quinta-feira, 31 de julho de 2014

A INVASÃO DOS GATOS


Na minha casa, quando eu era criança, havia gatos e cachorros. Nunca tivemos sorte com os cachorros que sempre morriam precocemente e estas perdas, não esqueço, eram amargas.

Acho que por causa disto comecei a compartilhar a ideia de que gostava mais de gatos do que de cachorros. E sempre era contestado, pois os cães sempre foram mais populares, por sua interatividade, afetividade e utilidade.


- Gato é um animal frio.
Foi o que ouvi minha vida inteira.

Mas agora, no Face, tenho notado que os felinos parecem ter se tornado muito mais populares do que os caninos.

Tem muitíssimo mais fotos de gato. É uma gataiada que dá medo. Gato gordo, magro, mini-gato, gato pra dar, pra vender, gato de óculos, gato fumando cigarro, baseado, gato embriagado, gato com cara de louco. Algumas fotos dão a impressão que o gato acabou de matar a dona e tomou seu posto no Facebook.

Seria a revolta dos gatos que agora querem o poder total. Uma justa vingança, pelos séculos em que foram postos em segundo plano pelos humanos que sempre colocaram os cachorros em pedestais. Os cachorros, estes seres violentos e eternos puxa sacos.

Gatos no poder. Gatos no Face. Gatos opinando até sobre política. Acho que alguns gatos teriam uma visão política mais clara e mais justa que seus próprios donos ou donas, que agora jazem mortos, escangalhados que foram, por unhas e dentes vingativos.

Impressionado com estas visões fecho o Face, desligo o computador, e vou caminhar no Aterro.
Quando entro no Parque o que vejo?

GATOS.

Centenas deles. Gatos de verdade. Uma superpopulação. Começaram a procriar ali no parque faz uns 3 anos. Tem uma ONG que recolhe as fêmeas e as castra, mas parece que não conseguem frear o crescimento. Cada dia tem mais gato. Parecem estar muito bem, gordos e bem alimentados, pois muitas pessoas vão ali deixar comida pra eles, felizmente.

Com tudo isto acontecendo já não se vê nem cheiro de rato aqui pelo Flamengo. É notícia corrente que a rataiada preocupada, estaria nos bueiros, reunida com sindicatos, buscando uma solução para a grave situação.

Fernando Corona - 2013



quarta-feira, 30 de julho de 2014

PAREI DE FUMAR!!!


E com isto, minha potência sexual aumentou 8,5%. Verdade verdadeira. Eu já havia comentado isto por aqui, pela rede, e na ocasião pensei até que as pessoas iriam ficar irritadas com este plus a mais que  ganhei, mas não. Acharam bacana.

O fato em si de eu ter parado de fumar acabou eclipsando um pouco meu superávit sexual, mas teve gente que jogou especial atenção sobre isto e inclusive um amigo quis saber como posso estar medindo. Ele está curioso quanto à possibilidade de eu possuir um aparelho medidor de potência sexual. Olha só. Quanto a isto nada posso dizer. Não ainda. Apenas posso adiantar que estou representando a Wallita no Brasil e em breve haverá novidades.

Já faz quase 7 dias que não coloco um cigarro na boca e no momento o índice é de 9,8%. Acabei de medir. Varia e flutua de acordo com as idas e vindas de minha mulher até o supermercado, quando a secretária do 502 pode ser vista borboleteando pelos corredores.

Uma nobre advogada facebookiana também quis saber em cima de que número base é que houve este incremento de 8,5. Até parece a mídia brasileira que sempre tenta macular os bons índices do atual governo, quando estes surgem. Não revelo, porque também é segredo. É uma questão de “fórum” íntimo.

Mas posso falar abertamente a respeito do aumento de ereções diárias. São duas involuntárias (uma delas sempre meteórica) e uma voluntária (geralmente estimulada por reza otomana) o que perfaz uma média de 3 ereções dia.

Estas ereções involuntárias trazem problemas de toda ordem. Quando acontecem no lar, sempre há o risco de danificar algum móvel e com o caro que está a mobília não são nada recomendáveis. A louça pode sofrer também com este tipo de fenômeno. Ontem perdemos meio jogo de chá, que se espatifou no chão da cozinha. Uma lástima.

Estas ereções espontâneas acontecem também na rua e lhes conto que ontem pela manhã, numa das filiais das Casas Bahia, tive de me agarrar a uma geladeira por cerca de 7 minutos para disfarçar. Os atendentes ficaram surpresos e alegres, pois acharam que eu teria me apaixonado por aquela frigidaire de 8 mil reais. Quando a coisa se dissolveu, saí da loja assoviando, sem olhar para os vendedores e suas caras de total decepção.

Agora é sério. Fiz esta brincadeira com o percentual porque dia destes fui a um cardiologista. No final da consulta, ele alimentou uma maquininha com meus dados de colesterol, glicose, estas coisas todas, e também o número de anos que fumei mais o número de cigarros que fumo por dia. Este médico disse que o cigarro é pior que o álcool e pior que o sedentarismo. É melhor ser um sedentário que não fuma do que ser um atleta fumante. Palavras dele.

O resultado desta equação foi o seguinte; tenho 12,5% de possibilidade de ter um infarto nos próximos 10 anos. A maquininha disse que tenho 12,5% de chance de ver a cara  do “Senhor” a qualquer momento da próxima década. O médico reitera que é um percentual alto.

Este resultado vazou e minha mãe acabou sabendo e me ligou dia destes, me oferecendo dinheiro para eu parar de fumar. Vazou mais, e minha mulher ao saber disto, me ofereceu sexo, ainda este ano, em troca d'eu largar o pito. Comovido com as ofertas, fumei o último crivo falando ao telefone com minha mãe.

E agora ando por aí, bem louco, mais ansioso que anão em comício com a falta do cigarro, mas me sinto muito bem. Caminhando e correndo no Aterro, com fome de frutas, sucos e saladas. Vontade de ter saúde batendo forte. Acho que a gente quer ter saúde pra ser o último a morrer, mas pensando bem, isto não é uma grande bobagem? A gente é SEMPRE o último a morrer. Né?

Fernando Corona - maio - 2014 - RJ




terça-feira, 29 de julho de 2014

VAMOS ANIMAR?



Tem música e alegria no ar. To bem, to quieto. Divagando sentado. De repente vejo alguém vindo em minha direção com os braços estendidos. Ela, dançando, sorri e diz.

- Tu tá muito desanimado! Vamos animar um pouco? Vem! Vem comigo. Vamos dançar.

Então sou pego pela mão e levado, como uma criança que vai pra escola, pro meio das pessoas, e danço com um estilo de outro século e faço uns passos cômicos pros amigos rirem um pouco (nem precisaria. Parado já sou esquisito) e disfarçando, vou saindo pela tangente e dou um Godot e consigo voltar até minha posição inicial, o meu labirinto confortável. Claro, não sem antes ouvir a frase que sempre se repete:

- Tu é bem sem graça mesmo.

É obrigatório ser animado. Se você não for animado, você tá fora. Você tem de ser Abadá, festa Rave, você tem de ser Bloco. Uma ponta de melancolia no seu semblante e sempre tem alguém perguntando o quê que você tem. Por falar nisso, li uma frase bacana dia destes:

A MELANCOLIA É A FELICIDADE DE ESTAR TRISTE.

