentar?
- Pode sim, Bro.
- Hum.
- E? Que tal?
- Caralho, véi! Troço sinistro. Tem gosto de múmia.
- O fumo deles é outra parada.
- Opa. Tem um dizer aqui.
- Tem?
- É. Du Morier. Parece francês.
- Os caras de Kénops usam alguns símbolos parecidos com os nossos.
- E o que quer dizer Du Morier? Você sabe?
- Sei. É algo relacionado a rejuvenescimento celular.
- Caraca, Abduz. Você fuma e fica mais jovem?
- Bingo.
- Ohhh...me consegue um pouco desse crivo então, véio.
- Com certeza, bro. Da próxima vez que for, te trago um pacote.
- Sério??
- Com certeza.
- Que massa. Escuta, Abduz. Você não tem medo?
- Do que?
- Dos alienígenas.
- Não. Que nada. Da primeira vez até que me borrei, mas agora já estou bem acostumado.
- Massa, então.
- Massa.
- Tô indo nessa entao, Abduz.
- Sereno, Bro.
- Bom te ver.
- Ibiden.
- Ibiden?
- É. Ibidem.
- E o que é ibidem?
- É algo como idem.
- E o que é idem? É palavra desse planeta aí?
- Não. É palavra desse planeta aqui.
- Ah, tá.
- Outra hora te explico.
- Massa.
- Sereno.
- Então me dá mais um crivo remoçante desses que já vou adiantando o serviço fumando no caminho.
- Sereno. Tó.
- Valeu, Abduz. Abraço.
- Abraço, bro.

BIGBANG



Lá bem no começo, mas bem no começo mesmo, era o nada. Era o nada e Deus, completamente de saco cheio com aquele marasmo todo onde não tinha sequer um lugar pra se sentar ou se apoiar e o Deus foi se tomando de fúria e foi se possuindo pela cólera e acabou dando um baita pontapé no nada e foi aí que descaralhou o Big Bang e foi aquela ventania toda que acabou levando o próprio Deus pelos novos espaços que se criavam e o Deusinho tá até agora tentando voltar ao ponto de partida, bem descabelado que tá o Deus, lá na borda do universo plano que ainda continua bem louco se expandindo, pobre Deus, tão longe de nós, talvez um dia volte e certamente vai ter muito trabalho atrasado, aquela justiça divina de que se fala tanto e tanto falta, tanta coisa pra reparar, não é não?

Daí o homem, fingindo que acredita muito no Deusinho, falha todo o tempo com a justiça que deveria fazer com seus iguais e é só cagada.

A natureza, muito puta, só ficou olhando o descaralhamento todo e resolveu agir.

Não tem depois.

O depois já é.

O depois é agora.

BYE BYE, BRASIL

Estou dirigindo, dando várias caronas na parte da tarde e, ansioso, necessito ouvir notícias. Necessito muito ouvir notícias.

Ligo o rádio na Gaúcha AM, mas o assunto principal é sempre o futebol. A dupla GRENAL.

Eu não sei que tanto assunto estes caras podem encontrar nesse tema. Acho que a metade da programação da rádio se destina a Grêmio e Inter.

Quando não falam de futebol parece sempre um programa de variedades com uma informalidade que é como se os caras estivessem coçando frieiras e tomando cerveja na cozinha de suas casas ou na Padre Chagas.

Depois do golpe, a impressão que se tem é a de que tudo ficou mais avacalhado e essa gente se sente mais à vontade ainda pra chinelear geral desde seus aposentos situados nas coberturas da Casa Grande.

Dia destes deram vários tiros no pé ao comentarem sobre o assalto àquela agência bancária de Santa Catarina, e a leviandade lhes custou a perda de patrocinadores. Como eu disse, é meio que informal demais. Um deboche. Dessa vez atingiu à elite.

Num outro dia entrevistaram Jean Willis que é um cara pra lá de articulado, cheio de café no bule, que conhece bem o coxinhismo da rádio e este rebateu com muita firmeza as questões maliciosas que Kelli e Coimbra lhe fizeram.

