sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

DO FUTEBOL

A partida de amanhã me fez lembrar o tempo em que vivi em Madrid.

O apartamento onde eu morava, na Calle Enrique Trompeta, situada num bairro operário chamado Legazpi, distava talvez uns mil metros do Vicente Calderón, estádio do Athletic Madrid.

O rival, Real Madrid, o time da simpatia do ditador Francisco Franco, tinha o estádio, Santiago Bernabeu, no Passeo de la Castellana, área nobre da capital.

O Real, na real, é coxinha.

Várias tardes de outono e verão eu ia bater uma bolinha no passeio de Usera, um parque bacana que ficava entre minha casa e o estádio. Eu era craque. Canhoto e habilidoso.

Lembro de um dia em que um cara chamado Antenor, que era adido da embaixada brasileira em Madrid, conseguiu uns convites pra Atlético e Grêmio. Me convidou, assim como a um cantor brasileiro que vive na Europa faz muitos anos chamado Fernando Girão de Freitas.

Lá fomos nós pro Calderón assistir ao tricolor. Fiquei impressionado com a torcida silenciosa, que aplaudia as jogadas como se fosse num teatro. Acho que perdemos de 1 a 0 e lembro que a partida foi bem chocha, como todo amistoso, mas fiquei emocionado de ver o Grêmio entrando em campo.

Num determinado momento, um jogador gremista se machucou e o massagista entrou no gramado pro atendimento. Era o Banha. Banha, é claro, como já dizia o apelido, era vistoso, gordão. Comentei isto com os colegas e o Girão, que tinha uma voz de navio, gritou.

BANHAAAAAA!!!!!!

A voz gigante foi ouvida pelo estádio inteiro. O Banha, surpreso, acenou pro lado de onde nós estávamos e a espanholada toda ficou nos olhando.

Isto aconteceu no ano de 1986.

Tá fazendo mais de 30.

Era um outro tempo.

Espanha tinha um rei que era ídolo, um presidente idem, que era Felipe Gonzalez e o prefeito de Madrid era o cara. Tierno Galvan.

A palavra da hora era "socialismo" e a Espanha reluzia. Era barato e digno viver na Espanha.

Tierno morreu logo em seguida, Gonzalez, anos depois, foi pego com falcatruas e o rei, faz pouco tempo, acabou sendo flagrado por fotógrafos matando elefantes na África. Pode?

Em 81, estes caras tinham abafado uma nova tentativa de golpe de direita no país. Era uma época de enterrar os últimos dejetos do fascismo de Franco, quando de repente, os militares canalhas resolvem tentar repetir a molecagem.

Pegaram uma cana braba.

Tá fazendo 30.

Acho que era um tempo em que a ética ainda era algo que tinha algum valor.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

MINHA ROTINA NOTURNA

No fim de tarde eu tenho um sono de derrubar navios e este sono vai desaparecendo à medida que a noite vai avançando.

Quando batem as onze, estou na ponta dos cascos.

MEIA NOITE – Sento no gabinete, ligo o PC e tento escrever algo. Não me vem ideia nenhuma. Então jogo xadrez num site mundial. Fujo dos russos e espanhóis que jogam demais. Prefiro enfrentar argentinos, pela rivalidade e jamaicanos, pelas ideias completamente desconexas.

UMA DA MANHÃ – Tomo um Omeprasol para me proteger e com um perfil fake invado as páginas do MBL e Bolsonaro. Ali distribuo ofensas, ironias e publico textos espertos, pra ver se a zumbizada sai do transe.

LANCHE DA UMA E MEIA –  Bolacha Zezé folhada e um Nescafezinho.

DUAS DA MANHÃ – A visita aos fascistas somada ao primeiro lanche  geralmente me traz azia e os gases em profusão fazem doer até as clavículas, então boto pra dentro duas magnésias bisuradas. Tento escrever novamente e não me sai nada. Volto ao xadrez com fúria, decidido a patrolar geral e perco cinco partidas seguidas prum filipino que não deve ter mais de doze anos. Me amarguro com o fato e tomo meio lexotan.

LANCHE DAS TRÊS – Mariolas frescas e um copão de guaraná Fruki.

TERAPIA DAS TRÊS E MEIA – Foi descoberto, faz pouco tempo, que o tomate e a masturbação podem muito bem prevenir as moléstias da próstata. Neste exato horário pego um tomate e me toco pro banheiro. Nesta função, metade da fruta ingiro e a outra metade aplico no guri. Dia destes tive a infeliz ideia de levar condimentos pra atividade, mas no momento em que o vinagre entrou em contato com o canal, as dores foram lancinantes e acabei por perder os sentidos. Minha mãe, na manhã seguinte, demonstrando preocupação, comentou ter ouvido gritos na madrugada, algo como sofridas lamúrias muçulmanas. Claro que desconversei.

QUATRO DA MANHÃ – Sento ao piano e toco as mesmas músicas dos últimos trinta anos. Impressionante como continuo cometendo erros ainda nos mesmos trechos. É nesta hora que os filhotes de sabiá começam sua cantoria enfadonha e definitivamente chego à conclusão de que detesto natureza. Paro de tocar e reflito;

- Isto, seus bestinhas. Continuem com suas cantatas eufóricas, suas malinhas. Vocês nem imaginam o tamanho da batata que tá sendo assada pra vocês pelo tio Trump e o outro gordinho Ultraman.

5 DA MANHÃ – Tomo um rivotril e oro.

5 E MEIA  – Adormeço. Geralmente sonho com Camila Pitanga, Cecília Malan e Ana Amélia Lemos. Nos três casos, desperto. Nos dois primeiros, vou à cozinha em busca de mais algum tomate perdido. No terceiro caso, levanto assombrado, perdido, tateando, me ajoelho como dá e volto a orar com o mais profundo fervor.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

CECÍLIA MALAN & EU

Estou sentado no sofá de uma ampla sala à qual não reconheço.

Móveis, paredes e ornamentos todos possuem tonalidades de cinza.

É um espaço clean, como diriam as pessoas que são clean.

Estou só e observo tudo a meu redor, tentando achar algum ponto de referência.

Nada.

Me encontro em um ambiente refinado, de extremo bom gosto ao qual nunca vi mais gordo.

Há silêncio no ar, silêncio este que neste exato momento é quebrado pelo ruído de chaves na fechadura e daqui de onde agora estou sentado, vejo o que seria a porta da rua sendo aberta por alguém que não tenho a mínima ideia de quem seja e meu coração dispara quando se revela a silhueta de uma mulher, que depois de fechar a porta com estrondo, me mira com olhos irritados e vocifera cheia de caras e bocas.

- Não dá maishhh pra suportarrr o trânsito deishhhta cidadium. Isso ishhhtá parecendo o Rii, ou São Paulo. Tudo engarrafado.

Reparo que a frase foi pronunciada com um acentuado sotaque de menina do Alto Leblon e no momento em que ela se livra do casacão negro e da gorra de lã, consigo juntar as peças e é aí que meu coração quase sai pela boca, pois descubro que se trata de, nada mais, nada menos, Cecília Malan.

Ela se aproxima e faz menção de me beijar, mas na hora agá, fazendo uma careta, recua e enquanto despe o tailleur também de cor negra, fuzila.

- Caracaishhhh. Você ainda não tomou banho? E esta sua barrrrba eshhhtá horríveum.

Fico ali, estático, assombrado, paralisado, afinal de contas a Cecília Malan despe, na minha frente, também os sapatos e caminha pela casa só de calcinha e soutien. Se queixando de sede, entra na cozinha e logo manda, aos berros.

- Caracaishhh. Você não lavou a louça. Eishhhta pia eishhhtá cheiaum.

Ainda aturdido com a nudez da magnífica figura, reparo que estou de camiseta e se ela chegou da rua com sobretudo e o despiu, é porque o apê tem calefação e pra um gauchinho como eu, que usa blusão dentro de casa, isto tem um imenso valor, e juntando mais um pouco as peças, descubro que estou em Londres e mais do que isto, Cecília e eu somos casados, e claro que também chego à óbvia conclusão de que tudo não passa de um sonho idiota, mas que puta sonho, não é não? e a linda mulher volta da cozinha reclamando que não aguenta mais as pessoas da redação, que são todos uns incompetentes, uns relapsos, que ela não tem liberdade para criar as pautas, que são um grupo de invejosos e enquanto ela vai desenrolando esta catilinária, lembro que alguém havia me comentado que ela possui um quadrilzão e é ali que coloco minha atenção, não é um quadrilzão, é um quintilhão ou um sextilhão, é uma bacia de respeito, uma bacia hidrográfica, é a bacia do mesmo tamanho que tinha a bacia prateada na qual minha vó me dava banho, e já me sinto tomado pela luxúria, e isto me deixa preocupado, pois qualquer tesãozinho que rola no meio de um sonho faz a gente despertar, e nem pensar, quero prolongar ao máximo este devaneio, e vejo seus passos decididos, com pés um tanto grandes, mas gosto igual, em direção aos quartos, e sua voz novamente ecoa pelas paredes do apartamento dizendo que;

- Caralho, Feurrrnaumdu. Você é incapaishhh de colocarrrr suaum tualhaum pra secarrr, Feurrrnaumdu!!! Que Porra é eishhhta?

Sem me mover daquele sofá gris, escuto a porta do banheiro sendo fechada também com violência e penso cá comigo;

Carácoles, nunca imaginei que essa menina falasse palavrão, e olha só o jeito que ela me trata, tá pensando o que?, mas que mala essa mina, não para de reclamar um instante, e quer saber de uma coisa, que se dane, não vou esperar ela sair do banho, não vou comer ninguém não, mas que falta de respeito é essa? Pronto!, tá decidido, vou é sair deste sonho que ganho mais e então abro os olhos e reconheço meu quarto de paredes manchadas e sinto o nariz entupido, é claro, com esta rica umidade que nos devora e na porta do quarto aparece minha mulher sorridente que me recebe com.

- E aí? O bonito dormiu bem? Que vagabundagem, hein?

Sento na cama, pensando “Bueno, é aí que me refiro, o tratamento por estas bandas já é um pouco melhor”. Paro em frente ao espelho e observo a ordinarice de minha barba. Seguido a isso, levanto o braço e sinto que meu sovaco não cheira a nada que esteja vivo e nesse instante escuto a voz impertinente de minha mulher vinda do banheiro.

- Óh! Deixou de novo a toalha molhada em cima da roupa seca. Taquiuspariu. De novo?!

Ouvindo aquilo. varado pela amargura, volto a me deitar. Puxo os cobertores e fecho os olhos dicumforça.

Quem sabe encontro uma zona neutra num sonho bobo destes que a gente corre e não sai do lugar. Quem sabe?

terça-feira, 17 de outubro de 2017

O GORDINI

Tinha eu quatro ou cinco anos de idade quando, certa feita, vínhamos da praia no Gordini que meu pai havia recém comprado e fizemos uma parada numa concessionária Willys Overland para, ora vejam só que tão priscas eras, ser instalado um porta luvas no carrinho.

No momento em que estacionávamos em frente ao estabelecimento, passou caminhando por nós um homem que levava nas mãos duas galinhas gordas e minha avó sugeriu que se comprasse uma franga daquelas para ser preparada na janta.


Meu pai ficou furioso com a disparatada ideia e nem pensar que alguém ousasse introduzir um animal daqueles no seu novíssimo e reluzente Gordini.

O Gordini era filho do Dauphine e depois viria a ser o pai do Corcel. Era assim que eu enxergava os laços que uniam os automotores.

Mas retornando...

Enquanto meu pai, dentro da loja, regateava o preço do acessório e sua instalação, lá fora minha avó, mandando às favas a proibição, fazia um bom negócio com o andarilho. Colocou então a penosa dentro de uma caixa de papelão e a depositou sigilosamente sobre o banco de trás, entre ela e eu.

Meia hora depois, estávamos já na estrada, e faltavam poucos quilômetros para chegarmos a Porto Alegre, quando aconteceu o que não devia. A franga resolveu se expressar. Deu uma curta e grossa cacarejada. Meu pai, ouvindo aquilo, começou a sapatear ao volante, se pôs a gritar e a urrar impropérios e como resposta, obteve apenas o silêncio aturdido de minha mãe e minha avó. Foram uns quinze minutos de rezingamentos e acusações aos quatro ventos.

Mais tarde, Dona Maria Bonetti Villeroy torceu o pescoço do pobre animal, depenou-o, deu-lhe tempero, levou-o ao fogo e logo depois à mesa.

Meu pai, apesar de contrafeito, comeu. Comeu e repetiu.