Diz que a frase é do Vitor Hugo, mas tem tanta mentira na Internet que já não se pode mais afirmar nada. Na época do livro não se podia mentir tanto, e as mentiras não eram tão velozes. Também achei uma frase boa sobre este lance:

A MENTIRA PODE DAR A VOLTA AO MUNDO, ENQUANTO A VERDADE AINDA NEM CALÇOU AS BOTAS.

Esta, diz que é do Mark Twain.

Mas saí do assunto. Voltando.

Sou músico e por isto já ouvi tantas vezes:

- Toca alguma coisa animada, senão a gente dorme.

Bem assim. As pessoas precisam estímulos externos
para criarem o ânimo. Já não chega o álcool. Agora é energético, é ecstasy e mais uma catrefa de químicos feitos pra prolongar a alegria, ou a fuga. E música. Música tem de ter sempre e tem de ser insana.

Já faz um tempo, resolvi experimentar, quando estava na moda, estes energéticos com uísque. Tomei 6 ou 7. Acho que um anulou ao outro. Fiquei mais sóbrio do que antes e uns 200 pila mais pobre. Maravilha, né?

Ouvi falar também de um energético criado por um famoso médico italiano. O Doutor Guido. Diz que é muito bom. Chama-se Power Guido. Talvez experimente dias destes. 


Eu sei. A piada é fraca, mas acho bonitinha.

Acho que a gente não quer ficar com a gente. Cada vez mais é assustador pensar, meditar, contemplar.
Então, vamos pra galera! Vamos animar!

Pra terminar, nunca esqueço do começo de uma crônica do Veríssimo que diz assim;

BOM MESMO É SENTAR NA POLTRONA DA SALA, LIGAR A TV NO CARNAVAL DA BAHIA, E GRITAR BEM ALTO; AINDA BEM QUE NÃO TÔ LÁ!!!

Fernando Corona - 2013




segunda-feira, 28 de julho de 2014

HORA DE CELEBRAR

Sou músico. Trabalho com música. Me preocupo com a música. Venero e odeio a música. Estudo música. Acho a música grandiosa. Acho a música pequena. Me sustento com a música. Ajudo a sustentar outros com a música. Trabalho com música. Sou músico.

Por isto tudo, muitas vezes quero a não-música e agora são 3 da tarde e estou deitado no meu quarto curtindo um pouco de não-música. Só escuto o tráfego do Catete que hoje está morninho, com muito poucas buzinas, e isto pra mim está mais do que bom. Já é bem parecido com o silêncio. Maravilha.

Mas eis que de repente escuto música! Vem da rua. Virá de algum apartamento? Não. Vem da rua mesmo.  Minha gastrite levanta o dedo. Presente! Escuto então uma introdução conhecida. Música americana, antiga, Count Basie talvez. E logo escuto a voz. Estilo Sinatra. E o cara canta bem, canta bonito. 

Quando termina o refrão entra um trompete. E que som de trompete! As frases são do maior bom gosto. Bom de ouvir. Ele volta a cantar e termina a canção. 

Começa outra. Não me irrito. Fly me to the moon. Mesma coisa. Categoria. Termina esta e começa Garota de Ipanema. Daí dá pra ver, pelo sotaque, que o cara não é brasileiro. Mas a Garota sai bonitinha. 

Começa outra. O cara canta muito. Já entendi que ele tem um equipamento de som que faz soar as bases pré- gravadas e ele canta e toca o trompete em cima. E o faz muito bem. Então não me irrito. 

Minha mulher também tá gostando. Quer descer pra ver o cara de perto. Não deixo. Estes caras com voz de Sinatra comem as pessoas com a maior facilidade. Fica aqui, quietinha. 

Também tenho vontade de descer pra ver de perto, mas não vou. Não porque tenha o mesmo receio de que ele também me coma, nada disso, mas porque sei que ele vai ter uma caixinha ou um chapéu na sua frente, onde as pessoas depositam trocados. Como sou Mão Dura, (uma mistura de mão fechada com pão duro) vou ficar constrangido de sair dali sem cooperar com ele. E o cara é bom. Merece até dinheiro.

Então fico aqui deitado, ouvindo. 7, 8, 9 temas. Fantástico. Então ele para. Fico esperando o próximo standard que não vem. Acho que cansou e se foi. E então volta o tráfego. Uma buzina aqui, um grito lá. Paz. Só o tráfego. Não-música de novo. Não-música e pensamentos.

De repente ouço flauta. Solo de flauta. E é flauta pan. A abominável flauta pan. E o cara é muito entusiasmado. As melodias são tipo Ivanhoé ou Guilherme Tell, animadíssimas. Aquela alegria irlandesa. Não estou preparado pra alegria irlandesa, ou escocesa, ou País de Gales, ou a puta que los pariales. Então me irrito e me irrito muito.

E o cara não faz pausas. Toca sem parar. Freneticamente. Eu tinha um fuzil de alta precisão que estava no quartinho junto com meus caniços mas, infelizmente, sumiu na última faxina. 

Não tem solução. Fico deitado olhando pro teto e ouvindo aquilo. Então começo a murmurar melodias bretãs também. E me ponho a cantar mais alto e mais forte acompanhando aquela insanidade. E achando que só cantar não basta, vou pra sala e começo a dançar também. 

Me sinto na floresta de Sherwood. Agora sou um Robin Hood em sua plenitude, dançando e cantando alucinadamente, até que minha mulher se para na porta pra me dizer que tenho de ir ao supermercado. Me olha e dá risada. Nem fala nada. Ela sabe melhor do que eu que toda hora é hora pra se celebrar. 

Pego a lista das compras e me vou pela rua do Catete. Passo pelo flautista e deixo um dinheirinho no chapéu dele. Sem dor nenhuma.

Fernando Corona – 2013


domingo, 27 de julho de 2014

CHORAR – UTILIDADE PÚBLICA

Pra mim tem 3 coisinhas que ajudam quando a vida aperta um pouco mais a alma. Dormir, tomar banho e chorar.

As duas primeiras tiro de letra. Chorar já é um pouco mais difícil. É meio proibido chorar e para os homens é bastante mais. Então não treinamos o chorar e por isto acho que não sei chorar direito. Às vezes, no meio do choro, me distraio com alguma coisa e não consigo voltar de onde parei. Então tomo um café e deixo pra chorar o resto depois.

A gente ainda vê, mesmo com todos os novos manuais sobre psicologia infantil, que quando uma criança se machuca, logo vem um adulto que pede (e não raro manda); Não chora! e assim vamos censurando desde cedo.

É que não gostamos de ver chorar. Nos impressiona. Quando vemos alguém chorando na rua, dá vontade de oferecer ajuda e temos também curiosidade de saber o porquê. Vai dizer que não? E se for um homem, aí sim, imaginamos que uma grande tragédia aconteceu.

Ao contrário do rir, que está ligado ao bom e ao bem, o chorar é amiguinho do mau e do mal. O chorar é da turma do vomitar. O veneno que nos agride precisa ser expulso para o nosso bem. Mas geralmente postergamos, porque dói, porque desfigura. Chorar deixa marca, faz inchar e sendo assim, sempre alguém pode perguntar;

- Você chorou?

Então inventamos uma mentirinha como resposta. O chorar deveria ser mais comum, mais aceito. Levantar o pino da panela de pressão de vez em quando pode fazer com que ela não exploda.