Depois de terminado o programa, Coimbra, notadamente irritado com o preparo e a firmeza do ex deputado, afirmou que Jean e Bolsonaro são pessoas parecidas. Fez isto depois da despedida, de forma covarde.

Pra essa galera da RBS, a cuspida de Jean é bastante mais grave do que a homenagem que a besta fez à outra besta.

Então fico muito irritado e troco pra BANDnews.

Daí tem papo de pets, carros, vinhos e estas chorumelas coxas, que são chatas pra carai e então me sobra apenas ouvir música. E eu não tenho vontade de ouvir música, mas passo pro pendrive.

No pendrive havia colocado uns discos do Chico e cai bem no meio do Bye Bye Brasil.

Daí lembrei que dia destes assisti a um saboroso vídeo onde Roberto Menescal conta que Chico e ele foram chamados por Cacá Diegues para uma reunião onde ficou tratado que os dois músicos comporiam a canção tema para o novo filme do cineasta.

Diz que Menescal foi pra casa, entusiasmado com a proposta, iniciou o trabalho e logo a melodia estava pronta.

Ficou à espera do Chico que parece que não deu resposta durante três ou quatro semanas.

O dia em que estava marcada a data de gravação chegou e Menescal foi para o estúdio, conformado de que a canção seria gravada apenas de forma instrumental. Havia urgência de colocar a trilha em cima do vídeo e Diegues chegou com a notícia de que Chico não havia conseguido cumprir a tarefa.

Diz que de repente, do nada, Chico entra no estúdio trazendo um montão de folhas coladas e as vai depositando no chão. Era a letra quilométrica. Cacá ainda pediu uma tesoura e foi cortada uma boa parte das estrofes e este retalho acabou sendo esquecido no local e Menescal lamenta isso até hoje.

Esta canção é impressionante.

Menescal, para compor a melodia, se utiliza de um motivo que se repete. Um motivo frio, diga-se de passagem. Apesar de bonito. Aquilo não parece ter sido cantarolado de forma intuitiva. Parece mais ter sido composto num instrumento. Piano ou violão. É bastante diferente compor cantarolando de compor dedilhando no instrumento.

Impressionantemente, o Senhor Buarque consegue criar um ambiente mágico e lírico em cima daquela melodia tão técnica e a letra, aliada à repetição sistemática dos motivos melódicos nos leva a uma sensação de delírio e vertigem.

Quando termina a canção, é como se eu tivesse tomado um Omeprazol pra alma. No meio de tanta brutalidade que só cresce é cada vez mais necessário buscar estes bálsamos, antes de que esqueçamos de como se faz isso.

Esta canção me emociona muito.

É algo como uma despedida triste, solitária e delirante. 

É uma despedida do Brasil. Uma despedida do Brasil sem sair dele.

Acho que é o que muitos de nós andamos sentindo.





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O MILAGRE DA FRUTA

Pra mim, uma grande evidência da existência de deus é a fruta. Não é? Quando você tá com a cara metida numa manga, gemendo, lambuzado até às orelhas, você não percebe a presença divina?

A fruta é o alimento pronto. Tá no pé, tá na árvore. É só o serumano esticar um pouco a mão, pegar e sair comendo.

Claro que o café também foi uma boa ideia, mas desde o momento em que o primeiro primata agarrou aquele grãozinho marrom, inebriou-se com o aroma e lhe invadiu uma imensa vontade de tomar um cafezinho, até o momento em que isto aconteceu de verdade, foram milênios de tentativas seguramente desastrosas.

O café demanda mão de obra. Tem de colher, torrar, moer, levar ao fogo e depois ainda tem de lavar a xicrinha.

O arroz, da mesma forma, tem de plantar, colher, descascar, sei lá o que mais e depois vá lavar a panela que tu vai ver que tem de esfregar aquela caralha muito dicumforça porque aquela meleca não quer sair de jeito nenhum.