Em total silêncio.

domingo, 17 de setembro de 2017

O TARADÃO DOS PAMPAS

Acho que foi no final do ano passado que me colocaram num grupo fechado do Facebook chamado CHICAS CALIENTES.
Achei esquisito. Entrei na página pra dar uma sacada e vi que era uma gurizada mexicana, estilo Despacito, que postava foto de mulé pelada e realmente não tive a menor ideia do porquê de eu ter sido brindado com tão importante inclusão.

Juro que pensei em sair do grupo, e peço mil desculpas por meu machismo troglodita, mas é uma enfermidade que não me abandona e devo admitir que a mexicanada publicava umas fotos de umas gostosas muito gostosas e fiquei bem louco e então resolvi deixar ali o grupo quietinho. E não enche!

Pois bem.

No final do ano passado, quando o Grêmio ganhou a Copa do Brasil, me enviaram por Whatss umas fotos de uma menina nua, vestindo micro camisetas e meínhas do tricolor, que as más língulas estavam dizendo ser da filha do Portallupi. A rapaziada é sacana mesmo. As fotos não mostravam o rosto, é claro, mas vou contar que dava pra ver que ela era um encanto, um cristal. Uma fantástica criação do Senhor, que depois de observar sua obra, gritou aos quatro cantos do universo:

"Quero só ver quem é que não vai querer fecundar essa daí, cambada de viados!"

Credo. Hoje não estou me reconhecendo.

Agora. Se você leu até aqui e me achou idiota, se prepare.

Não é que resolvo postar as fotos da gremistinha na CHICAS CALIENTES?!

Acredita?

Sério. Eu fiz isso! Uma força ignóbil me obrigou a cometer tal atrocidade com olhos faiscando de luxúria. O monstro do bairro Petrópolis colando figurinha de mulher pelada. Pode?

Acho que sempre necessitei clínica urgente. Devo também confessar que me açoito todos os dias, mas não se nota nenhum resultado relevante.

No momento em que publiquei as fotos, a página informou que o administrador logo me daria uma resposta sobre a admissibilidade das fotos. Beleza.

Seguido a isso, rapidamente abriu-se uma página do Face.

A inquisição do Face.

Baahahhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!!

Os caras me ameaçando de fechamento da conta por eu ter postado nudes. Daí vieram várias perguntas e pediram pra eu clicar em tais e tais fotos pra saber das minhas reais intenções e depois destas tensões todas, acabaram por  me devolver a conta.

Respirei aliviado. Então fui lá na página e saí do troço.

Também já estava desconfiado que algumas das pessoas que pertenciam a este grupo tiveram as contas hakqueadas. Me deu medo de ser hackeado também, além de todos os demais medos e paranoias que possui todo aquele pecador que infringe as regras do Deusinho.

Dois dias depois chega convite de amizade de um mexicaninho. Logo em seguida outro. E mais outro. Minhas fotos certamente tinham sido aprovadas, a  mexicanada ficou minha fã e dezenas de Despacitos tavam querendo ter amizade com o taradão dos Pampas.

Putz. Lamentei ter saído do grupo antes de ver o resultado de minha obra. A quantidade de likes e de comentários, hein? Que pena. Lamento até hoje. Quer dizer. Não, não...bobagem, afinal...nem penso nisso.

Bah.

Vou lá tomar meus remédios.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

DEU CRUSH

Deu crush e quando fui ver, não acreditei. Ela era linda. Achei até que fosse alguma pegadinha, mas logo conversamos um pouco no chat e já marcamos um encontro e é isto que está acontecendo exatamente agora, e posso afirmar a vocês que ela é deslumbrante, é mais bonita que nas fotos e já pedimos dois chopes e a menina, animada, vai me contando de seu dia, eu gosto disso, sempre acho que a mulher deve falar um pouco mais do que o homem, é a mulher quem faz o motor do mundo não parar de funcionar jamais, e vou acompanhando a narrativa dela com vivo interesse e só fico um pouquinho aflito pelo número de personagens, o Lóris, a prima Mirna, o Valnei, o Tino, o Tito, o Lito, o Lóris de novo, mas por que alguém se chama Lóris? e já imagino um alemão careca, de olhos muito azuis, que tem a rara habilidade de levantar com os cotovelos as calças que estão sempre caindo, e com certeza Lóris usa aquele primeiro modelo do chinelo Rider com meias em pleno janeiro, e ela segue falando sobre o Lóris, que só agora se recupera da separação, que a mulher o deixou por um médico, e fico atento ao caso, pois adultério é sempre interessante, mas o papo acaba caindo na doença da mulher do Lóris que tem sei lá o quê que faz a pessoa ficar com a barriga sempre inchada, e quem passa perto até escuta alguns assovios que vem das tripas da pobre, e me sinto ansioso pois vejo que o assunto bifurcou, isto é, bem aquilo que sempre me traz tanto pânico, o assunto dentro do assunto, mas bravamente cravo a atenção nas palavras da moça, tão bela e formosa que ela é, e pra demonstrar interesse pergunto se o Tino, o Tito e o Lito são irmãos e ela ri e explica que não, que o Tino é filho do Lóris, o Tito é primo e o Lito não é Lito e sim Lino que é corretor de seguros, mas nem lembro dela ter falado em seguros, então a moça volta ao tema "mulher do Lóris" que agora vive com o Doutor Elton, que é de Passo Fundo, e afirma que não vou acreditar na enorme coincidência de que eles eram vizinhos de porta na década de noventa, então aí fico nervoso, pois o assunto que já tinha bifurcado, trifurcou, e bebo o chope com sofreguidão e peço outro, e começo a me possuir pela certeza de que o sonho dourado dessa mina é ter duas bocas, pra poder contar histórias paralelas simultâneas e isto me faz lembrar de um casal amigo da família que senta na tua frente e cada um deles fala um assunto diferente contigo, os dois com fisionomia resoluta, nem aí, vão despejando o que vem na cabeça e isto te obriga a ter um cérebro estereofônico pra poder responder a ambos com exatidão, mas algo me diz, que por trás daqueles rostos amigáveis, há uma antiga e mútua vontade de estapearem-se a qualquer momento, na real, são eternos rivais competidores da chorumela, e quando volto a mim, meu crush está contando sobre a depressão que fez o Lóris montar um jardim no fundo de casa pra plantar petúnias selvagens e, caralhodocudabunda, assim não dá, né? mas que porra é essa?!, então, esquecendo qualquer rastro de etiqueta, retiro o celular do bolso, abro e vejo que minha mãe está conectada, pois reparo que ela já compartilhou vinte e cinco publicações minhas, inclusive das propagandas dos shows do mês passado. Desesperado, mando uma mensagem

- tás aí?

Por sorte, mami é antenada e não tarda a responder.

-tô
-me liga e diz que tu tá passando mal.
-quem que tá passando mal?
-parius. só me liga.

Logo toca o smart e quando atendo, reparo que a lindinha continua solando com fúria e não dá refresco nem durante o telefonema, que fica um tanto complicado de fazer minha mãe entender o imbróglio todo, que estou bem, que nem eu nem ninguém está passando mal, que tudo isto é apenas um truque pra me livrar duma maleta. Por fim, extenuado, desligo e comunico.

- Tenho de ir!
- Como assim?
- Era minha mãe. Tá passando mal. Tenho de ir já.
- Puxa, que chato. Eu vou contigo.
- Não, que é isso. Não precisa.
- Vou sim.
- Não enche.

Putz. Saiu sem querer. Saiu meio vacilante, mas saiu. Foi um ato reflexo. Saiu baixinho, mas ela ouviu. Ela estanca e fica me olhando. Magoou, é claro. Já tá com os olhos cheios d'água.

- O que você disse?
-...hum...nada...quer dizer...
- Você disse pra eu não encher. Foi isso.
- Sabe o que é? Tô nervoso. Tenho de ir acudir minha mãe. Você pode ir pra casa e a gente fala amanhã.
- Eu não vim de carro. Moro lá na zona sul.
- Pega um Uber ou um táxi.
- Não pego. Eu tenho medo.
- Mas como você veio?
- O Lóris me trouxe.
- Escuta uma coisa. Por quê que você não namora o Lóris?

A mina, numa rapidez inacreditável, passa da melancolia prum estado animadíssimo.

- Kkk. O Lóris? O Lóris fala demais. Além disso, usa uns chinelos pra lá de esquisitos.
- Hum.
- Agora sou eu quem vai te fazer uma pergunta e quero que me respondas com toda a sinceridade, tá?
- Manda.
- Tás com ciúmes do Lóris?

Nesse momento sou tomado por um profundo desamparo. Não me resta outra alternativa. Levanto da mesa e depois de soltar um grito ensandecido, me atiro pra fora do bar e num clima Usain Bolt cruzo a rua e me jogo pelas vielas escuras do bairro, escutando ao longe os vagos murmúrios e queixumes da menina que é uma fantástica máquina de falar, e com mais clareza, me chega o som dos gritos e passos nervosos dos garçons que certamente já iniciam minha perseguição, mas que não se iludam, não me pegam, pois o pavor faz a gente correr o dobro do que a gente sabe, o medo, meus senhores e minhas senhoras, o medo... faz a gente voar.

sábado, 19 de agosto de 2017

9 SEGREDOS DA MEDICINA MAIS DO QUE POPULAR

Tás com uma tristeza infinda e não consegue vislumbrar qualquer tipo de luz no fim do túnel?

COME MEIA MARIOLA COM UM NESCAFEZINHO


Tás padecendo de solidão, mesmo bêbado e gritando no meio de um monte de amigos que te abraçam e lambem tua cara?

MANDOLATE DUPLO

Tás com a sensação de que a cabeça teima em estar virada pra trás e te sente um Curupira invertido?

COME UMA BALA DE MENTA BEM MELECADA. COLOCA NA BOCA COM PAPEL E TUDO.

Tás convencido de que a vida é um tédio e que jamais haverá solução pra isso?

FAZ UMA GEMADA COM DOIS OVOS E COME ATÉ O FIM. ATÉ O FIM, EU DISSE. TUDO. VAI!

Vontade louca de namorar, de comer alguém, ou dar pra alguém, tipo o primeiro que aparecer, sem pudor, nem medo, nem culpa daquelas de se açoitar depois de tudo terminado?

PÃO COM MANTEIGA E AÇUCAR ACOMPANHADO DE MEIO COPO DE TANG.

Vontade urgente de entrar na rede e mandar tomar no cu geral, até os amigos mais parceiros?

UM COPÃO DE NESQUIK MORANGO.

Tás com a língua trêmula e o pestanejar nervoso? Coceira alucinada no nariz, vermelhidão com comichão ardente dos ouvidos, pés e mãos como se estivessem queimados pela geada? Frieiras que coçam demais, jamais curam e te fazem perder o mindinho?

BANANA AMASSADA COM CANELA E CRAVO. COMER DE OLHOS FECHADOS E MASTIGAR OS CRAVOS TODINHOS.

Sofres de vertigem no momento de subir um simples tapete e caminha sobre ele na ponta dos pés até chegar novamente ao parquê?

PARA COM ESSE TRAGO, MEU

Sentes desconfiança sem razão? Padeces de delírio religioso com preocupação única de salvar a própria alma? Sentes duas vontades opostas? Ofende-te facilmente e quando isto acontece sobrevêm o mau hálito que cega?

COLOCA CINCO HALLS PRETO NA BOCA E DÁ UM GOLÃO NO WHISKI. A CURA SE FARÁ APÓS O BERRO.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

O TOFU

Ontem fui num coquetel.

Uma menina sorridente se aproxima com uns quadradinhos numa bandeja.

Tofu.

O tofu é impressionante.

Você coloca na boca e a primeira impressão que tem é a de que está comendo terra.

Logo em seguida, quando ele se desmancha um pouco, parece um pano de prato sujo e mumificado.

Então você, com a expressão tomada pelo assombro, vai engolindo aquilo possuído pela certeza de que são fragmentos do cu de um camelo desidratado.

O tofu é uma tortura em vários estágios.

Parius.

sábado, 29 de julho de 2017

PULANDO CORDA

Tinha bebido umas que outras e, não sei como, acabei caindo pra dentro do dancing da hora. Troço lotado. Fauna intensa e variada. Tô observando, espreitando. De repente vejo uma moça com olhos de fada. Tá me olhando. Não tira os olhos de mim e me certifico completamente disto. Não há dúvida. Não tem erro. Então dou um talagaço na ceva pra me encorajar e me aproximo.