Chorar regularmente pode impedir, ou ao menos adiar, infartos, derrames, ofensas e pontapés. Deveria haver, por parte dos órgãos de saúde, uma campanha "pró chorar". Pra estimular o choro e que o choro fique tão popular quanto o riso e que, como o riso, esteja por toda parte.

Certamente surgiria uma nova modalidade de piada. A piada triste. Imagina você numa roda de amigos contando piadas tristes e todo mundo chorando que é uma beleza. Legal, né?

E se você contasse uma piada boa, mas daquelas boas mesmo, você iria ver as pessoas rirem de tanto, tanto chorar.

Fernando Corona – 2013





https://www.facebook.com/pages/Cor%C3%B4nicas/1408993059364173?ref=hl

sábado, 26 de julho de 2014

CHIMARRÃO - ALGUMAS BOBAGENS SOBRE


Chimarrão, a meu ver, é destas coisas da vida que a primeira experiência que se tem, geralmente não é boa.

É algo como bebida alcoólica ou cigarro. A gente vai se acostumando e depois até vicia. Tem gente que não fica sem o mate.

É a única infusão que conheço que não esquenta, que não dá reação, ao contrário de outros chás. Por isto se bebe até no verão. É diurético e mexe com o aparelho digestivo.

Tem gaúcho que só faz cocô depois do mate. Toma em jejum. Bastam duas ou três cuias e o cara sai bem louco pela casa, atropelando gato e cachorro, correndo com o jornal na mão pra se atirar pra dentro do banheiro e gritar que a vida é boa.

Os gaúchos mateiam de manhã e fim de tarde geralmente, mas os maiores adeptos do chima são os uruguaios, que tomam o dia inteiro.

Um taxista de Montevidéu consegue dirigir e tomar mate ao mesmo tempo. Na mão esquerda leva a cuia e sob o braço esquerdo leva a térmica. Consegue servir a água com habilidade, fazendo um movimento preciso com o ombro. Com a mão direita faz as marchas e dirige.

Uruguaios tomam mate a toda hora e os mais pobres reaproveitam a erva, tirando-a da cuia e a deixando exposta ao sol. Depois de seca voltam a repô-la e vá mateamento de novo.

Tem gente que prefere não tomar mate de tarde, pois dá ligadeira e a pessoa não consegue pregar o olho de noite, e se a erva for a chamada “pura folha”, pode dar taquicardia e até “atacar” uma gastritezinha.

Tem gaúcho que gosta de tomar uma pinga junto, pra equilibrar, e tem outros que apreciam beliscar uma “rapadurita” acompanhando o chimas.

Uma vez ofereci um mate pra um músico espanhol e o cara tomou uma cuia pra experimentar. Ainda bem que foi só uma, o bastante pra fazer a barriga dele começar a conversar. Não sei o que aconteceu depois, quando ele se foi, mas enquanto estávamos batendo papo, as tripas do cara emitiam uns grunhidos agudos, longos e queixosos e outros mais graves, como um glissando de contrabaixo. Ficamos constrangidos e me senti culpado. Mas acho q ele sobreviveu.

Tenho um amigo, José Luis Calandria que é baterista uruguaio e um grande fã do chima. Sabia preparar um mate como ele só.

Nos conhecemos em Madrid, na década de 80. Num sábado pela manhã, na cidade de Vitória, no País Basco, por onde estávamos tocando com nosso quarteto chamado Maracatu, saímos com alguns espanhóis para "irmo-nos de copas".

"Ir-se de copas" é um hábito deles e consiste em reunir os amigos depois do trabalho, entrar num boteco, tomar uma taça de vinho, ou de cerveja, pagar, atravessar a rua , fazer a mesma coisa, andar uma quadra, entrar noutro boteco e assim por diante até o coma irreversível.

Estávamos ali, “indo de copas” os dois, mais Everson Vargas, amigo gaúcho baixista e mais a cantora americana Estaire Godinez.

José, sempre com sua pequena cuia na mão, começou a chamar a atenção da espanholada, até que um se aproximou, olhou fixo pra ele e disse:

-Tenho um amigo que perdeu tudo por causa disto.
Estava se referindo ao chimarrão. José deu uma gargalhada e respondeu:

- É meio difícil perder tudo. O quilo desta erva custa apenas 80 pesetas e ninguém vai à ruína por causa disto. Então, divertido, teve de contar pro espanhol sobre a tradição. Pra nós era um pouco cara a erva lá, talvez 20 vezes o preço do Brasil. Era difícil encontra-la também.

Andar com uma cuia pela Europa chamava muita atenção e colegas uruguaios foram parados na fronteira da Alemanha quando a polícia desconfiada, levou a erva para análise, mas a máquina disse que não era droga e eles puderam então seguir viagem.

O chimarrão também é chamado carinhosamente de “amargo”, pelos bem guascas, e está presente na celebração diária da vida, amigo e companheiro da conversa da gauchada. É aconselhável tomar entre duas, três ou quatro pessoas, no máximo. Mais do que isto, a cuia demora muito a voltar. Mas tem gente que até toma sozinha e eu, muitas vezes, preparo um mate só pra mim.

O termo usado pra preparar o mate é “cevar o mate”. Quem ceva o mate, geralmente, é quem derrama a água dentro da cuia e alcança pro próximo da vez.

Não é de bom tom ficar proseando muito com a cuia na mão. Tem que tagarelar e beber num bom ritmo, se não alguém sempre pode dizer: “Conheci um gaúcho que morreu de velho com a cuia na mão”!

Isto serve pro viviente apressar o passo e devolver a cuia logo, não sem antes fazer a bomba roncar. Quando a bomba ronca é porque a água acabou. Gaudério de verdade faz sempre a bomba roncar.

Às vezes, o cevador é cheio de mania e quer que a roda comece à sua direita ou esquerda, não sei bem. E uma coisa que não se deve fazer nunca, é mexer na bomba. O cevador, quando vê isto, pode ficar irritado e resolver sapecar um croque (uma espécie de mini soco) na cabeça de quem cometer tal heresia.

Tem o “mate curto” quando o cara erra na mão e bota muita erva na cuia e tem também o “mate longo” quando acontece o contrário. Tem o “mate entupido”, quando a erva é muito fina e entra pela bomba. Daí é um saco. Tem de tirar a bomba 
e dar um jeito de desentupi-la. Pra quem não sabe, a bomba é uma espécie de canudo de metal com um coador na ponta. Este coador permite que só a infusão chegue até a boca. Claro que sempre vem um pouco de erva junto mas não dá nada. 

A água do mate não pode ferver, senão queima os beiços e também faz a erva perder o sabor. Água boa pro mate tem de chiar na chaleira. É assim, um pouco antes de ferver.

Resolvi escrever estas curiosidades porque postei dia destes no Face que  “tinha tomado um mate e tava mais ansioso que anão em comício”. A galera curtiu e houve alguns comentários e brincadeiras sobre o assunto.

Então aproveitei os coments e fiz este textículo. Faltou falar das origens e otras cositas mas, mas daí começo a me sentir assim meio Wikipedia, então já tá de bom tamanho.

A gauchada vai achar aqui um monte de obviedades, é claro, mas o pessoal do resto do país pode achar interessante e quem sabe até experimentar o “amargo”. Chimarrão é muito bom. Tempera a amizade e acompanha na solidão.