A fruta não. A fruta tá pronta pra comer.

Claro que há exceções. Tipo o abacaxi. O abacaxi esquece. Tem de ter uma faca fantástica pra descascar aquele troço pré histórico que é certo que vai te espetar todo e vai inflamar até dar uma gangrena e isso tudo vai deixar os parentes mais nervosos do que já estão.

A laranja também. Descascar laranja é tarefa impossível e se alguém te oferecer um suco de laranja é porque esse alguém te ama muito, porque espremer laranja é sacal também.

Do coco nem vou falar. Só com metralhadora.

Mas a bergamota, hein? Você descasca e sai por aí flanando, bem faceiro, com as mãos fedendo a berga e isso deve durar, pelo menos, uns dois dias.

E por fim, o abuso divino. O must celestial.

A uva!!!

A uva dá até pra escolher se você come com casca ou sem casca. Nos filmes, reis e imperadores sempre aparecem comendo uvas. Duvido que você encontre uma cena de imperador comendo melancia ou banana. Encontra?

O único problema da uva apareceu agora na pandemia. Como tem de desinfetar tudo, a uva não escapou dos protocolos.

Dia destes, fui comer uvas e apliquei álcomgéu em cada grão antes de colocar na boca. Comi dois cachos e resulta que fiquei bem louco. Acabei dormindo no tapete.





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NAUTILUS E FÉLIX 5 - A RUSGA

- Taz vendo a lagartixa, Félix? Tão ridícula.
- Toz sim, Nautilus. Tá pronta pra dar o bote.
- O bote em que, Félix?
- Na barata que está no degrau de baixo, Nautilus.
- Daqui não vejo, Félix. E você não quer pegar esta barata crocante?
- Toz fora, Nautilus. Tá muito calor pra isso.
- Que ridículo, Félix. Essa lagartixa pega muito mais baratas que você.
- Certamente que sim, Nautilus. A vida da lagartixa é caçar baratas o dia inteiro. Já viu a cara concentrada que ela tem? e o mau humor? Tão ridículo. As lagartixas não são como nós, os gatos, Nautilus que temos diversos afazeres importantes, como dormir na pança do homem, tomar o leite da tarde, perseguir novelos e estropear poltronas fofinhas.
- Você tem razão, Félix. As lagartixas são bastante ridículas com esta seriedade que querem passar. Agora...me diga uma coisa. Você já pegou uma lagartixa?
- Já peguei sim, Nautilus. E disso muito me arrependo.
- E por que, meu bom amigo Félix?
- Porque a textura é asquerosa, Nautilus. Ela pode parecer lisinha, mas é áspera.
- Áspera, Félix?
- Áspera e fria, Nautilus.
- Becs!! Mas que nojo, Félix?
- E gosmenta de uma gosma amarga e nojenta, Nautilus.
- Essa conversa tá me deixando enjoado, Félix.
- E o pior, Nautilus. Ficou um pedaço do rabo dela em minha boca.
- Que asco. Então você matou a lagartixa, Félix.
- Matei nada, Nautilus. Ela saiu correndo e o rabo ficou na minha boca se mexendo todo. Que ridículo.
- Credo, Félix. Toz coberto de náuseas. Você sabe que meu estômago é sensível.
- Vai ali no jardim e come um funcho, Nautilus.
- É isso mesmo que vou fazer, Félix. Que história nojenta. Vou comer funcho.
- Coma um funcho, Nautilus. Coma um funcho.
- Tá me dando vontade até de cagá um cocô de tanto asco, Félix.
- Cague um cocô, Nautilus. Cague um cocô. Mas trate de cobrir bem, que ontem você não cobriu e acabei pisando, e o resultado disso foi que meu dia ficou impossível.
- Foi, Félix?
- Foi, Nautilus. Cubra bem.
- Então foi por isso que te vi passando pelo pátio todo empertigado meio durão, Félix?§
- Foi por isso sim, Nautilus.
- Uma hora vi que você deu um pulo, Félix!§ Foi porque você pisou no meu cocô?§§
- Foi sim, Nautilus. E pare de rir.
- Um pulo você deu, Félix. E depois um pulo mais alto ainda. §§§ Foi? Muito ridículo.§§§
- Pare de rir, Nautilus!! Senão você vai sentir a fúria de minha unhas!!
- §§§ Você parecia que queria patear a lua, Félix. §§§ Tão ridículo!
- Você pediu, Nautilus. Toma isso.