- Oi.
Acho que minha voz sai fraca, pois ela continua com aquela expressão de coruja que presta atenção. Volto a repetir.
- Oi.
- Oi, ela responde.
- Tudo bem?
- Até agora tudo bem.
- E aí?
- Aí o que?
- Reparei que você tava me olhando.
- Eu? Te olhando?
- É.
- E por que eu estaria te olhando?
- Sei lá. Me dando letra.
- Letra pra você? Tás doido?
- Parecia.
- Você tá viajando.
- O que você tava olhando, então?
- Ah, sei lá... o movimento do barzinho. Normal.
- Ah, tá. Bom. Desculpe, então.
- Sabe que você parece o Tio Epa?
- E quem seria o Tio Epa?
- É tio do meu avô. Tem um retrato na casa da minha vó.
- Hum.
- Você parece com ele, só que bem mais velho.
- Bom. Tô indo, então.

Nesse momento começa a tocar o Despacito e a moça se anima. Me pega pela mão e me leva pro meio da pista.

- Dança só essa comigo, Tio Epa!

Não me faço de rogado. Entro mandando ver no meu balanço, mas quando vou demonstrar meu estilo clássico, descubro que há uma coreografia a ser seguida. Recuperado da amarga surpresa, vou tentando copiar aquela parada ridícula quando vejo o Neco Bocão entrando no bar. Neco é o maior fofoqueiro do meio musical. Vai espalhar aos quatro cantos que me pegou coreografando o Despacito. Pra me esconder do cara e escapar da galhofa, resolvo dançar agachado, mas passado um minuto, minhas panturrilhas ardem e surge o temor de me borrar nas calças em algum movimento mais brusco. Para minha surpresa, o dance todo tinha achado que meu passo era uma boa ideia e já me acompanhava dançando de cócoras. Como o disfarce já não servia, resolvo levantar e é aí que me estira o ciático, uma coisa de outro mundo, pois até a língua fica dura e a dor aguda me faz criar um novo movimento com uma perna completamente rígida e este passo é imediatamente seguido pela galera ensandecida e desta forma a dancinha do Despacito se torna algo assim como um exército de zumbis se desmanchando.

Bueno. Talvez isto tudo tenha me feito ganhar pontos com a menina e uma hora depois, estamos bem engalfinhados num canto escuro. Perdi as contas da quantidade de Smirnoffs Ice que a vi tomar e isto, somado aos cigarros que ela fuma lá fora toda hora, faz seu hálito lembrar sarcófagos de faraós ou até mesmo jaulas de mico leão. Apesar desta fantástica maresia, o beijo é uma delícia e ela parece gostar demais do assunto, pois nos momentos em que cesso o amasso para respirar um pouco, beber ou espiar o movimento, a menina imediatamente coloca a língua dentro de minha orelha e lambe com fúria e esta função me deixa a vista turva, impedindo que eu consiga enxergar qualquer paisagem e até mesmo de trazer o copo até a boca, tamanho o torpor,   e então só me resta me concentrar aparvalhado naquele êxtase de roto rooter e tentar esquecer qualquer ponta de preocupação quanto ao surgimento de uma otite média na segunda feira.

No fim da noite, na fila do caixa vamos nos despedindo. Depois de um chupão de roubar amídala, ela me olha compenetrada.

- Tio Epa? Se tu tirasse um pouco dessa barba, acho que ficava um pouco mais decente.
- Tu acha?
- Acho sim. Tu parece desses comunista que tem por aí. Esses Lula.
- Não gostas do Lula?
- Eu não. Detesto. Gosto é da Dilma. Essa sim, pra mim, é rainha.
- Tu curte política?
- Dou meus pitacos. Olha só. Aqui no sul, odeio a Ana Amélia que eu chamo de Cruela Devil, mas o Lasier é o cara mais inteligente que tem.
- Bah!...sério?
- Tô te falando. Se eu encontrasse ele na balada eu até beijava.
- Não acredito.
- Por que não? Se eu beijei até tu, tio Epa, tu acha que eu não beijava o Lasier?

Nesse momento fiquei por demais irritado. Mandei.

- Quer saber de uma coisa? Apaputa!
- Ai, tio Epa. Não fala assim que eu xono.

Voltou a me beijar e agarrou minha nádega com decisão na frente de toda galera. Entrou no Uber e se foi e me restou zanzar mais um tanto por uma Cidade Baixa já deserta, tropeçando por meio fios e e divisores de trânsito.

Antes de entrar em casa, fazendo xixi no jardim, olho pras estrelas nessa madrugada fresquinha. Acho que foi alguém que me ensinou que é importante fazer isso. Olhar estrelas. Volto então a pensar na balada e não tenho certeza, mas se não me engano, a menina se chama Kristellen. Fico então a imaginar que Kristellen deve ter uma irmã de quinze de nome Jenniffer e um irmão de doze chamado Robson que é colorado. Me imagino namorando Kristellen e sentado no sofá da sala consolando Robson por seu time ter de permanecer mais um ano de segunda divisão. Tal pensamento me faz rir e acabo me mijando todo e isto me leva a gargalhar e a risada incontrolável me traz a tosse e a tosse me faz vomitar um tiquinho e tudo isso junto me faz perder o equilíbrio e conformado, mergulho de barriga no meio de azaleias e margaridas.

Depois de entender o que havia acontecido, me ergo, me limpo um pouco e entro em casa, não sem antes dar mais uma olhada nas estrelas. Agora sim. Hora de dormir, professor!

O estômago aos coices.
O ouvido borbulhando, é claro.
E a alma?
Ah...
A alma pulando corda.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

MEU MEDO MAIOR

Tenho tido pesadelos recorrentes que via de regra acabam em choro.

Sempre com a Ivete.

Num deles, tô pelado, sentado no chão e a Ivete tá de pé na minha frente. Ela é gigante. Tem uns sete metros de altura e me mira com fúria. De repente grita com aquele sotaque baianês e o som parece um navio.

- Faça posição de lótus, menino!!!

Então eu tento obedecer à ordem, mas como sou fofo, no momento em que cruzo as pernas, caio pra trás e bato com a cabeça no solo com estrondo, enquanto os pés cruzam os ares num movimento de pêndulo. É aí que abro o bocão e começo a chorar.

Quando cesso o pranto e procuro a figura dela novamente, vejo que está deitada numa camona, desta vez me fitando com olhar carinhoso. Então, ela fala com voz doce.

- Venha aqui menino. Suba em mim.

Levanto e inicio a escalada com certa dificuldade, mas depois de alguns minutos, estou encarapitado no peito daquele Ivetão tão lindo que continua com um olhar meloso e passo a mão naquela pele tão suave e caio na real de que estamos pelados e me encorajo até a dar umas bicocas na parte sul do seio esquerdo quando ela diz, com voz sensual.

- Bom menino que você é. Agora você pode pedir o que quiser.

Neste instante, olho pra trás e embevecido com aquelas coxas que parecem um continente, acabo reparando na altura estapafúrdia em que me encontro e num sobressalto volto a chorar, fazendo meu pedido entre soluços.

- Eu quero descer.

Vou contar um troço.

Uma coisa que eu tenho medo nessa vida é de que a Ivete goste de mim.

Eu sei, eu sei, a chance é de uma em vinte e quatro quaquilhões, mas sempre há uma possibilidade.

Minhas músicas andam por aí, pela rede. Vá que um dia ela, folhando o YouTube, escuta, sem querer, uma de minhas canções e alguma conjunção de acordes e melodias precipite uma reação de enfeitiçamento fazendo ela ficar curiosa.

- Quem é esse menino que faz essa música gloriosa?
- É um cara lá do sul. Um tal de Corona.
- Do sul, é? E como ele é?
- Um momento, iluminada. Estamos checando o feicibuqui dele.
- Cheque que eu espero.
- Já temos a informação, amada.
- Diga, paixão.
- Parece gordo.
- Fofo, é?
- Fofo e baixo, ensolarada. Quase um anão.
- Hum. Mesmo, é?
- É. E careca.
- Careca, é?
- E coroca também, glamurosa .
- Coroca também, é? Mas que porra do caralho!!!...bom...não importa...me tragam de qualquer jeito esse menino tão melodioso e arretado.

Já pensou? Tá louco, meu! Prum lance desses eu tenho de me preparar. Pelo menos uns dois anos de academia! Se não, é infarto na certa. Tenho de voltar a ser aquele cara atlético que escalava a Pedra do Arpoador pela face mais íngreme. Se não é derrame, meu, é boca torta.

Bah. Coisa que tenho pânico nessa vida é que a Ivete goste de mim.

A Anitta? A Anitta, que é mais pequititinha, até encaro, se calhar dela gostar de mim. E por que não? Bom... e se a reconhecer também, é claro.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

O PERIGO DO SUCO VIVO - MUITO CUIDADO

Sempre fui e continuo sendo uma frágil plantinha. Por isto, necessito cuidados extremos e constantes e talvez também por isto, minha mulher tenha chegado em casa com a novidade do suco vivo.

Pra proteger minha saúde, eu teria de tomar o tal suco, que consistia na mistura de um suco de frutas, maçã, uns brotos de sementes de girassol, inhame e a abominável couve.

Deviam ser duas da tarde quando o pau bem mandado aqui ingeriu a duvidosa beberagem. O gosto não era de todo mau, mas restou na boca uma leve sensação de que havido lambido o sovaco do tio Quinho.

Fim de tarde resolvemos ir ao cinema e quando chegamos ao Largo do Machado, bateu a fome e decidi comer um McDobbels, contrariando os discursos intermináveis de minha mulher quanto ao malefício do ato. Devorei rapidamente o lanche com fritas e coca, pois não tínhamos muito tempo, e atravessamos a rua correndinho com aquele lance já chacoalhando no meu pandulho.

Quando entrei no cinema, senti que o suco vivo e o McDobbels realmente não estavam criando uma boa empatia. Um era petralha e o outro coxinha, e quando sentamos na sala, já podia perceber poderosos movimentos revolucionários nas entranhas.

O Discurso do Rei era o nome do filme. Um filme cheio de silêncios. Pior.

De repente rolou um silêncio e veio a coisa.

Não sei se você sabe o que é um glissando de contrabaixo. Pois é. Era algo por aí. Naquela pausa, ouvi com clareza um glissando lento, ascendente, acompanhado de alguns harmônicos e mais uns discretos e inacreditáveis assovios. Era o som que minhas tripas começavam a inventar.

Notei que meu vizinho do lado esquerdo, com preocupação, virou a cabeça em direção a minha barriga. Fiquei irritado com aquilo e bochinchei um pouco com minha mulher a possibilidade de vazar da sala, o que ela replicou com uma expressão de frieza e desdém, afinal de contas ninguém mandou comer aquele veneno.

Logo em seguida, novo silêncio e novo glissando e meu vizinho, depois de mirar minha pança, comentou algo com a namorada. Tenso.

Daqui a pouco, rola outro grande silêncio, quando irrompe um glissandão ascendente, vagaroso, logo seguido de um glissandinho acelerado e descendente, como se de repente, aquilo que estava indo naturalmente, tivesse tomado a brusca resolução de voltar, como se houvesse se assustado com alguma coisa. Um troço muito impressionante. O cara, assustado, olhou pra minha barriga e em seguida pra minha cara e então achei que deveria dizer algo pra acalmar o sujeito que parecia atônito, e em voz baixa mandei.

- Velho...fica tranquilo que não vai vazar nada.

Logo em seguida, indeciso, caí na asneira de adicionar um “eu acho”, e isto me fez rir e foi neste momento que deixei um fio de baba escapar da boca.

Quando notei que o rapaz esfregava o braço com sofreguidão para limpar a indesejável gosma, fui tomado  pelo riso e num ato reflexo levantei dali gargalhando que nem um camelo, e aí meus senhores e minhas senhoras, só me restou empreender fuga, pois comecei também a tossir e a tosse me saia pela frente e a tosse me saia por trás, fazendo com que a radioatividade principiasse a escapulir com fúria, os gases tóxicos já ameaçavam tomar o baía de Guanabara por inteira, o grande  desastre do Catete faria Chernobyl cair no esquecimento, e foi também pensando nestas idiotas consequências que deixei a sala de projeções aos tropeções, cacarejando deslavadamente, abaixo de protestos e queixumes de uma plateia que já ensaiava algumas hostilidades.

Da porta ainda vislumbrei minha mulher que, com toda sua indiferença e rancor vingativo, bem acomodada em sua poltrona, comendo pipocas calmamente, tava nem aí pra mim.

Bah.

Suco vivo nunca mais.

Parius.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

GENERALIDADES SOBRE PROSÓDIAS TOLAS EM UM SÁBADO CHUVOSO

Lembrei de um jingle que tive de fazer prum híbrido de milho de uma marca chamada Pioneer. O refrão ficou assim:

Pioneer, Pioneer
Este milho é diferente,
Este milho é Pioneer.

Alguém entrou no estúdio e ouvindo aquilo começou a dar risada. Perguntei o porquê.

- É que parece que é Pai Onir, um caboclo, um pai de santo, que é a marca de um milho diferente, especial pra trabalho, pra despacho na encruzilhada.