                                             

                                                       Fernando Corona 2013



sexta-feira, 25 de julho de 2014

SUELLEN, EU, IGOR E NÁDIA




A Suellen tá trabalhando lá na firma faz dois dias. Ela é linda, deve estar lá pelos 25, e parece muito simpática. Está sempre com um sorriso na boca, e isto foi o bastante para me dar coragem de convidá-la para um chope depois do batente e é exatamente o que estamos fazendo agora. 

Estamos sentando numa boa mesa no Aurélio’s, o bar preferido pela galera da nossa empresa. Ela diz:

- Que bacana este barzinho! A decoração parece a mesma do bar do Tio Pedro que visitei no ano passado......

É uma gata esta menina, ela fala com este movimento de mãos tão bem feitas, com estes dentes perfeitos. Parece ter gostado do meu convite. E continua solando:
-...daí então os cachorrinhos entram pelos fundos e ficam olhando pra gente com um ar pidão. Ai, que dó que dá....

Pera aí. O assunto mudou do tio Pedro pros cachorros. Deve ser algo relativo a cachorrinhos que entram no restaurante do Tio Pedro. Tenho de prestar atenção na conversa, mas é difícil, com este decote e esta cor de pele e este beicinho que ela faz quando diz “que dó que dá”...

-...eu adoro, acho o máximo. E você? também gosta?

E agora? Gosto do que? Qual era o assunto? Perdi o fio de novo. Vou arriscar.

- Gosto muito.
- É mesmo? Que legal. De que cor você mais gosta?

Putz. Piorou. Vou ter de arriscar de novo.
- ãhhh.....azul.
- Rosa azul? Existe isto? Onde você viu este tipo de flor?
- Em Madagascar.

Caramba! Não sei de onde tirei isto.

- Sério? Onde fica Madagascar?
- Perto da Oceania.

Joguei muito War, então sei que quando você conquista a Oceania, logo sai comendo Madagascar e Sumatra, que ficam ao lado, e geralmente ganha o jogo.

Acho que me safei. Epa, um tapinha no ombro. É o Igor. Trabalha na empresa também. Não posso acreditar! Igor é um mala sem alça, tem uma conversa pegajosa. É daqueles caras que sabem tudo de futebol e política, daqueles caras que tem certezas absolutas, e como se não bastasse emitir frases definitivas, sempre as repete - O Dunga não é técnico de futebol, o Dunga não é técnico de futebol - e olha pra você com os ares de um gênio que ilumina o planeta.

- Igor, senta com a gente!

Não acredito que esta menina fez isto. Convidou o Igor pra sentar! Parius, ele aceitou. Pediu um Campari e disse que vai ao banheiro e já volta. Mas não é mala um cara que pede Campari?

- Puxa, como o Igor é legal. Desde o primeiro dia tá me ajudando a entender o trabalho lá da firma.
- Hrg....é sim. O Igor é o máximo...

Putz. Isto não vai nada bem. Chamo o garçom:

- Dois chopes, chefia!
- Não, eu não vou beber chope. Pra mim, uma água sem gás, fora do gelo, por favor.

Carácoles! A mina gosta de água morna! Depois de dez chopes e cinco cigarros vou ficar com um bafo de tigre louco que ela vai se horrorizar. A coisa complicou bastante. Igor na área e a menina não entorna. São dois terríveis obstáculos.

Pouco depois, já tô no terceiro chope, vejo que perdi terreno. Eles começaram com um longo papo sobre signos, e de signos não sei nada e nunca quis saber, e o Igor agora está consultando algo no seu Android, do qual nunca se cansa de falar e de mostrar os novos aplicativos. Consulta terminada, olha pra mim com sarcasmo e fala:

- Não existem rosas azuis. Não existem rosas azuis. Nem em Madagascar. Nem em Madagascar.

A menina parece contrafeita.

- Acho que você se enganou.
- Era uma figura de linguagem, querida. Uma metáfora e...

Ela nem me ouviu, porque lembrou do que tinha acontecido no Big Brother da noite anterior e os dois ficaram animados com o novo assunto. Caraca! Estou em grandes dificuldades. Chamo o garçom.

- Salta um trigo velho, mestre!

Suellen me olha de forma interrogativa. Nunca deve ter ouvido falar em trigo velho. Igor lança seu pior sorriso em minha direção. Algo tipo “Você está acabado, meu velho”.

Mas agora é isto o que me sobra. Me entupir de chope e trigo velho e ficar à espreita, pianinho. Sempre pode acontecer um golpe de sorte que vire este jogo.

Agora eles estão de olhos fixos um no outro.
Não, não, não! Não posso acreditar! Tão jogando “Sério”? Ninguém mais joga “Sério” faz trocentos anos. Ela riu antes, e Igor ganhou a partida de “sério”.

- Ai, Igor. Você me ganhou! Assim não vale.

Eita. Ela joga “Sério” e assiste ao BBB. É uma deusa, uma delícia de mulher, mas agora sei, e disto tenho certeza, que depois de um orgasmo num motel qualquer, o pós operatório seria dos mais dolorosos.

Já estou no oitavo chope e no segundo trigo velho e quando Igor começa a ler a mão da menina, fico enjoado e resolvo ir ao banheiro. Depois de tirar água do joelho, fico olhando minha cara bêbada no espelho. O quadro da dor.

- Que bosta. Que bosta.
Escuto minha própria voz. Parius. To falando frases duplicadas também.

Passo uma água na cara e vamos à luta de novo. Quando saio do banheiro me dá um teto quando vejo a cena. Os dois agarrados no maior amasso. Taquiuspariu! E essa??? Vou jogar trigo velho nas minhas roupas e tocar fogo. Ou volto pro banheiro e me sufoco com papel higiênico. Ou quem sabe os dois junto? Mel Dels.

Com a vista turva me aproximo do balcão. É pagar e sumir. O Aurélio’s está lotado agora e demoram pra me atender. Sinto que a meu lado alguém senta e vejo que é a Nádia. A Nádia é do recursos humanos. Fiquei sabendo que se separou faz pouco tempo. Nunca trocamos palavra. Ela pede um chope e me cumprimenta. Tem o olhar cansado, mas não parece triste. Se dirige a mim.

- Me acompanha?

Nádia não chega a ser bonita, mas sempre me chamou a atenção o fato de parecer serena. Acho que neste momento, nossos olhares emanam distintos pedidos de socorro e quem sabe os dois possamos descansar um pouco, um na ilha do outro.

Reparo no bom gosto e discrição de sua forma de vestir, que contrastam muito bem com um divertido enfeite que leva no cabelo. Uma pequena rosa azul.

- Claro, Nádia.

Tomo fôlego, que a vida é bela e sinuosa.

- Ôooo Seu Chefia! Salta mais um chope! No capricho!
                                        
                                                    
                                                        Fernando Corona  2014



quinta-feira, 24 de julho de 2014

ME CHAMA DE SENHOR.



Agora não tem mais jeito. Não tem mais volta. Ninguém mais me trata nem por tu nem por você. Agora eu sou o Seu Fernando. É Seu Fernando pra lá, Seu Fernando pra cá.

Na rua me chamam de tio e já faz muito tempo. Vou curtindo enquanto não me chamam de vô. Uma coisa que nunca fiz e juro que nunca farei é pedir pra que não me chamem de Senhor, por que pior que ser véinho, é ser véinho prafrentex. Gostou do prafrentex? Acho que tô coroca mesmo.