E assim, Nautilus e Félix tiveram uma breve rusga de patadas e mordiscos, logo apartada pela mulher que chegou da cozinha com a temível vassoura.

A lagartixa teve um sobressalto com a gritaria e, possuída pela irritação, subiu o muro de forma acelerada. Ficou um bom tempo nas alturas, se recompondo do susto, respirando com impaciência e lamentando a perda da presa suculenta. A barata, por sua vez, sem imaginar que teve a vida salva devido a uma peleia de predadores de mais alta linhagem, acabou ficando por ali mesmo, alheia aos fatos, ciscando com pouco entusiasmo entre latas e botijões de gás enebriante.

NOTA DO AUTOR

Como os felinos riem com a alma e assim seu riso não tem propriamente nem som nem forma, resolveu-se estipular um signo para cada risada.

O signo é este: §

Quanto mais riso, mais §

§§§ significa que o gato está a um passo de gargalhar, o que seria possivelmente impossível.

Também, à guisa de informação, é significativo dizer que se trata de uma praxe felina o fato dos gatos colocarem o nome do interlocutor em toda frase.

Outro dado marcante.

Os nomes dos gatos são escolhidos por eles mesmos e é por isto que de nada serve você tentar dar nome a um gato. Ele jamais atenderá.

Tenho certeza também de que você se surpreendeu com a repetição sistemática do termo “ridículo” em meio à conversação.

Explico.

Para os felinos, quase tudo neste mundo é ridículo. Sempre que você enxergar um gato sentado com o olhar perdido no vazio não tenha dúvidas de que ele está pensando que o universo que está ali, revelando-se a sua frente é, no mínimo, ridículo.

ENCICLOPAEDIA

no meio da estante se pode ver a mitológica enciclopaedia Barsa. lá em cima, uma enciclopédia chamada Conhecer. Acho que foi a primeira a ser vendida em fascículos. meu pai comprava fascículos semanais da Conhecer e lia na cama. depois mandava encadernar. meu pai leu enciclopédias inteiras aos pouquinhos. as enciclopédias, hoje em dia, servem apenas de fundo pra dar credibilidade a quem está falando, sendo filmado, e muitos ordinários utilizam-se deste expediente. este não deixa de ser um caso. kkk.

O GORGONZOLA

Não lembro muito bem, mas acho que os caras nos buscaram na estação pois havia um convite pra jantar numa tasca lá nas alturas.

A cidade era Oviedo, capital de Astúrias. A única região da Espanha que não caiu na mão dos mouros.

Os caras de que falo eram os donos dos bares em que tocávamos. Tínhamos um quarteto chamado Maracatu e um empresário de Madrid se interessou, fez um contrato e estaríamos três meses tocando no norte.

Naquela noite entramos num Opel branco e logo estávamos subindo a serra nevada à, pelo menos, cento e vinte por hora. Aqueles caras, que fizeram o trajeto em completo silêncio, eram gentis, mas a gentileza era meio sinistra. Ficamos bem desconfiados com eles, mas tudo acabou dando certo. Na real, o que os caras tinham mesmo era pouca vibe, assim como o resto da cidade, certamente por não terem tido contato com a cultura bárbara.

Mas o que quero contar é que logo que chegamos na Tasca já nos ofereceram bebidas e convidaram pra sentar.

Colocaram um pratão de salada na minha frente. Dei uma olhada. Havia umas coisinhas esquisitas ali, mas me servi e quando coloquei na boca, quase vomitei.