E não é?

Daí tocou na rádio um pagode ou sertanejo, não lembro direito, e o refrão, que repetia muitíssimas vezes, era:

A FILA ANDA

Mas o que acontece é que, cometendo uma prosódia, os caras acentuaram no A. Então ficou:

Áfila Anda.

Daí pensei. Áfila Anda fica legal. É o nome de um famoso escritor e guru indiano.

Gravei um disco muito bacana com Neto Fagundes chamado Regional Brasileiro e tinha um baião arretado que num determinado momento dizia.

Chula se dança com pé.

Mas a melodia foi fortemente acentuada no “se” e então dava a impressão de que era;

Chulacy dança com pé.

E como aquele trecho daquele poderoso ritmo nordestino tinha uma melodia forte, meio maquiavélica, já fui dizendo que Chulacy, irmão de Eracy e Doracy era um dos braços direitos de Lampião e dançava como ninguém.

Renato Guimarães, um amigo que já se foi, me deixou uma letra e coloquei melodia. Batizamos de Tango do Aterro e curiosamente é uma metáfora sobre os tempos em que estamos vivendo.

Uma das estrofes tinha a frase;

A moral inorgânica.

Acabei acentuando no “mô” e então quando se ouve fica uma coisa assim.

Amor ao inorgânica.

Daí, sei lá por que, imaginei que Inorgânica era um magrão barbudo, alto, que usava sandálias de couro e era um famigerado traficante de drogas. Como é que alguém pode ter amor pelo Inorgânica?

Brincávamos, na época, que Chulacy e Inorgânica formavam uma dupla de bandidos inseparáveis.

É o que tem. Chove muito. Acho que meus pensamentos estão úmidos.

sábado, 22 de abril de 2017

DESASTRE PENTELICULAR

1º DIA
Nada que possa trazer pânico, mas acabei de descobrir o surgimento de um pentelho branco na face rugosa da Bola Leste. Resolvi não eliminá-lo.
Tingi-o com a cor fúcsia para posterior monitoramento. Obrigado pela atenção.

2º DIA
Houve questionamento quanto à cor utilizada. Se falou em amarelo neon e magenta entre outros matizes, mas já é sabido que Fúcsia é a cor mais indicada para este procedimento por descolorir nadinha com o tempo. Além do mais, era a cor que estava mais em conta no mercado.
Depois de constatado o problema do branqueamento do pentelho na Bola Leste, foi feita uma inspeção acurada e rigorosa também na Bola Oeste e esta apresenta flora original e uma superfície pelegalinácea de excelente aspecto. Após isto, houve cuidadosa exploração no complexo situado acima do Maciço de Falus, (esta é a região mais preocupante) mas também ali não se verificou alteração da coloração pentélica.
Estes são os dados que tenho até o momento, e creio que há otimismo no ar. Qualquer modificação no quadro voltarei a informar. Grato.

3º DIA
Imagino a aflição de todos que estão à espera de notícias a respeito da evolução ou não deste quadro de empalidecimento pentelhar. Hoje não houve qualquer procedimento relativo ao problema surgido no domingo. A manhã foi ocupada por um campeonato de dominó e durante a tarde o Bingo foi a atração principal, assim sendo, só resta a noite e a noite não foi feita, por motivos óbvios, para observar (com a devida atenção que o caso merece) detalhes e modificações na Flora Pentélica. Amanhã, com certeza, estarei dando boas e alvissareiras novas sobre a quantas anda o processo que tanto está preocupando a todos. Saudações.

4º DIA

Foi com profundo amargor que hoje, pela parte da manhã, descobri um segundo caso de palidez pentélica. Isto aconteceu durante a primeira inspeção, quando ia dar a segunda demão de tinta fúcsia no pentelho doentinho, pois se sabe que um tingimento vigoroso amedronta os outros e estes tardam mais a embranquecerem. Pois ali, bem ao lado deste, pude ver claramente a melanina se negando novamente a penetrar. A covarde e preguiçosa melanina nos traindo mais uma vez. Mas não pensem que me dou por vencido. Tingi a este também. E o trabalho ficou muito bom. Reuni estes dois a um elemento sadio, um pentelho escuro como o breu, um pentelho de primeira qualidade, e com este pequeno grupo de três, fiz uma trança justa, presa em seu final por uma fita de cor amarela. O Amarelo contrasta muito bem com o Fúcsia. O arranjo ficou lindíssimo, parece a bandeira da Espanha, mas foi aí que notei que havia me descuidado muito com a poda nestes últimos tempos. A fitinha ficou situada quase na altura do joelho, o que não é nada bom, mas como estava tenso e exausto devido ao trabalho tão difícil, resolvi que deixaria para amanhã pensar em alguma solução para isto. Agora, se me dão licença, Mildred me trouxe o chá com bolachas de polvilho. Amanhã volto a documentar esta luta.

5º DIA – A exploração de hoje veio a confirmar o que já se pensava no dia de ontem. Houve um grave erro de cálculo quanto à poda pentélica. Se pode observar o quão extensa em seu comprimento está a flora pentelicular e há indivíduos medindo 17, 18 e até formidáveis 19 centímetros. A intenção inicial era, com isto, proteger todo o complexo de Meusbadalum da rigorosa intempérie invernal, mas também houve falha ao olvidar-se da importante máxima que avisa: “Pentelho gigante é pentelho fraco”. Além do mais, esta colônia pentélica de grandes proporções pode muito facilmente se enroscar e aderir à base da Chapeleta do Grande Glandum, causando estímulos que certamente vão causar modificações geográficas no Maciço de Falus. Este Maciço pode adquirir proporções continentais e com isto toda esta massa pentélica ficaria tesa e esticada até os limites que a física permite e causaria o fenômeno chamado Estrangolango.

ENTENDENDO O ESTRANGOLANGO

Quando você vê um homem na rua, caminhando inclinado para frente, com uma cara de quem vai cuspir a qualquer momento, pode ser Estrangolango. Se este homem, de repente se atirar pra trás de um muro qualquer, não importando a altura que este tenha, pode ter certeza. É Estrangolango! Ele certamente está, de forma desesperada, tentando desfazer a maçaroca sem ser visto.

Amanhã, nas primeiras horas do dia, iniciar-se-á a poda pentelicular e talvez 60 por cento seja um número aconselhável para um corte de tal magnitude. Sem mais novidades, com exceção da trança que resultou crespa devido ao tempo úmido, me despeço prometendo a todos informações precisas e de suma importância, como tem solido acontecer. Ósculos!

6º DIA
Hoje, desde muito cedo, iniciou-se a poda pentélica. Decidiu-se pelo corte de cerca de 80% da pentelhástima (esta se pode chamar de uma atitude radical) afim de evitar o enfraquecimento melanínico e o temido Estrangolango. Foi um trabalho exaustivo, pois, além da tosa da comunidade extensa em número e extensa em tamanho dos indivíduos, havia alguns dejetos espalhados pela área superior ao maciço. Se pode encontrar fragmentos de bolacha de polvilho. Mildred ainda não tem o controle sobre o polvilho e confecciona biscoitos que espalham farelos por várias áreas quando em contato com os dentes, farelos estes que se perderam, desde quarta feira quando do chá, em meio apentelhuma basta. Se pode reparar também e com preocupação que havia rastros de farinha de mandioca pela mesma área, assim como um micro pedaço de fraldinha alojado entre a Bola Oeste e a Perna Oeste. É bom que fique claro que a Bola Oeste jamais tem contato com a Perna Leste e se isto acontecer você é um homem morto. Nunca tente isto.

Voltando ao assunto principal, foi feita a limpeza destes detritos todos, e a flora pentelicular foi desbatada ao limite de 3 centímetros. Como o processo foi demorado, e com a chegada dos primeiros ares glaciais, se pode observar que tanto a Bola Oeste como a Bola Leste adquiriram uma tonalidade azulada e sua superfície aumentou muito sua característica pelegalinácea. Por fim o trabalho foi feito e tendo a flora pentélica diminuído tanto seu tamanho, agora se pode ver com clareza as colossais dimensões que o Maciço de Falus possui, assim como suas formas tão perfeitas e harmônicas. Espero que minhas informações tenham sido bastante claras para aliviar, pelo menos por algum tempo, a angústia de tantos. Confesso estar exausto e peço licença para me retirar, pois Mildred me chama para regarmos Cactus. Amplexos a todos.

DESASTRE PENTÉLICO – Descanso no fim de semana

Depois de uma semana tensa e exaustiva, decidi não pensar sobre o grave problema iniciado no domingo passado. Todos sabem que o surgimento do primeiro pentelho pálido abala as estruturas de qualquer ser. Sendo assim, eu e Mildred decidimos dedicar nosso sábado às petúnias e nenúfares e no domingo levamos os bisnetos de Mildred ao cinema. Os meninos são fãs de John Torturro, que por sua vez é fã de Woody Allen e por isto o convidou para trabalhar como ator em “Amante a Domicílio”, a maior barbada, porque Allen fez papel dele mesmo neste filme que tem momentos muito humorados, belos instantes poéticos, algumas cenas falsazinhas e uma fotografia bacana, acho que analógica, sei lá. Tem um momento que aparece um microfone numa cena e claro que foi de propósito, mas acho que o filme não vai se tornar um cult.

Depois de deixar os meninos em casa fomos visitar a avó de Mildred que está sofrendo de gastrite cerebral, pois a velha fica muito irritada com os assuntos sobre política que aumentam na pauta conforme a aproximação do pleito. Seu médico foi chamado às pressas em casa e lhe receitou Omeprasol, e a proibiu peremptoriamente de assistir ao Jornal Nacional. Parece que o tratamento já faz seu efeito, pois a velhinha quase não baba, quando fala do Bonner.

Muito cansados chegamos em casa e logo estávamos adormecendo. Sonhei com uma casquinha que simulava a casquinha de sorvete, mas não era gelada. Era uma casquinha que tinha uma maria mole em cima e se não me engano vinha sempre um brinde espetado. Acordei sobressaltado com o antiquíssimo gosto na boca. No meio daquela escuridão só pude ver os azulados e arregalados olhos de Mildred em minha direção.
- Você me assustou. Me acordou com este pulo.
- Desculpe. Estava sonhando com a casquinha de maria mole.
- Eu estava sonhando com o Cauã Reymond.
- Mas você sempre sonha com o Cauã Reymond.
- Humpf.
Voltamos a adormecer e voltei a sonhar. Não era mais com a casquinha. Era um sonho bastante nebuloso. Dele fazia parte Sildred, a irmã mais velha de Mildred.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

9 VERDADES E UMA MENTIRA



Nove verdades e uma mentira. É uma praga, um feitiço, uma doença que vai nos levar ao abismo final. Não resisti.

1- Consegui, em julho de 1830, chegar até Simon Bolivar com algumas caixas de penicilina, mas seus pulmões estavam irremediavelmente tomados pela tuberculose. Tarde demais. Deixei os medicamentos com seu exército que lutava bravamente contra doenças venéreas de todo tipo. Depois das explicações, ficaram me olhando. Se tomaram, não sei.

2- Na cidade do Rio de Janeiro, num sábado de São Sebastião, possuído pelos mais fervorosos sentimentos religiosos, alcei voo e flutuei junto às fragatas. Naquele sol e céu de um verão magnífico, uma delas se aproximou e me perguntou com ar divertido, no mais claro fragatês.
- Você é um drone?

3 – Ela tinha um olho verde e o outro azul. Era bela e se chamava Silvana. Tínhamos quinze anos e nos beijamos quinze vezes. Semana passada, quarenta anos depois, em meio à multidão da Rua da Praia, nos cruzamos e ela me reconheceu. Me piscou o olho. O verde. Tenho certeza. Ou terá sido o azul? Bah. Agora me perdi.

4 – Era uma teia de aranha perfeita, brilhando contra o sol. Por ser idiota, juntei uma formiga do chão e atirei na teia. A aranhinha veio correndo e em meio segundo imobilizou com seu veneno a formiga que se contorcia. Depois de observar que aquilo não era rango decente, a aranha levou a formiga até à beira da teia e jogou-a no vazio. Repeti a operação. Depois de despachar o terceiro cadáver, a aranhinha colocou as seis patas na cintura e me fulminou com olhar colérico. Saí dali mais assustado do que aborrecido.

5 – No ano passado fui escolhido o melhor pianista do meu prédio. Ganhei por WO, pois resulta que Dona Odete não pôde comparecer à grande final. Padece de gota a pobre velha. Ainda bem.

6 – É através do Senhor que toco, componho e arranjo. Muitas vezes estou fazendo um solo e quando vou executar determinada nota, escuto a voz Dele retumbando pelo cosmos com uma ponta de celestial irritação:
- Não, Fernando. Esta não. Esta sim. Assim vamos bem, Fernando.