Mas o contrário já fiz. Uma vez tava de amasso com uma mulé e pedi a ela que me chamasse de Senhor. Ela adorou. A coisa esquentou e pra aumentar a pressão pedi então pra que ela me chamasse de Monsenhor. Ficou me olhando, mas entendeu que Monsenhor remete à igreja e igreja remete a pecado. Então se possuiu mais ainda. Mas quando pedi pra que me chamasse de Desembargador não é que a moça se irritou? Num ímpeto levantou da cama e começou a se vestir. Perguntei o que havia acontecido e ela, tomada pela fúria, respondeu com outra pergunta.

- Tá de sacanagem?

- Tava, mas você levantou!

Fiquei olhando a menina colocando a roupa e pensando cá comigo. Quer ver que quando ela se for vai bater a porta “dicumforça”?

Antes de sair me encarou e disse:

– Velho desse jeito e parece um marinheiro de primeira viagem. Eu, hein? 


 E saiu batendo a porta “dicumforça”,  bem como eu havia previsto.

Sei tudo sobre como as mulheres gostam que a gente se sinta culpado e a porta batida com estrondo é o retoque final. É o golpe de misericórdia perfeito pra ferrar nossa consciência.

Fiquei ali, deprimido, olhando pro teto, lembrando os melhores momentos e remoendo aquela cena final.

Mas vejam só a coragem desta menina! Me chamar de marinheiro de primeira viagem. Pode isso? Marinheiro? Mas peraí...quem sabe Imediato, ou Almirante? Isso. Da próxima vez vou pedir pra que ela me chame de Almirante. Ou quem sabe Comodoro? Melhor ainda. Xi! Ela nem deve saber o que significa Comodoro. Nem mesmo eu, sei ao certo. Mas que vai ser massa, ahhh, isto vai.



Fernando Corona 2013





quarta-feira, 23 de julho de 2014

SEXO – ALGUMAS BOBAGENS SOBRE

Quero dizer, antes de mais nada, que são bobagens um pouquinho fundamentadas. Coisas que li e lembro mais ou menos, e que talvez estejam distorcidas pelo tempo e por minha mente um tanto suja e por isto peço desculpas de antemão. 

Vamos lá.

Vou começar com uma frase do genial filósofo Sofocleto;

DESEJAR A MULHER DO PRÓXIMO É UM PECADO IMORTAL.

E é mesmo. Deus já sabia que todo mundo ia querer comer a mulher do outro e por isso até botou nos mandamentos.

Acho que todo homem quer comer a mulher do próximo e aquele que diz que não, tá mentindo.


Os homens adoram comer a mulher do próximo. Diz a ciência que é natural a competição entre machos. Todo homem quer deixar sua descendência. Então a biologia do macho manda ele fecundar o maior número possível de fêmeas durante sua existência sobre a Terra.

As mulheres não entendem este comportamento e ficam furiosas. No fundo, tudo tem um caráter reprodutivo. Mas elas não entendem. Isto até me faz lembrar de outra frase de Sofocleto;

O COMUNISMO E AS MULHERES DIZEM QUE OS HOMENS SÃO TODOS IGUAIS.

Somos parecidos, na verdade, mas quando alguma mulher me diz isto: VOCÊS SÃO TODOS IGUAIS!, fico brabo e respondo:


- Não. Eu sou pior.


Mentirinha. Sou legalzinho. Faço só pra implicar.

As mulheres possuem uma biologia um pouco diferente, que as manda reproduzir também, mas, ao mesmo tempo, ordena que elas busquem segurança pra prole.


É preciso ter um cara forte pra proteger a turma, então elas têm de conquistar o homem e dar um jeito pra que ele fique ali pertinho, quietinho e pronto pra matar qualquer barata malvada que se aproximar. Esta mensagem deve vir desde a pré-história quando o macho tinha de defender a família contra tigre e onça. Hoje em dia tá bem melhor. Uma baratinha até que espanco.

As mulheres se julgam mais nobres, com seus discursos sobre o amor e sentimentos superiores, mas na verdade são animalas como nós, os homens. Sua animalidade, no entanto, está mais perto do humano, do civilizado. São animalas queridas.

Quer ver só a tática que elas usam pra conquistar - e por que não dizer comprar - o homem? No começo do namoro elas dão no carro, dão no corredor do edifício e até em cima de árvore. Depois que o namoro tá firme só em motel. Depois de um ano de casados elas dão só depois do Fantástico. Depois que vêm os filhos, esquece punheteiro! Vá matar baratas.

São biologias diversas entre homens e mulheres. Tem duas frases que vi por aí que acho definitivas.


1 - O HOMEM, PRA ESTAR BEM, TEM DE FAZER SEXO. A MULHER, PARA FAZER SEXO, TEM DE ESTAR BEM.


2 – O HOMEM, PRA FAZER SEXO, ATÉ NAMORA.
A MULHER, PRA NAMORAR, ATÉ FAZ SEXO.


Não tá certinho?

Mudando um pouco de assunto, sem sair do mesmo, dia destes vi um programa de uns caras que se aprofundaram no estudo sobre os espermatozoides.

Descobriram que nem todos bichinhos servem para fecundar. Uma boa parte deles são combatentes. Sua função é impedir que os espermatozoides do Ricardão tenham sucesso. Acredita?

Espermatozoides Black Blocs que saem na porrada. Neste estudo, os caras notaram também que tem uma parcela de espermatozoides que nem fecundam nem defendem. Não fazem porra nenhuma além de nadarem na porra. Devem ficar ali, só olhando o movimento. Aplaudindo ou vaiando, quem sabe até dando palpites, sei lá. Mas é sério. Os caras ainda não descobriram pra quê que eles servem.

Neste estudo os caras falam também que o homem casado que viaja e fica pelo menos uma noite fora de casa tem seu número de espermatozoides duplicado. E isto acontece não pela possibilidade que ele possa ter de comer um outro alguém e sim porque a mulé ficou em casa, a mercê dos Ricardos.

Outra coisa interessante que acontece com o homem no momento que ele sente ciúmes: o número de bichinhos multiplica muito. Por isto se diz por aí que o ciúmes, bem dosado, pode ser um potente afrodisíaco.

Todo mundo já ouviu falar que a fome dá tesão. Daí relaciona-se sempre com o fato de que os pobres tem muitos filhos. Mas não é isto não. A fome severa faz o organismo sentir ameaçada a sua existência e esta possibilidade iminente de sucumbir cria a urgente necessidade de procriar, numa tentativa de assegurar assim, a continuidade da espécie. Credo. Talvez falte vírgula ou esteja sobrando, mas que frase mais bem feita, não é?

Outra coisa que se ouve falar é que tem cara que morre de pau duro. Parece gozação, mas pode acontecer sim. É a última tentativa do corpo pra se perpetuar. É o cara que tá querendo dar a saideira antes de embarcar.

Eu ia falar algo sobre a vida sexual do elefante marinho, mas acho que todo mundo já viu na TV. Aquilo sim é que é vidão!

Então vou parar por aqui já que me alonguei um pouco neste monte de bobajadas e todo mundo vai acabar pensando que só penso “naquilo”. Gosto de sexo sim, mas ele está em quinto nas minhas prioridades. Aqui vão as primeiras quatro, praqueles que ainda estão com paciência pra ler:

1- Chimarrão
2- Jogar botão
3- Pescar
4- Coçar frieiras

Sobre este quarto item já tenho algo preparado com o seguinte título:

COMO COÇAR FRIEIRAS COM A ESCOVA DE CABELO SEM PERDER O DEDO MINDINHO.