O troço tinha o gosto do saco dum camelo histérico. Gorgonzola, foi o que me disseram. Fiquei assombrado com aquilo. Como pode ser tão ruim??!!

O tempo foi passando e fui provando, reprovando e entendendo a onda do Gorgonzola.

Já estava amiguinho dele, quando numa tarde no RJ, Vika Barcellos e eu chegamos da praia e fomos até à cozinha beliscar algo.

O gorgo estava em cima do balcão e ao lado dele havia uma bergamota. Por alguma intuição descasquei a berga e coloquei um gomo na boca junto a um pedaço do queijo. Fantástica mistura.
Experimentei com laranja, mas é com a berga que o gorgonzola casa perfeitamente.

Já havia colocado o gorgo nuns cozimentos que andava arriscando, mas a partir daquele dia em que nos tornamos habituês daquela receita, comecei a desconfiar que o gorgo é um tempero universal que se pode misturar com doce e salgado e cai bem com tudo.

Dia destes cunhei uma salada e posso afirmar que é cosa de um outro mundo.

Ingredientes?

ALFACE AMERICANA

TOMATE – tenho comprado tomate italiano, apesar de ser um pouco mais caro. Aqui em Porto Alegre, os tomates comuns, apesar do aspecto visual impecável, tão muito esquisitos. No momento de cortar, você já fica grilado com aquela dureza. Na parte do meio, parece que tem um toco. E não tem gosto de nada.

MANGA

GORGONZOLA

Claro que vai azeite e vinagre. Tem gente que não gosta de vinagre e nunca acredito nisso. Desconfio de pessoas que não gostam de vinagre e de samba. Tenho sempre um pé atrás. Fui.


NÃO GOSTO QUE ME LIGUEM

Sabe o que eu não gosto?
Que me liguem.
Que me telefonem.
Quando me ligam sem avisar, sem perguntar se pode, pra mim é quase uma ofensa.
Teve uma época em que a gente ia na casa do outro sem anunciar. Se batia na campainha e isso era uma grande alegria. Nessa mesma época, sempre quando tocava o telefone todo mundo corria pra atender e o guia telefônico era o Facebook da galera. Muy prisca era.
Agora não.
Telefone tocando é algo que me deixa nervoso.
- Atende essa porra aê, porra!!!
Não gosto que me liguem.
E mesmo quando a ligação é anunciada e esta ligação é muito esperada, estou ali, ansioso, olhando para o aparelho e quando ele toca, igual, me dá um sobressalto.

O PANETONE

É sempre no dia vinte e dois de dezembro que dou início a uma rígida dieta à base de panetone.

Hoje pela manhã recebi minha remessa de noventa panetones orgânicos fartamente recheados com frutas cristalizadas hiper sintéticas.

A casa recende ao perfume deste panetone premiado, perfeito para ser degustado na companhia de um generoso copo de guaraná Fruki.

Outra boa receita é acordar cedo, picar o panetone e jogar numa cumbuca de café com leite bem quente. Daí você come de colher, assistindo ao "Bom Dia Rio Grande".

Se você prefere evitar os alimentos quentes, jogue o açaí dentro desta mesma cumbuca. Melhor lavar antes. Então você atira di cum força o panetone em cima e adiciona iogurte, mel, leite condensado, nata e balas de goma.

Devo confessar que, para mim, o panetone é uma tradição tão forte que no meio da madrugada, sonambuleante, invado a cozinha e dou uma mãozada brutal naquela massa tão tenra e logo em seguida a vou devorando pelo corredor, espalhando farelo pra todo lado, seguido por baratas entusiasmadas, que por sua vez são perseguidas por ávidas lagartixas, e decididamente tomo o rumo do quarto, porque é no quarto, em minha cama que posso desfrutar de meu panetone em completa segurança.

É isso aí. Aproveitemos então a dieta do panetone até o epicentro da quaresma.





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