7 – Depositei um pequeno punhado de açúcar no balcão da cozinha. Depois de alguns segundos apareceram duas formigas. Elas pararam ali, confabularam algo e comeram um pouco. Logo em seguida se retiraram pra certamente avisar azamigas. Então peguei um pano e limpei o açúcar dali, pras formigas passarem por mentirosas. Devem estar brigando até agora.

8 – Tive um cachorro ao qual consegui ensinar a cantar a primeira frase da canção Don’t cry for me Argentina. Minha família, a partir deste dia, nunca mais foi a mesma comigo. Rolou um mal estar que perdura até hoje.

9- Tive uma namorada que tinha metades de orgasmo. Conheci um cara que foi condenado a meia prisão perpétua. É depois da meia noite que meu motor chega à máxima velocidade e não há sabiá que me atrapalhe, não há culpa que me desassossegue e é neste horário que o medo das mortes vai passear por outras bandas.

10 – Também acabei sendo envolvido no escândalo de lavagem de dinheiro. Como prova, foram apresentadas minhas cédulas de 2 reais. Tão desbotadas e descoloridas, coitadas.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

MOQUECA PERIGOSA

Não costumo fotografar comida, mas o sucesso formidável da moqueca me incentivou a levar a cabo esta ridícularidade.

Acho que há um deus, certamente aquele mesmo que protege os bêbados, que algumas vezes alcança uma mão a alguns cozinheiros ocasionais. Hoje ocorreu este pequeno milagre numa panela de ferro.

Posso contar?

Piquei cebola e um pimentão vermelho e refoguei com azeite de oliva.

Quando estavam se dirigindo a desmanchar, adicionei uma porção de tomates e manga também picados. Manga a fruta, sim. Pode acreditar. E junto com isso, uma boa colher de geleia de pimenta.

Tás com medo? Me disseram que é assim que se vai à Índia sem pegar avião e não é a primeira vez que me arrisco a empreender este tipo de turismo.

Deixei carburar bem. Adicionei o leite de coco e umas pitadas de uma mistura de ervas, sais e pimentas, mas bem pouca coisa.

Salguei. Deixei mais um pouco e ficou um molho bacana, vermelho, amarelo, laranja. Então depositei cuidadosamente o peixe. Um kg de tilápia que por sorte encontrei muito fresca e firme.

Atenção. Como não sei esta parada de deixar o peixe temperar no dia anterior, no momento em que coloco na panela, dou uma salgadinha nele direto, pois o peixe custa a aceitar o tempero.

Deixei ali cozinhando uns 10 minutos em fogo baixo e o molho cresceu bastante.

Nos meandros e canais daquela piscina fumegante mergulhei o camarão. Era um camarãozinho duvidoso, pequeno, sem cabeça, com casca, que eu tinha embebido em limão e alho. Dei uma salgadinha nele também neste momento, como tinha feito com o peixe, e o cara acabou se revelando um campeão.

Fechei a panela e deixei mais uns 5 minutos.

O sucesso foi de tal monta que hoje não precisei lavar a louça. Acredita?

quinta-feira, 30 de março de 2017

OS PEDIDOS DE MARILYN

Acho que foi no março passado, numa quinta certamente, ao terminar o set, depois de deixar meu acordeon descansando em sua estante na beira do palco, estiquei o corpo para reorganizar um pouco a coluna e vi que lá estava ele no mezanino, o velho Celestino, à beira dos 90, olhando o movimento, sereno e orgulhoso do novo Odeon que agora podia receber até 200 almas sedentas de chopes escarlates e bueníssima música para dançar, neste ano de 36, onde Porto Alegre brilhava como a nova capital cultural sul americana, com seu rio inteiramente recuperado, repleto de barcos velozes e coloridos e uma gente alegre e vistosa zanzando até às madrugadas pelo cais e plataformas e foi no momento em que o velho me acenou lá de cima que escutei pela primeira vez a voz dela sussurrando com delicadeza, era Marilyn, não tive dúvidas, Marilyn Monroe, estava ali na minha frente, eu, um humilde músico que os colegas carinhosamente chamam de maestro, mas isto é uma besteira, pois nem diploma tenho, não, maestro não, por favor, é o que sempre digo, mas como contava, me encantei com o fato da moça saber a forma certa de como me chamar e ouvi claramente todas as sílabas, Ca-le-ga-ri-, tão bem que soou meu nome vindo daquela boca pintada e fresca, aquela voz aveludada me transportou para outra dimensão quando teceu todos os elogios que eu gostaria de ouvir sobre nossa pequena orquestra, ela falava com propriedade, como profunda conhecedora, aquela mulher de cabelos loiros e revoltos era um acinte de deslumbramento, e fui descobrindo com o passar do tempo que ela era uma perfeita mistura de todos meus amores passados, minhas conquistas, tinha trejeitos de meus amigos, olhares de minha mãe, movimentos de minhas filhas, uma familiaridade estonteante, um dejavu sem tréguas que era uma vertigem, algo como abraçar um corpo desconhecido e nu na mais completa escuridão, me pareceu gostar de falar sobre música a moça de sorriso luminoso, eu respirando o ar de suas palavras feito um guri espião e ela então revelou ter um pedido musical a fazer e o cenário assim ia ganhando uma atmosfera azul de balcão de loja, onde os perfumes vão se modificando a cada segundo, me fazendo levitar, me empurrando a voltar no tempo e a me sentir tão perdido com o olhar daquela mulher me atravessando, olhar impiedoso  que pouco a pouco foi semeando um desassossego incurável em meu espírito.

- Seria demais pedir para que vocês tocassem Futuros Amantes?

Me desculpei por não saber a letra, mas lhe garanti que executaríamos a canção do Senhor Buarque de forma instrumental e a moça agradeceu e retirou-se, flutuando pelo neon em direção a sua mesa e já são três meses que ela não falha uma quinta sequer, algumas vezes ela vem sozinha, outras num grupo de amigos e até mesmo aparece acompanhada de um homem, mas tenho certeza de que não formam um casal. Nos intervalos ela se aproxima para fazer seu pedido e ali conversamos um pouco, mas não vá pensar que me aprofundo, não vá imaginar que tenho a intenção de beijar esta moça, muito menos de levá-la até minha cama, pois devo confessar que tenho medo até de perguntar seu nome, não quero saber de que bairro vem, espero que ela nunca me diga que tem uma prima chamada Irene e espero que não demonstre curiosidade de saber a que signo pertenço. Esta última hipótese, penso que seria um irremediável desastre. Não quero arriscar a quebra do encantamento que possivelmente a faria dissipar-se e é bom ressaltar que ela também parece evitar estes assuntos vulgares e cotidianos e assim nossos diálogos navegam em meio a uma névoa de incertezas e hálitos de chope recém tirado e feiticeiro. Estes poucos momentos em que ela surge como cena de cinema já são o combustível de que preciso. Então fico por aí. Não necessito mais do que isso para matar minha sede. Torço também para que seus pedidos não estejam em nosso repertório pois assim chego em casa e, sem perda de tempo, inicio os trabalhos. Varo a madrugada escrevendo o novo arranjo, fazendo a lição de casa com perfeição para que os olhos de Marilyn brilhem na semana seguinte e até é bom contar uma passagem, pois Fabini, durante o ensaio da última terça, depois de desligar a guitarra, não resistiu à tentação e brincou em alto e bom som.

- Aí, maestro. Vou te falar. Depois que aquela dona apareceu, teus arranjos andam o must.

Tive de aguentar a galhofa dos demais colegas, mas Fabini brinca falando a mais pura verdade, pois numa noite destas executamos o arranjo de State, outro pedido dela, e a sensação que tivemos num determinado ponto da canção foi a de que se tirássemos as mãos dos instrumentos, a música seguiria tocando sozinha, tamanha a magia que a banda havia adquirido nestes novos tempos outonais, a orquestrinha estava voando, você pode acreditar, e Morettii, que geralmente é muito mais técnica do que sentimento, em seu solo de tenor fez os casais por um instante cessarem sua dança para melhor poderem admirar aquele surpreendente discurso musical carregado de todos os mais densos sentimentos deste mundo, Moretti tocou como se tivesse conhecido as mais lindas paisagens do planeta, tocou como se possuísse o coração varado por uma dúzia de paixões, Moretti, que era dono de uma frieza matemática, naquele solo chamou estrelas e eu poderia jurar que, por tudo isso, Pio escondia-se na bateria para que não o víssemos chorar.

Agora estou terminando o arranjo para Cry me a river, que foi o pedido da quinta passada. No momento em que ela citou o tema notei um quase imperceptível traço de tristeza percorrendo seu rosto e como isto é algo que não quero que aconteça de forma alguma, resolvi acelerar o andamento para que a melancolia vá figurar por outras bandas. Quero ver nosso público dançando com fúria esta marca que vesti com uma linha de sopros maquiavélica e estou ansioso também para apreciar Marilyn na pista com seu tailleur justo e seus movimentos lânguidos e indecifráveis. Já decorei a letra e isto me custou muito, pois não falo inglês e jamais cantei nesta língua. Neste exato momento deixo um pouco de lado o teclado do computador quando me vem uma nuvem de chumbo para soprar que talvez ela não apareça na próxima quinta, ou nas demais, quem sabe até seja possível que ela suma, como acontece normalmente com estes pássaros da noite boêmia que migram para outros bares ou outros hábitos, mas logo me tranquilizo quando lembro do instante em que ela, ao se despedir, segurou meu punho com mão trêmula e ares de misteriosa súplica e isto talvez tenha me feito entender que ela descobriu junto comigo esta espécie de ópio e que assim como eu, não tem forças para se livrar, então me debruço novamente sobre a pauta pois faltam alguns detalhes de guitarra aqui e ali, pouca coisa, logo tenho a forma final de mais um arranjo deste que tem sido meu trabalho e minha religião nestes dias chuvosos de junho, tudo para satisfazer os pedidos, os pedidos de Marilyn.

quarta-feira, 29 de março de 2017

PLANILHA

- Putz. Hoje não prenderam ninguém.
- É.
- Tédio, viu?
- Eu não gosto.
- De que?
- Quando prendem. Fico nervosa.
- Eu, atualmente, só gosto disso. Todo o resto acho um saco.
- Sério? Você tá muito neurótico com isso tudo.
- Sério. Fiz até uma planilha no meu quarto. Quase toda a parede.
- Não acredito.
- É. Com os nomes dos presos, partido, estado, quantia desviada, quantia devolvida, uma planilha bem completa.
- Mesmo?
- É. Ficou linda. Ficou gigante.
- Bacana.
- Queres ir lá conhecer?
- Teu quarto? Já conheço. Aliás, tô careca de conhecer teu quarto.
- Minha planilha você não conhece. Vamos?
- Pra que? Você acabou de dizer que o resto tudo é um saco.
- Tomamos uma cervejinha.
- E aí?
- Coloco uma musiquinha.
- E?
- Aí você dá uma olhada na planilha, pode dar alguma sugestão.
- Taquiuspariu, Alberto, que ideia fixa essa. E aqueles dias que você me prometeu no Itaimbezinho?
- Pois é. Acho que não vou ter recesso.
- Que recesso, caralho?! Você tá desempregado, homem!
- É mesmo. Você tem razão, querida. Bom. Acho que uns dias a gente podia tirar sim. Mas vou ter de digitalizar minha planilha pra poder levar pro Canion e acompanhar a movimentação.
- Putz. Isso não vai dar certo.
- Vamos indo?
- Por que essa pressa toda?
- STF, daqui a pouco, expondo suas covardias na TV Justiça ao vivo e a cores.
- Vai à merda, Alberto.

sábado, 11 de março de 2017

A LAGARTIXA MARLEY & O PINGUIM LASANHA

Dois espécimes raros de animais têm sido vistos pelas florestas e orlas flamengas. Digo que são raros por haverem migrado das terras do sul e também por estarem em extinção. Um deles é a Lagartixa Marley.

Marley tem predileção pelas árvores e montanhas e total adoração pela lua. Quando esta surge no horizonte, Marley sempre lhe aponta o dedo fino e branco e emite pequenos ruídos de aprovação. Lânguida por natureza, atrai a cobiça de machos e fêmeas de outras raças, mas a isto quase nunca vê, pois seu olhar está sempre descansando sobre imagens e sonhos. Apesar do nome sugestivo, não tem atualmente qualquer relação com a planta canabis seativa, e nem necessitaria , já que leva um jardim florido junto ao cérebro. Lagartixa Marley pertence à classe dos leves.