Putz, horrível.
Com esta acho que fui.


Fernando Corona 2013


terça-feira, 22 de julho de 2014

MULHER GREVISTA





Minha mulher é professora, grevista, e anda absorvida com o assunto já faz mais de mês. Um pouco absorvida demais, é bom que se diga. Há alguns dias atrás estávamos voltando do supermercado quando me comunicou.

- Tô indo pra Câmara.

Respondi num tom tipo comandante do Bope.

-Tá indo pra Câmara sim. Lá em cásara. No nosso quártoro. Peládara.

Ela acatou a decisão, mas agorinha mesmo, quando entrei em casa quase tive um AVC. O que à primeira vista parecia ser o exterminador do futuro na verdade era ela, na frente do espelho, cheia de coisa pendurada e com uma máscara de gás. Quando consegui me recuperar perguntei.

- Mas o que é isso?

Depois de um certo esforço pra tirar aquele equipamento da cara respondeu efusiva.

- Entrei pra Black Bloc. Comprei esta máscara do companheiro Nestor. Legal, né? Protege dos gases. Ele me fez em 3 vezes no pré datado.

Fui falar algo, mas ela me cortou dizendo que tinha manifestação daqui a pouco e já estava atrasada.

- Deixa ver se não esqueço de nada. Vinagre, magnésio, câmera, celular. Acho que tenho tudo. Bom, querido, tô indo. Me deseja sorte.

Se despediu com um beijo rápido e antes de chegar à porta deu um chute no meu banquinho do piano e jogou ele quase na cozinha. Virou pra mim com um sorrisão e disse.

- Tenho de treinar, né?

Ainda pude ouvi-la gritando palavras de ordem no corredor, antes que o elevador chegasse.

Agora fico pensando sobre tudo isso, enquanto afundo pedaços de bolacha Maria no leite quente (ficam tão molinhas, já experimentou?). Ela me ligou. Vou busca-la daqui a pouco, quando terminar a manifestação. Ela acha perigoso andar sozinha na rua. Enquanto isso vou zapeando. Parece que é por esse horário que tem um campeonato de peteca na TV. Só não lembro o canal.



Fernando Corona 2013





segunda-feira, 21 de julho de 2014


SEXO SELVAGEM


Pois é. Tenho lido e ouvido por aí que há mulheres que dizem gostar de ser atiradas contra a parede. Bem assim. Não querem saber de lengalenga na hora do vucuvucu. É vapt vupt. Bateu, guardou. É o sexo selvagem que vai se apresentando.



Acho que nunca joguei ninguém na parede, mas se não me falha a memória, já vi o Richard Gere fazer isto.


Dia destes encontrei minha amiga Mirtes num shopping da hora, e reparei que ela tinha dois enormes galos arroxeados na cabeça.
- Tudo bom, Mirtes?
- Tudão! E contigo, querido?
- Tudo certo. Quê que foi isso aí? Andou caindo?
- Por que?
- Estes galos!
- Ah sim...sabe o que é? Tô com namo novo!  A gente curte que ele me jogue na parede.
- Sério?
- Hum hum, é massa!
- Putz. Cuidado com os dentes!
- Podeixar. Comprei um protetor bucal agorinha mesmo.
- Então tá certinho. Bom te ver, Mirtes.
- Beijo, queridão.

Dias depois tava num bar tomando um chope e o Paulão sentou pra me acompanhar. Tinha a cara toda escalavrada.

- O que foi isso, Paulão!?
- To pegando uma gata que gosta de beijo mordido.

Coloquei os óculos pra ver melhor. Tinha marca de dentada até na testa. Como é que alguém consegue morder a testa do outro? Arregaçou as mangas e me mostrou os braços. Tudo lanhado.

- É sexo selvagem, brother.
- Caraca, Paulão. Tomou vacina?
- Pra quê?
- Uma antitetânica básica não ia fazer mal nenhum.

Mas o pior de todos foi o Cabeça. Falaram pra ele que uma conhecida nossa gostava de apanhar na hora do nheconheco. Cabeça se interessou pela matéria, convidou a mina pra sair, beijou e foram pro apartamento dela. No momento em que ela fechou a porta, Cabeça sapecou-lhe um tostão. 


Prá quem não sabe, tostão é um termo futebolístico. É quando o cara dá um joelhaço na coxa do outro. Dói pra caramba e o hematoma fica ali por uns dois anos. 

A menina começou a chorar e foi mancando pela sala até sentar no sofá. Esfregando a perna, e com a carinha de quem sofreu a mais profunda injustiça, perguntou entre soluços:

- Cara! Por que você fez isto?

Cabeça, espantado com a reação da moça, ficou estático, de pé, com as mãos espalmadas viradas para cima e os ombros encolhidos. Calado. Não sabia o que responder. Acho que tem alguém ali que não entendeu muito bem o espírito da coisa e acho também que até o sexo selvagem deve ter cartilha e algumas regras a serem seguidas. É bastante aconselhável conhece-las.

Fernando Corona



domingo, 20 de julho de 2014

A MULHER ESPLÊNDIDA E A MANGA

Nastassja kinski. Mulher esplêndidíssima.
          

    Em toda minha vida, devo ter visto ao vivo apenas 3 ou 4 espécimes da mulher esplêndida. É raríssima. Vocês sabem do que estou falando? Eu chamo de mulher esplêndida àquela que é perfeita na unha, na mão, no pé, perfeita no cabelo, nas coxas, e quando penso nas coxas da mulher esplêndida já me vem a abominável taquicardia.

Prestem atenção. A mulher esplêndida tem o que há de mais difícil de se encontrar na natureza. O joelho bonito. O joelho absoluto. Eu não poderia ser casado com uma mulher esplêndida de jeito nenhum. Morreria rapidamente, num formato de faquir. Seria enterrado como indigente, pois não seria reconhecido nem pelos familiares mais próximos. 

Quando a mulher esplêndida entra numa sala de espera qualquer, mesmo estando completamente coberta por casacos e blusões, é notada por todos que ali estão e absolutamente todos sentem por ela profunda ira. E um tesão desgraçado também.


A mulher esplêndida tem a característica de fazer o veado dar uma repensadinha, mesmo que momentânea e pode também fazer qualquer outra mulher sentir os eflúvios do sapatismo. Tenho uma amiga que encontrou a Sabrina Sato num aeroporto e tirou foto com ela e tudo. Me confessou que tremeu na base. Era muita exuberância. 


Sempre que vejo uma mulher esplêndida, logo me vem à cabeça a probabilidade lógica da existência do Senhor. Só Ele poderia ser responsável por tamanha criação. Não há outra explicação possível. 


São dois os momentos em que sinto fortemente a possibilidade da existência divina. Um é este. O outro é quando estou comendo manga na pia. 



Quando o suco escorre pelo queixo, pelos cabelos e cotovelos, quando pedaços da magnífica polpa caem na camisa, na coxa e no piso branco, é neste instante que entro em profundo êxtase e com olhos injetados penso que todo este prazer só pode ser ideia e criação de um ser superior e de repente deixo o caroço resvalar e cair estrepitosamente no balcão e então volto a mim, e noto que tá tudo cagado de manga e lavo o rosto na torneira, o que faz respingar baba de manga por todo lado e desesperado, acabo secando a cara num impecável pano de prato que resulta também manchado e neste exato momento, por alguma razão que deve ser um outro poderoso desígnio do Senhor, minha mulher adentra na cozinha e se depara com a cena toda, e é aí que lhes confesso, meus amigos, é aí que, assombrado, começo também a acreditar seriamente na existência do inferno. 