O outro animal a que me refiro é o Pinguim Lasanha. Lasanha tem sempre os pensamentos com alguns minutos de atraso, o que o faz nunca estar no lugar onde deveria estar. Devido a isto, apesar do porte avantajado, adquire a fantástica característica da invisibilidade, e se pode dizer que tal fato lhe traz o importante benefício do “corpo fechado”, mas também sérias desvantagens de toda ordem, afinal de contas, quem não é visto nunca é lembrado. Este indivíduo tem forte ligação com o oceano e não é raro vê-lo comunicando-se com as salgadas águas nos momentos em que besouros e nóias silvestres dão-lhe alguma trégua e não o picam tanto na cabeça. Pinguim Lasanha pertence à classe dos densos.

Os dois espécimes, apesar das grandes diferenças químicas e biológicas, se protegem mutuamente, e tem sido encontrados sempre juntos, brincando brincadeiras tolas e repetidas, mas parecem muito satisfeitos com isto. Vez por outra, surge uma pequena desavença, mas esta é logo superada, pois os dois sempre acabam lambendo as feridas um do outro.

É nos momentos em que estão roubando peixes do mar que aparecem as nuvens, então eles deixam tudo que estão fazendo para jogar sua atenção a estas nuvens carregadas que vêm das terras frias. Sempre tentam ler o que dizem as gordas nuvens, mas as mensagens nunca são o bastante claras e seus olhos se cruzam e se tocam logo após elas passarem. Geralmente, é neste instante que os dois desconfiam que, por suas extremas diferenças, se aproxima o momento de procurarem por seus iguais, porém , talvez por uma defesa natural, logo em seguida esquecem disto, afinal de contas há muitos peixes bonitos no mar. Peixes lindos. Pedindo para serem roubados.

Fernando Corona

segunda-feira, 6 de março de 2017

DA CEVA

Já faz anos, fomos fazer o Compoor canta Lupi lá pelas fronteiras e depois da tocata enveredamos pela noite e aterrissamos num bar Bebeto Alves, Nelson Coelho de Castro e talvez estivesse também Everson Vargas e havia uma cerveja uruguaia chamada Patrícia e mandamos baixar duas e achamos incomum o nome e o formato grandão de litro e logo também nos pareceu estranho o sabor forte, mas fomos nos amalgamando e pedindo mais e quando o sol já dava as caras, chegamos ao hotel engatinhando. Todos completamente apaixonados pela Pati.

Algum tempo depois a Patrícia chegou por aqui por estas bandas e fiquei alegre até o momento de beber e verificar que tava fracolas . Daí fiquei sabendo que a Ambev tinha comprado.

Algo parecido aconteceu faz pouco tempo num bar aqui de PoA. Cheguei no balcão e perguntei que cerveja tinha. Uma das opções era Eisenbahn. Quis saber o preço e era o mesmo das outras. Bueno. Me atirei, é claro. Quando botei na boca, que decepção. Era Skol. Ambev de novo. Como é que uma cervejaria consagrada como a Eisenbahn vende a permissão pra botar seu nome no rótulo de uma água suja? Coisa parecida aconteceu com a Devassa, uma cerveja carioca de primeira. Vendeu o nome pra botar em latas que são um horror. Intragável a Devassa em lata. As de garrafinha ainda são o must.

Faz alguns anos li no jornal que a Ambev tinha comprado a Cerpa, uma cerveja feita no Pará que era pra mim a melhor cerveja do país. Levou uns dois anos pra eles ferrarem a Cerpinha. Uma noite, no Rio Scenarium, no RJ, pedi uma. Tinha gosto de tungstênio titanizado. A Cerpa tava uma merda, mas os caras ainda tentaram manter uma certa personalidade. Gosto sintético esquisitíssimo.

A Polar, ceva feita aqui nos Pampas foi a primeira a cair. Era boa a Polar e acabaram com ela. A última que rolou pelo precipício foi a Sul Americana, uma cerveja carioca muito boa e barata. Ambev também meteu a mão e transformou em lixo líquido. Mais uma grande perda, pois tinha um preço bem acessível.

A Antárctica aqui do sul era massa e caiu. A Original também. A Bohemia, a cada dia que passa, fica mais caricata. Só restou a Serramalte que ainda é uma puta cerveja. Estes tempos o supermercado tava vendendo a Serra em garrafas pequeninhas. Fantásticas. Tem um gosto nostálgico de quando a gente era criança, provava aquela bebida amarela e achava ruim, amarguenta, mas já adivinhava a onda interessante que aquilo tinha. A Serramalte é um cerveja que a gente pode se dedicar, isto quer dizer, dá pra sentar e beber numa larga escala, ao contrário das artesanais que andam por aí. Artesanais tão arrebentando sim, mas é pra provar, beber um pouco, conversar sobre elas. Não dá pra ficar enchendo o pote. São muito fortes e substanciosas. Te deixam enjoado antes de ficar bêbado.

A Ambev tem como meta comprar e aniquilar todas as cervejas do planeta. A Ambev é um troço parecido com o sertanejo universitário. Quer transformar tudo num sabor único. E ruim.

E sendo ruim assim, a cerveja pra nós brasileiros tem de estar estupidamente gelada. Pra que a gente não sinta o gosto. No ano de 2011 o percussionista alemão Andreas Weiser me convidou pra visitar sua casa. Ficava num prédio recuperado da segunda guerra, era quinto andar, não tinha elevador, o pé direito imenso e uns degraus altinhos. Tive um infarto no terceiro andar e um AVC no quarto. Quando consegui chegar ao apartamento, Andreas me levou até a cozinha e me ofereceu uma cerveja. Sentamos à mesa, ele se abaixou e pegou uma garrafa de um engradado. Reparou na minha cara surpresa e disse que na Alemanha não se botava cerveja na geladeira, que isso era coisa de brasileiro. Era começo de verão em Berlim. Fazia uns vinte graus e aquela cerveja de fato era saborosa, mesmo estando à temperatura ambiente.

PS. Sabe a Proibida? Experimentei dia destes. Dei um gole e joguei fora. Consegue ser pior do que tudo que já provei até agora. Malt nojenta e Kaiser dão de 10.

AH...SÓ MAIS UMA COISINHA. Estas cervejas horrendas como Skol, Antártica, Brahma estão sendo feitas com cereais não maltados e diz que isto indica um grande risco de serem transgênicos. É mole?

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

NO MOTEL

Eles estavam em uma cama de motel e a coisa caminhava dentro da normalidade até o momento em que a mulher do quarto ao lado, possuída pela volúpia, começou a gritar.

- André!?
- Que?
- Os gritos desta mulher tão te perturbando?
- Humpf.
- É que a coisa desmanchou, né?
- Sabe o que é?
- Fala.
- Estes gritos.
- Que que tem?
- São da minha mulher.
- Sério? Tá brincando.
- Sério.
- Ela grita desse jeito? Ah! Mulher grita tudo parecido. Nem esquenta.
- É que ela falou.
- Falou o que?
- Hóstia.
- E aí? 
- É que quando ela tá com tesão ela fala hóstia.
- Mas por que?
- Ela é andaluza. É uma expressão espanhola.
- Puxa vida. Que peninha de tu.
- Óh. Tá ouvindo? Falou de novo.
- É. Ouvi sim. Ela fala hóstia mesmo.
- Quer ver que se a coisa esquentar ela vai falar “me cago em la hóstia”? Prestatenção.
- Hum.
- Óh! Ela falou. Ouviu?
- Ouvi sim, mas parece que depois disso ela falou mais alguma coisa.
- O que?
- Se não to enganada ela falou “me cago en la hóstia Valdemar”.
- Tem certeza?
- Acho que tenho.
- Taquiuspariu. Não pode ser.
- Por que? Quem é o Valdemar?
- Meu sócio.
- Ai, que júdio, querido.
- Putz.
- E agora?
- Agora vou ficar aqui pra ver se ela goza.
- Mas como é que você vai saber?
- Ela também  fala nessa hora.
- Fala o que?
- Por mis cojones.
- Que que é isso?
- Por meus culhões?
- Mas ela tem culhão?
- Sei lá. Acho que na Espanha todo mundo tem porque essa palavra tá em tudo que é frase.
- Entendi.
- Óh, escuta como ela grita.
- Hum.
- Óh. Tá ouvindo? Ouviu?
- Ouvi sim.
- Gozou, a safada.
- E acho que gozou, e gozou muito bem. Falou “por mis cojones” seis vezes.
- Não, não... Não foi tudo isso. Falou três, no máximo quatro vezes.
- Eu contei, querido. Ela ia falar a sétima, mas acho que se engasgou no meio.
- Parius. Valdemar mandou ver. Comeu minha mulher, fiadaputa.
- Mas peraí, André. Você não tinha me dito que era casado.
- Você não perguntou.
- E eu aqui, ainda com pena de você.
- Hum.
- Chupa, chapéu.
- Hum.
- E não chora.
- Hum.
- E para de falar hum.
- Tá.
- André.
- Que?
- Fazer cocô numa hóstia dá tesão?

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Â


Ânimus vinha descendo a ladeira pensando que não teria muitas horas para dormir e a segunda feira que estava despertando, já começava a cuspir os primeiros carros das moradias e foi na esquina que Ânimus se deteve, pois ali havia uma porta de garagem branquinha, impecável, e por que não?, ainda não havia pessoas na rua, coisa mais simples é abrir a bolsa e tirar o tubo e serão alguns movimentos rápidos, uma breve coreografia e o rapaz de braços longos sentiu o cheiro acre da tinta esvoaçando, isto era o oxigênio que fazia seu coração palpitar e então, mastigando a raiva, de olhos fechados, na ponta dos pés e braços abertos, elegante como um toureiro, caminhando de costas, afastou-se dez pequenos passos, respirou fundo e num repente escancarou os olhos para admirar o resultado final, picho massa, ficou irado, brother, inda mais com uma baita luz que bate nele pra galera toda poder visualizar até na madruga, e vai irar geral, man, vai irar as pessoas que vão criticar a mácula negra feita naquela porta tão recém pintada, uma maldade, uma falta de respeito, dirão e pensarão os passantes, e Ânimus devolveu o tubo à bolsa e desfez o sorriso pois a claridade do dia que se aproximava apontava obrigações e virar a noite sempre lhe trazia uma sensação de que haveria uma segunda vida atropelando uma primeira que nem foi vivida direito, uma vida de solavancos e tropeções e esta merda de sol já vai aparecer, viver deveria ser uma noite interminável onde a gente pudesse pichar até as nuvens pra irritar Deus, que certamente é o que mais merece, e Ânimus se foi ladeira abaixo com estes pensamentos num passo de soldado que tem intimidade com a guerra, porque do jeito que a coisa é, é guerra mesmo e não tem outra palavra.

Exatamente uma hora depois, enquanto Ânimus, o bancário, cabeceava seu sono no ônibus superlotado, aquela porta recém pichada foi abrindo lentamente e o carrinho azul de Cora, a professora, emergiu da casa que ainda cheirava a café e quando o portão se fechou não demorou muito para que ela deixasse o veículo e colocasse as mãos na cintura para observar o presente de Ânimus, os traços vigorosos e expressivos que foram feitos em tão poucos segundos e ela inclinou a cabeça para mudar os ângulos da visão, colocou a mão no queixo e decidiu retornar à casa por uma porta lateral e não tardou a voltar à rua com tintas e pinceis e sem perda de tempo usou gris e vermelho, alguns detalhes apenas, uns poucos contornos escarlates muito vivos e traços cinza chumbo aqui e ali para sublinhar as formas brutas daquela garatuja negra que o pichador havia feito durante um passo de balé e Cora tomou distância para enxergar o resultado e já havia escolares da vizinhança observando com curiosidade aquela atividade rara, tão cedo da manhã e a professora, depois de coçar a cabeça para saber o que a cabeça dizia, voltou a entrar e a sair novamente com aquilo que faltava, o amarelo, apenas alguns respingos de amarelo, um quase ocre, coisa pouca, pequenos sóis e aí então sim, estava concluída a criação que talvez lembrasse um tanto alguma figura nipônica, mas aquilo também era Espanha, o amarelo deu ares de escudo e brasão, assim pensou a professora que abaixou-se com divertida agilidade para desenhar sua assinatura no fundo preto, imitando os caracteres que usava Miró e então ouviu o alarido entusiasmado da gurizada que descia apressada a ladeira em direção ao colégio, que já eram quase oito, viu que estava atrasada, havia de meter-se 
logo de uma vez  em seu carrinho azul e ir-se, pois do outro lado da cidade havia muitos alunos esperando, ávidos pelas cores de Cora.

Foi na quinta de madrugada que Ânimus enxergou de longe a viatura estacionada na ladeira. Pensou que seria melhor entrar por uma rua transversal e assim evitaria passar pelos PMs, mas andava farto deste sentimento cansado, o medo, então decidiu continuar sua marcha com seu passo decidido de oficial e lembrou do picho daquela noite vagabunda e ficou curioso, vamos ver se essa gente limpou ou pintou a porta de novo, mano, que se isso aconteceu não vai dar pra repichar porque os homens tão no bico, meu, e o rapaz foi se aproximando e diminuindo o ritmo pois já podia perceber que havia cores sobre seu desenho e não estava entendendo o que poderia ter acontecido e completamente alheio aos policiais que agora estavam a poucos metros de distância, estancou em frente à garagem de Cora e a raiva companheira de todo o sempre não deu as caras desta vez e sim um assombro que lhe invadiu o corpo deixando as pernas trêmulas com aquela visão e a palavra que seus lábios deixaram escapar uma vez se repetiram mais duas, bonito, bonito, bonito, bro, que coisa essa, mano, que dá assim bem aqui no peito, uma ânsia de gritar e rir e chorar tudo ao mesmo tempo, mano, e Ânimus foi observando os detalhes dos traços enquanto passava a mão pelo metal do portão, como um marceneiro que alisa com carinho a madeira que foi recém trabalhada, e então reparou que havia letras na parte inferior e agachou-se para ler Cora em amarelo no fundo negro e pensou que sim, mano, eu também quero colocar aí a minha firma, tá ligado, eu também sou autor, mas os homens tão aqui bem nas minhas costas me fresteando, brother, já escuto até as vozes, eles vão meter confusão, mas eu coloco a bolsa aqui no meio das pernas e os caras não vão sacar minha intenção, porque tem de ser agora, porra, é só um A e um chapéu em cima, vai levar meio segundo e depois de feito tá feito, bro, e daí me jogo pela viela e mesmo que eles venham com o cambura eu me lanço na praça que tá pertinho, véio, e na praça ninguém me segura, eu sempre fui sombra da noite, e então com cuidado o rapaz tirou o tubo da bolsa e preparou o ataque, Ânimus, neste instante ouviu que as vozes dos militares haviam subido de tom, certamente já se dirigindo a ele que sem mais, ao lado direito de Cora, num átimo, rabiscou seu  e a fuga começou com passos rápidos pela ruela mas o som dos coturnos fez Ânimus desabalar carreira pela ruela escura, eu corro pra caralho, mano, com aquela farda pesada eles não me pegam, eu sou The Flash, porra, e este som, o que é isso? estes locks tão me mandando pipoco, man? tão atirando em mim? mas que gente mais doida e malvada, malvada e sem talento, mandaram bala e erraram todas, descarregaram os berros e nenhuma pegou, man, eu corro pra caralho que sinto o ar gelado na cara, este vento é meu,  corro tanto que tô até voando, tão bom voar assim, enxergando tudo que é telhado das casas, porque voando desse jeito vou pichar terraço pra ser visto de avião, vou pichar arranha céu e o caralho, man, tudo que é monumento nas maiores alturas vai ganhar meu desenho e minha firma, voando assim desse jeito, tão leve que tô, man, voando assim eu picho o planeta.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

NA NUVEM

Eu tinha postado um texto e ela gostou e digitou qualquer coisa  e vi que ele logo em seguida respondeu ao comentário dela com uma figurinha e fiquei assistindo a ela simpaticamente devolver a cortesia e ele não ter dúvida de mandar de volta uma figura com coraçãozinho, corajoso que é, pois uma figurinha deste naipe geralmente cria uma estrada sem retorno, e observei quando ela contestou com um kkk e ele então inventou uma frase de efeito que ela respondeu à altura e logo surgiu o silêncio que sempre pode sugerir uma fuga para o inbox e justo uma semana depois, com o Arpoador ao fundo e luzes de um sol da mais pura justiça que banhava a tudo e a todos, lá estavam eles, num beijo destes de filme antigo, numa foto que já está lá na nuvem e dali jamais sairá, mesmo que um dia o planeta esteja completamente desabitado, o beijo daqueles dois é uma paisagem que é pra sempre, pelo menos dentro da minha retina, e tudo isso me fez lembrar Galeano que disse algo parecido com "somos todos mortais até o primeiro beijo e o segundo copo, e qualquer um sabe disso, por menos que saiba".

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

DESTA VEZ DECAPITANDO



Quando terminou 2016 eu desejei feliz ano velho aqui nestas páginas, pensando que 2016 não nos deixaria tão cedo e confesso que achei este ano muito doloroso, mas também muito valoroso. Aprendemos bastante neste tortuoso caminho ou pelo menos foi uma boa chance pra aprendermos alguma coisa, quem sabe darmos uma amadurecida.

Agora, o que a gente tá vendo é que este 17 que se apresenta parece que vai nos fazer ter saudades do 16.

Então já me vem de novo aquele célebre diálogo do Millôr.


- O Brasil está melhor!
- Melhor como?!
- Melhor que no ano que vem.

O país polarizado, a gente se espancando, se ofendendo, se odiando, todos a bordo de uma mesma nave que em velocidade imutável, inexoravelmente vai pelo espaço em direção a um gigantesco muro.

Não dá pra acreditar que de uma hora pra outra tenha ficado tão clara a nossa idiotia, a nossa preguiça, nossa inoperância.

Estávamos nos achando. Pensávamos que tínhamos evoluído como nação.

Que nada.

Nem imaginávamos que este era um país bomba relógio. Uma faísca jogada na gasolina. Um edifício construído em alicerces de isopor.

Tão falando em Lula pra 18. Como? Vai fazer aliança com quem? E pra que? Nossa decadência moral é tão gigante que não tem sentido nenhum. Não temos ferramental humano pra construir nada que preste nesse momento. E mesmo que Lula pegue, vai ser amparado por qual justiça? Aqueles juízes melequentos e comprometidos que toda hora vem pra TV assegurar que as instituições estão firmes e fortes?

E tem mais. Os coxas não deixam isso acontecer. Foram autorizados pelos homens da lei a dizerem quem joga e quem não joga neste campinho.

Melhor deixar rolar. Deixar um ordinário destes da direita pegar o poder e exterminar o que ainda sobra do país.

Depois da convulsão, se ficar algo de pé, a gente reconstrói. E desta vez com cuidado. Desta vez varrendo de uma vez por todas aqueles que sempre e sempre repetiram a mesma molecagem. Desta vez decapitando.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

CURSO DE ARRANJO

Esta semana recebi um amável convite para administrar um importante curso de arranjo.

Realizar-se-á na Floricultura Pareci semana que vem. Serão cinco aulas.

Primeira aula: Como despetalar a margarida sem que ela choramingue.

Segunda aula: A harmonia de seu jardim. Se você tem pavor de que o cravo brigue com a rosa, jamais os coloque debaixo de uma sacada.

Terceira aula: Como transformar sua planta carnívora em vegana em três etapas.

Quarta aula: A importante técnica de manter sua tulipa sempre cheia.

Quinta aula: Como fazer com que sua samambaia deixe de ser uma parasita e decida procurar emprego logo de uma vez pra botar algum dentro de casa.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

CHAT NO WATT

- Alô.
- Oi, querida.
- Tudo?
- Médio.
- que foi?
- Pressão.
- Como assim?
- Sei lá. A alma apertada.
- Sério?
- É. O espírito parece que não vai suportar o descompasso do mundo, das pessoas.
- Hum.
- E uma coisa vai tomando conta...
- Que coisa, Otávio?
- Sei lá, é como se fossem tentáculos que obstruem a possibilidade da gente sentir, de se expressar.
- Tanto assim?
- É. Tanto assim, querida.
- Hum. Sei. E tem algo que eu possa fazer por você?
- Tem.
- E o que seria?
- Me manda uma foto pelada.
- De novo, Otávio??? Ontem você tava com aquela diarreia e te mandei 5 fotos peladas. Olha aquelas.
- Aquelas não tem mais validade, Lia. Foram enviadas pra curar um outro tipo de mal.
- Aiaiai, querido. Essa aposentadoria tá te fazendo mal. Quem sabe você espera eu chegar em casa e me pelo pra você.
- Isso não adianta. Você sabe.
- E o quê que adianta receber foto pelada de quem tá casada com você há mais de 30 anos?
- Ah, sei lá. Daí imagino que você é uma vadia asquerosa que fica mandando foto pelada no meio do expediente.
- E este tipo de foto melhora a pressão?
- Melhora muito.
- Teu espírito vai ficar mais levinho, meu Dodô?
- Humhum.
- Tua alminha vai ficar coisa queri?
- Vai sim.
- Não amola, Otávio!
- Não vai mandar?
- Não, né? Ontem quase me pegaram nua no banheiro que tá com a tranca estragada. Se isso acontece, tô demitida! Sem chance!
- Nem um peitinho?
- Não enche Otávio, tenho de trabalhar!
- A coxa. Manda uma da coxa, pelo menos. Você saiu de vestido hoje, que eu vi.
- Não amola. Levanta daí e vai lavar a louça que a pia tá cheia.
- A panturrilha? Manda da panturrilha, querida, por misericórdia...
Tu-tu-tu

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

PARCERIA TORTA

- Alô
- E aí, véio?
- Fala, grande parceiro. O quê que manda?
- E nossa composição?
- Ficou pronta, não viu? Até já postei no Face, parça.
- É. Acabei de ver sim. E parça é o caralho!
- Mas quê que houve, véio? Não ficou massa?
- Você mudou toda a melodia, mudou toda a harmonia e mudou toda a letra.
- Mas você disse que eu podia mexer em tudo, se eu quisesse!
- Mas não ficou nenhuma palavra que eu tinha sugerido! Nenhuminha! Nenhum acorde. Nada!!!
- Foi?
- Foi, porra. E além de tudo, era um xotezinho de amor e você transformou num funk libidinoso.
- Pô véio, as pessoas tão gostando. Já tem quatro likes.
- Tomanucu. E essa estrofe que você colocou; “Vêm comigo até o chão, vem lamber o meu sabão” de onde você tirou esse lixo? Deve ter sido teu tio Nestor que deu a ideia. É ele quem tá sempre mandando as pessoas lamberem sabão.
- É. Tio Nestor deu uns pitacos sim.
- E este verso do final? Que merda é essa?
- Qual, brother?
- “Fundamental é mesmo o nheco-nheco, é impossível ser feliz sozinho”.
- Quê que tem?
- Você não tem uma leve impressão de que isso já existe?
- Acho que não. Criação minha, pô!
- Sifudê. Olha só! Não coloca meu nome nessa parada não.
- Mas a música é nossa, bro!
- Nossa é o caralho! Bota no nome do teu tio Nestor, no nome da tua mãe, bota no nome do caralhodocudabunda se tu quiser, mas não me envolve nessa merda, e não fala mais de música comigo!
- Pô, bro. Não é essas aí.


Tu,tu, tu...

domingo, 29 de janeiro de 2017

NA PISCINA

Eu estava sentado na borda da piscina, me preparando pra nadar, mas estava estático, imerso em pensamentos. Pensando no que? Ora. O quê que se pensa quando se está sentado à beira de uma piscina? Se pensa na morte, é claro.

Acho que o devaneio apareceu devido à notícia do falecimento da atriz Mary Tyler Moore. Eu achava tão bonita. Então, desde os anos 70 esqueci completamente dela e de repente ela morre aos oitenta e é um susto ver com tamanha clareza que mais de quarenta anos se passaram assoviando sem dar a mínima satisfação pra gente.

Eu tava de olhos parados, delirando com isso, quando me chama a atenção que do lado oposto, uma mulher levanta da cama e entra na piscina dos pequenos, certamente pra se refrescar do sol escaldante. Tem o corpo bronzeado e bem feito. É bonita. Ela tá lá com este hábito meio ultrapassado de torrar no sol do meio dia e por isso não tarda em sair da piscininha e então posso conferir a retaguarda. Ela é bonita mesmo. Tem uma bunda de se agradecer e além disso possui uma característica que é muito rara, não só em mulheres, mas em homens também. O caminhar. Caminha lindamente.

No momento em que ela volta a se acomodar na cama, escuto um ruído e vejo que um maracujá se desprendeu do pé e caiu a um metro de mim. Logo penso: Isto é um aviso do Senhor. Ele a tudo observa. Vou pegar esta fruta e leva-la até a moça. Vou dizer que a estou ofertando porque alguma entidade me segredou que eu deveria fazer isto e logo em seguida sigo solando com toda minha genialidade e com certeza ela vai me achar interessante.

Claro que não fiz, né? Imagina. Sou um líquen. Um plâncton covarde.