Fernando Corona 
14/05/14


sábado, 19 de julho de 2014

ALMAS GÊMEAS



Uma amiga me falou que leu que um guru disse que cada um de nós tem vinte mil almas gêmeas espalhadas pelo mundo.
Isto é; temos vinte mil chances de nos apaixonarmos ou encontrarmos grandes amigos.

Eu achei bacana isto e acredito que seja assim mesmo. Tantas e tantas vezes encontramos pessoas que nos dão a impressão de grande familiaridade.

Não é? Acho que todo mundo passa por isso. Faz alguns anos entrei no metrô correndo, quase sendo esmagado pela porta, e meio esbaforido caí na frente de uma alma gêmea sorridente e começamos um diálogo animado e amigável. Era alma gemíssima .

Não tivemos muito tempo pra conversar, pois tive de saltar duas estações depois. Desci do vagão e fiquei olhando pra ela que me acenava lá de dentro. Bonita. Me deu um pouco de pena não evoluir um pouco mas acontece que tinha um encontro marcado com outra alma gêmea e não poderia faltar. Nunca esqueci.

Acho esta ideia das “vinte mil” muito libertadora pras mulheres que acreditam que amor deve ser apenas um. Uma espécie de destino imutável. Às vezes passam uma vida esperando que este príncipe apareça. E tem certas mulheres que, numa conversa, repudiam veementemente a crença deste guru e respondem irritadas;

- Bobagem. Alma gêmea é uma só.

Não há como demove-las. É mais fácil enganar as pessoas do que convence-las de que estão enganadas. Isso está entranhado e não há argumento que modifique este pensamento. Acho que é a educação cristã que faz acreditar que o amor deve ser único.

Uma vez, numa conversa, comentei que tinha sido casado vinte anos e a interlocutora me perguntou;

- Mas por que não deu certo?

Fiquei espantado. Como não deu certo? Durou vinte anos. Tem gente que acha que só dá certo quando é até a morte.

Eu acredito que temos nossos parecidos por aí, espalhados pelo mundo. É só ficarmos relaxados que vamos encontrando nossas almas gêmeas.

Outra amiga me disse que também acredita. Mas também acha que as vinte mil dela devem estar todas concentradas na Tailândia porque a seca tá braba e que quando tiver uma grana vai dar um pulinho lá . E talvez volte daqui a uns vinte mil anos.


Fernando Corona 2013

sexta-feira, 18 de julho de 2014

CURIOSIDADES EXCÊNTRICAS

Tenho um amigo que não gosta de batata frita.

Tenho um colega que o pai dele pegou a Hebe.

Tenho um colega que acompanhou Janis Joplin quando ela esteve por aqui na década de 70.

Minha mãe chegou no balcão da locadora com um saquinho de lixo na mão. Os vídeos ficaram pendurados na árvore em frente de casa.

Conheci um cara que assistiu a dois shows dos Beatles.

Conheci uma menina que não beijava na boca. O resto tudo fazia. Não, não era profissional.

Meu avô não gostava de música. Foi professor de escultura no Instituto de artes de Porto Alegre e ouviu diariamente, por 30 anos, enfadonhos exercícios de piano.

Conheço um cara que se diz ateu, mas se borra de medo Dele.

Conheci um carioca que comeu a Demi Moore, antes dela ser famosa. Tinha uma foto no quarto dele onde apareciam os dois abraçados. (Não é prova, mas é bom indício).

Conheci um cara que disse ser assexuado. Desejo zero em todas as direções.

Pery Ribeiro me contou que ao abrir uma porta na Rádio Nacional encontrou Ismael Neto ,ao piano, compondo a melodia da famosa Valsa de uma Cidade.

Ary Barroso, Cartola e Emílio Santiago moraram na rua em que to morando. A Correa Dutra.

Existe um tango maldito que não se toca. Traz azar, a ponto de certos músicos se negarem inclusive a citar seu título. Não adianta perguntar qual é. Não vou dizer.

Dia destes conheci um cara que não sabe a diferença entre direita e esquerda. To falando de coordenação motora. Se estivesse falando de política, não seria uma curiosidade excêntrica, porque atualmente, no Brasil, ninguém sabe mais esta diferença.

Conheço um cara que aos 30 anos ainda tinha um dente de leite e só conseguia dormir de pijama, inclusive em largas viagens de ônibus.

Conheci uma pessoa que gosta de assistir ao “Vídeo Show”. (Acho que esta é a mais esquisita).

Tenho um colega que toma choque em violão acústico.

Tenho um colega que fuma maconha todos os dias faz 30 anos e nunca se viciou.

O mesmo colega disse ter ficado 13 anos sem fumar maconha. Do 0 aos 13.

Um piloto soviético ejetou, pois perdeu o controle sobre a aeronave. O caça desgovernado atravessou um país inteiro e quando o combustível chegou ao fim, foi caindo, caindo e caiu numa fazenda, matando um homem que estava dormindo depois do almoço.

E eu?


Bueno.

Fui escolhido o melhor pianista do meu prédio.

Estive no local de onde, supostamente, Lee Oswald atirou em Kennedy.

Dia destes estava tomando sol na Praia do Flamengo. Cocô de pássaro no braço. Procurei os pombos e não havia. Olhei pro teto do céu. Urubus.

Conheci uma menina que tinha um olho verde e o outro azul. Era bonita e se chamava Silvana. Tínhamos 15 anos e nos beijamos 15 vezes.

Descobri que tangerina com gorgonzola é uma das portas do paraíso.

Sou doido pela Lady Francisco até hoje.

E como este texto já tá pra lá de bagaceira,
recheado de baboseiras e idiotices, não posso resistir à tentação de revelar um importante detalhe da minha performance sexual.

Sabe aqueles caras que se gabam de dar duas sem tirar?
Pois é. Amadores...

Eu dou duas sem botar!

Putz, que vergonha. Fui.


Fernando Corona 2013

quinta-feira, 17 de julho de 2014

NA CIDADE EM QUE VIVO




Na cidade em que vivo não há pessoas dentro dos veículos. Só assim se pode explicar o fato dos carros acelerarem em sua direção quando você cruza a via.

Da minha janela, na cidade em que vivo, vejo o sangue de 3, que nunca mais vão sorrir, nem beber nem trepar. Na cidade em que vivo a vida não vale nada, ou quem sabe valha 200 reais ou um pouco mais. Eu ouvi cinco estampidos. Ouvi o ruído do aço contra o aço da máquina de matar. Não havia dúvida. Eram tiros.

- Você é o Russo?
- Por que?
- Pow, Pow,Pow, Pow, Pow.

Todos no peito. Pistola automática. Foi por causa de mulher... traição, se comentou muito pelo bairro nos dias seguintes. Eu vi os executores fluindo calmamente, numa moto que se perdeu em meio ao caos cúmplice. Por um punhado de dinheiro mataram. E mataram o homem errado. O cara nem era o Russo.
 

Na cidade em que vivo somos todos bandidos. Os que matamos, os que roubamos, os que corrompemos, os que sujamos, os que calamos...