Mas se fosse o Edson, fazia. O Edson é um colega lá do RJ. É o cara mais corajoso na paquera que conheci. Era na balsa, no metrô, no elevador. Não tinha ruim. E tinha um índice de sucesso altíssimo. Quando recebia um “não”, o que era raro, assimilava o golpe e partia pra outra sem sequelas. Quando recebo um “não”, quase entro em coma e no dia seguinte já me interno numa clínica. Mas o Edson não. Tava nem aí. Além de jovem e bonito, o Edson é simpático e ainda por cima disso, tem uma particularidade que encanta as mulheres. O olhar atento. O Edson passa a impressão de que está brutalmente dentro de todo e qualquer assunto, por mais modorrento que seja.

Mas voltando à cena do maracujá que claro que não levei adiante, ainda na borda, me pus novamente a pensar na morte pois me veio à cabeça um diálogo de um antigo filme chamado Feitiço da Lua. A lembrança é bastante vaga mas me marcou. A atriz Cher, passando por alguma decepção amorosa, pergunta a outra mulher se ela sabe o porquê dos homens que estão na idade do lobo avançarem tanto nas mulheres. Em resposta à negativa da interlocutora, Cher esclarece:

- Porque eles vão morrer.

Matutando sobre esta recordação, cheguei à conclusão de que sempre vivi como se não fosse morrer. Sempre vivi como se tivesse tempo de sobra. Não arrisco nada, nem quando os céus me enviam claros e poderosos sinais e me mostram que meu tempo no planeta vai se extinguindo alucinadamente. Então, num ímpeto, resolvi levantar daquela borda. Fui em direção ao maracujá e o agarrei com decisão. Localizei a mulher entre camas, cadeiras e outras gentes. Lá estava ela. Me esperando. Caminhei vacilante até onde estava minha bolsa. Peguei a bolsa. Abri a bolsa. Pensei um pouco, com a bolsa na mão. Deixei o maracujá cair dentro da bolsa, pra minha mãe fazer suco depois em casa. Atirei a bolsa, com desgosto, na cadeira. Tapei o nariz e me joguei na água.

Definitivamente não tem jeito.

Sou um musgo.

Um protozoário cagão.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O PODER DA SUGESTÃO

Era uma tarde de sábado e Paula estava passeando no shopping da hora de mãos dadas com o namorado, quando de repente, surge na sua frente aquele rosto sorridente e familiar. Era Cristina. Fazia mais de 10 anos que não se viam. Se abraçaram efusivamente e enquanto Cristina falava, Paula observava aquele rosto carregado de simpatia e tentava procurar nos recantos da memória alguma marca, um porém, havia algum desconforto naquilo, mas o que seria? Havia um defeito, um curto circuito, uma mancha naquele encontro e então Paula saiu do transe, interrompendo a busca e fez as devidas apresentações.

- Cris, este é o Ernesto, meu namorado, Ernesto, esta é a Cris, minha colega de faculdade.

Depois dos beijinhos de praxe, Ernesto pediu licença e comunicou que iria até a loja de celulares para conferir preços e assim poderia deixa-las conversando um pouco, para botarem em dia os assuntos, estas desculpas que uma pessoa dá quando quer fugir de ouvir reminiscências que não lhe dizem respeito. No momento em que o rapaz se retirou, Cristina de olhos e boca arregalados, mandou esta.

- Nossa. Que bonitão teu namorado. Parece o Alexandre Frota.

Foi neste instante que Paula viu caírem todas as fichas em sua frente e suas recordações vieram todas à tona. Começou lembrando do dia em que gastou uma grana pra comprar um almejado vestido e quando mostrou-o à amiga, Cristina veio com;

- Que bonito. É algo assim luminoso, como uma propaganda de margarina.

A partir daquele dia Paula não conseguiu mais usar a peça. Chegou a coloca-la algumas vezes, mas quando isto acontecia, logo lhe vinha à cabeça a musiquinha da Doriana, e então desanimada desistia do intento para optar por qualquer outra roupa. O vestido foi então esquecido no fundo do armário, dependurado num último cabide, e com o tempo desapareceu por completo por debaixo de saias rotas e grandes casacos. Um tempo depois endividou-se e orgulhosa, parou na frente da casa de Cristina com seu Golzinho zero quilômetro, branco, impecável. A amiga, antes de entrar no carro, exclamou quase numa gargalhada.

- Que lindinho. Parece um bolinho de noiva.

A partir daquele dia, foi como um feitiço. Paula entrava no carro e podia ouvir com todos os detalhes, as execuções da marcha nupcial. Ora por sinfônica, ora apenas por órgão. Em forma de rock, jazz, de banda marcial, mas foi no dia em que Paula ouviu claramente a marcha sendo tocada pelos pífaros de Caruaru, que resolveu ir até a concessionária e conseguiu desfazer o negócio depois de uma discussão acalorada e insana.

Aconteceu naquele mesmo shopping, e isso tem mais de dez anos, Paula lembrou com clareza da tarde em que as duas sentaram na praça de alimentação para comerem massa e quando Cristina viu os capelettis que Paula havia escolhido, observou:

- Legal. Capeletti. Parece que a gente tá no inverno, comendo sopa.

Então, em pleno janeiro, Paula sentiu gosto do caldo a cada capeletti posto na boca e tomada por esta impressão desagradável, logo deixou o prato de lado, dando uma desculpa qualquer.

As memórias vieram todas de uma só vez. Cristina era assim. Era dona de um poderosíssimo poder de sugestão.

E agora, alguns dias depois deste trágico encontro com a antiga amizade, Paula está jantando, com Ernesto à sua frente, e Paula pensa ensandecidamente na ironia de todos os destinos. Olha fixamente para o namorado e chega à conclusão de que ele não é parecido com Frota. Cristina enganou-se. Não é parecido. Na verdade, é igual. Ernesto é gêmeo univitelino de Alexandre Frota. Como pôde não haver reparado neste gigantesco pormenor? O rapaz, percebendo o olhar sério e insistente de Paula que parece segurar com fúria um pedaço de pão numa mão e o cálice de vinho na outra, sente-se desconfortável e então resolve perguntar.

- Que foi, meu amor? Algum problema?
- Tem sim, Alexandre...
- Que?
- Quer dizer...desculpe, Ernesto...que merda.
- O que houve, meu bem?
- Não me chama de meu bem.
- Puxa...Pra que esta hostilidade toda, querida?

Foi aí que Paula desatou numa choradeira. Pouco depois, entre soluços, fungadas, e grandes goles de vinho, com ar desconsolado conseguiu balbuciar.

- Acho que precisamos conversar, Ernesto...

sábado, 21 de janeiro de 2017

Ô ZUMBI!!!

Os zumbis agora querem Moro como relator, no lugar do Teori.

Além de continuar na LavaGato, é claro.

Estas pessoas também querem Moro na presidência da república.

E querem Moro como Salomão Ayala na próxima versão de Selva de Pedra.

Querem Moro no BBB, é claro, programa preferido.

Querem Moro numa dupla sertaneja, a música predileta. Poderia ser ao lado de Bolsonaro, que é também herói zumbi. Seria MORO E MESSIAS. Que tal? Não é sonoro?

Querem Moro na lata de sopa, no saco de salgadinhos, no pote de sorvetes, querem Moro sentado no banco ao lado de Tite.

Saramago escreveu um livro terrível sobre o tema. "Ensaio sobre a cegueira".

Eu nunca pensei que uma coisa assim iria acontecer. Que iríamos assistir a uma manada gigantesca de gente acreditando doentiamente numa mentira.

O Trump recebeu um aval da manada americana para atacar os direitos civis. Nós, por aqui, estamos nos dirigindo pra mesma cova.

Os zumbis vira latas destas terras estão dando o aval para que a lei seja quebrada de vez.

Ô!, Zumbi!!!

É. Você mesmo!!!

Quando você apoia a quebra da lei, você abre um canal que pode acabar te prejudicando, ou prejudicando os teus, na continuação.

Quando você vibra com a perseguição da ala que você não gosta, sem questionar isto, você ajuda a criar uma terra de ninguém.

Numa terra de ninguém, ninguém está salvo.

Nem você, por mais pessoa de bem que se considere.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

NÃO SABE?

- Sabe o que?
- Que?
- Tô com tisão.
- Tá com tisão?
- Tô. Um baita tisão.
- Não seria tesão?
- Isso. Tesão. Nunca sei direito como se fala.
- E aí?
- Maior vontade de comer uma bucéti.
- Sério? Vontade de comer a bucéti de quem?
- Minha, ué!
- Tua??...mas como assim?
- Normal. Tô pensando até em comprar uma dessas médias, hoje de tarde.
- Médias?
- É. A grande é demais pra mim. Tu também gosta de bucéti?
- Bom...sei lá...acho que gosto.
- Bem molhada?
- Claro. Bem molhada. Puxa! Parece que começamos a nos entender.
- Eu também gosto. Adoro quando a bucéti fica molhada perto das bordas...
- Que bordas?
- ...mas se a borda for recheada, nem precisa tá muito molhada.
- Escuta. Tu não tá confundindo com bruschetta?
- Não! Bruschetta é aquele troço de sexo.
- Que troço de sexo?
- Bruschetta é seio de mulher, não sabe? Vi dia destes num filme um homem baixou bem rápido o vestido duma mulher e agarrou as bruschetta dela...
- Hum.
- ...e daí começou a assoprar as bruschetta.
- Assoprar??!!
- É. Acho que ele tava assoprando dicumforça demais porque ela tava chorando um pouquinho. Coitada.
- Bah, véio.
- Que?
- Vou parar de falar contigo senão vou acabar desaprendendo o pouco que eu sei.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O ÓDIO DA ZUMBIZADA


Algo que deve ser explicado é o tamanho do ódio que as pessoas expressam pelo Lula e pela Dilma.

Aqueles que odeiam Lula e Dilma são os que mais odeiam. Disparado. São os que gritam as maiores aberrações.

Ninguém odeia tanto o Cunha, ou o Renan, ou Aécio. Maluf é um mega ladrão confirmado há tanto tempo e as pessoas chegam a ter carinho por ele.

Mas o Lula tem de morrer de câncer. E tem de levar a Dilma junto com ele. Alguém sabe explicar isso? Este ódio gigante?

Por falar em ódio, dei uma passada na página do Bolsonaro, que em matéria de ódio, é craque. Bolso agora está se dirigindo a ter 4 milhões de seguidores em sua fanpage. São 4 milhões de zumbis. Os zumbis são raivosos. Utilizam as frases feitas de sempre e às vezes, quando entra um petralha qualquer pra fazer chacota, ou contestar, recebe de volta montes de desaforos. Se for petralha mulher, é chamada de vadia, vagabunda, machorra. É a concepção zumbi. Tem gente que tá chamando Bolsonaro de presidente ali nos posts e com estas pessoas não há como argumentar, pois estão contaminadas pelo ebola político, doença grave que transforma o cerebelo numa lentilha, e a união destes enfermos forma uma imensa colônia zumbi. O cérebro dessa gente, geralmente inflamado, tem 12 frases armazenadas e dependendo da ocasião elas são cuspidas numa convulsão raivética.

Por falar em zumbi, dia destes vi um trailer de um filme sobre o assunto. Como as pessoas gostam de filme de zumbi, não é? Tá cheio de filme de zumbi. Deve ser porque a humanidade tá ficando zumbi. Mas nesse trailer, os zumbis são mais rápidos que o The Flash. São agilíssimos.

Credo. Foi-se o tempo em que o zumbi saia de um buraco e vinha todo manco e se desmanchando na nossa direção pra pegar a gente e a gente tinha tempo de sobra pra correr e ainda de fazer careta pra ele.

PUNHETAÇO

Opa, opa!! Onde vai com essa sunga e essa pressa toda?
- Vou no punhetaço.
- Sério?
- Certamente. Que nenhum maníaco destes seja louco de querer tirar meu direito básico, ainda mais que você anda sempre de greve.
- Não exagera, Nicanor. Deixa dessa bobagem e vamos jogar frescobol.
- Não amola, Marília. Tô saindo.
- Eu, se fosse você, não ia.
- Por?
- Vais passar vergonha. Tô vendo aqui que o Ademar confirmou presença.
- O Ademar, é?... mas será que o Ademar é tudo isso?
- É...um tanto.
- Um tanto tipo o que?
- Deixa ver....tipo naja esquerdopata, tá ligado?
- Putz.
- Óh! Tô vendo aqui no Face. Nego Dito também vai.
- E esse?
- Nego Dito?
- É.
- Bom....sabe aquele bolo de forno que tua mãe faz?
- Sei.
- É por aí a coisa.
- Credo... bom, se você tá dizendo...mas que merda também, Marília!!! Você tinha de ter casado tantas vezes? E ainda fica comparando??!!
- Não tem ninguém comparando aqui, querido. Mas vai por mim. Pega as raquetes e esquece o punhetaço. Muito melhor jogar um frescobol com a mami, meu toquinho. Vai, amor... vai logo.
- Parius.