A cidade em que vivo é maltratada todos os dias por seus filhos legítimos e também por seus filhos adotados.

Na cidade em que vivo as mulheres são belas, porém tristes, talvez por que os homens não conquistem, e sim enganem.

Na cidade em que vivo existe o costume de colocar a palavra “porra” em todas as frases.

Pra viver aqui “hay que tener cojones”. Ninguém te afaga. E quando você tenta falar, sua frase é sempre interrompida por outra voz mais alta e animada que sempre tem algo mais interessante para dizer e que nunca o é. As pessoas estão possuídas pelo déficit de atenção na cidade em que vivo. Elas perderam a capacidade de ouvir.

Na cidade em que vivo, as “gentes” conseguem se comunicar através de diálogos sem sentido. Eu escuto as conversas e tenho geralmente uma vertigem. Penso que sou eu quem está a um passo da loucura.

A cidade em que vivo ficou cega, mas não como a justiça, e sim exatamente ao contrário.

A cidade em que vivo é uma centopeia gigante, ferida de morte, que agoniza e grita seus últimos fiapos de voz e já não há nenhum Deus que a possa ouvir. Ficou tarde. Tarde demais.


Fernando Corona   2013


quarta-feira, 16 de julho de 2014

EM MOSCA FECHADA NÃO ENTRA BOCA

Já faz algum tempo, fui participar de um dos inúmeros saraus que Antonio Villeroy inventava em sua casa. Eram festas muito divertidas, onde se podia encontrar colegas e artistas de todo tipo. 
Nesta noite, à qual que me refiro, o apartamento estava lotado de apreciadores de moqueca, vinhos e música e se podia ouvir sotaques bastante diversos. Notei que além da variada fauna brazuka, havia a presença de dois magrinhos falando um inglês anasalado.

A noite foi caminhando com muitas canjas até que estes gringos pegaram os violões e se puseram a cantar uma musiquinha lenta pra lá de chata. Fiz algum comentário crítico com quem estava a meu lado, mas quando um deles começou a cantar Don´t Know Why, da Norah Jones, deixei escapar uma frase que soou mais alto:

- Putz, começaram os covers. Estes caras deviam se atirar pela janela.

Villeroy, que cruzava a sala neste momento, ouviu o que eu havia dito. Deixou a moqueca fumegante em cima da mesa e voltou-se para mim, revelando.

- É, mas o que acontece é que esta música é composição dele. Este cara tem 3 canções no álbum da Norah Jones, que vendeu mais de 20 milhões de cópias.

Ouvindo isto, tomei decidido o rumo da sacada, mas por sorte havia ali alguns amigos e estes, felizmente, impediram que eu me lançasse ao espaço.

Fernando Corona
2013


TODAS NÓS, NENHUMA DE NÓS




Este homem, que agora assovia no corredor, não sabe que no momento em que escuto a porta fechar-se, deixo de ser a Clara, que lhe parece tão clara, e me torno Esther, e sendo Esther estranho as próprias formas de meu corpo esplêndido por entre os lençóis. Minha pele se eriça com o toque de minhas mãos que buscam um pouco de conhecimento, uma nova intimidade nesta manhã que já envia delgados filetes de sol pelas frestas da persiana e que invadem o apartamento vazio deste homem que por certo agora entrou no elevador e como sempre faz, olha para o teto ou consulta o relógio.

Este homem, que agora deve estar dando partida no carro, não sabe que no momento em que atravesso a porta da cozinha me transformo em Irene, e Irene boceja antigas cançonetas francesas enquanto exagera na quantidade de pó que lança à cafeteira, talvez por ainda estar com os olhos semicerrados, ao mesmo tempo em que ri das duas taças de champanhe que agora descansam sobre o balcão, com os restos da noite que pertenceu somente a Paula, pois Paula é a que dentre nós, melhor sabe fingir o sexo.

Este homem, que agora deve estar na avenida imprimindo velocidade ao veículo para ganhar melhores e irrisórias posições, não sabe que no momento em que chego à sala me transformo em Vivi, e Vivi é a mais adolescente entre todas, e por isto se diverte muito com muito pouco, inventando poses bobas e bocas de café amargo, desalinhando o cabelo, dançando músicas imaginadas em frente aos espelhos.

Este homem, que agora deve estar em meio ao sagrado congestionamento, não sabe que no momento em que alcanço o sofá, me torno Roberta e Roberta tem hábitos raros, como o de desnudar-se completamente em pleno julho paulista para encontrar outros homens, homens sem rosto, com vozes vagas e rudes, ou até mesmo mulheres de corpos também voluptuosos e é sempre nesta hora que sinto o frio do assoalho ofendendo minhas costas, pois a sala é de Roberta, é ela quem faz as regras e para Roberta não há delícia sem dor.

Este homem, que agora deve estar petrificado, observando com assombro e olhos infantis o mundo gigantesco a seu redor, não tem a mais vaga ideia de que todas nós, absolutamente todas...apenas o amamos.

Fernando Corona

final de 2013


terça-feira, 15 de julho de 2014

ORBITAIS





         Minha boca não podia estar mais aberta, e aquela bela mulher tinha a broca em seu poder e com ela esburacava com duvidosa habilidade meu molar posterior, quando subitamente a anestesia deixou de fazer efeito e irritado com a dor, empurrei seu braço, levantei-me da cadeira e beijei-a e quando tentei tocar seus seios ela me afastou com rispidez, fato que me fez sentir profundamente ofendido, por isto então deixei-a ali mesmo, sozinha naquele beco escuro, e caminhei como que embriagado pela viela, tateando ásperos muros até achar um boteco enfumaçado no qual entrei, e quando sentei-me ao piano que ali havia, já dando início à execução de Blue Moon, senti que me retiravam do instrumento com rudeza, aqueles dois gigantes, dois brutos que me arrastaram com extrema facilidade escada acima, me jogando num quarto onde havia um outro homem completamente calvo sentado em frente a uma mesa, que com olhos de um azul pálido, contava dinheiro e depois de alinhar meticulosamente as cédulas, prendeu-as com um atilho de borracha, estendeu o maço em minha direção que vacilante coloquei no bolso e neste momento notei que ao lado de fora havia vozes de gente vociferando, gente forçando a porta querendo entrar, e o careca me apontou uma pequena saída pela qual eu poderia ir e disse achar aconselhável que eu fizesse isto logo de uma vez, e sem questionar sua indicação, atravessei a penumbra da saleta, cruzei um patamar estreito e desci escadas externas sob chuva e neblina, talvez tenha vencido cerca de 5 andares, não sei ao certo, quando vi luz saindo de um cômodo e estanquei no degrau justo em frente à janela pois na cena que havia dentro da habitação, duas mulheres jovens, nuas e sôfregas, se afagavam sobre uma larga cama e confesso que esta visão me petrificou, e quando elas se sentiram observadas, voltaram seus rostos sorridentes para mim, fazendo gestos claros para que eu entrasse, e então transpus o parapeito deslizando, e deslizando aterrissei naquela cama, quando as duas levantaram-se num ímpeto, sem qualquer explicação, e me olhando sem desmanchar os sorrisos, saíram do quarto de mãos dadas no mesmo exato instante em que soou, a meu lado, um despertador que marcava 8 da manhã e notei que eu estava suando, apesar da hora pouca, e logo algo chocou-se contra a porta com estrondo, o que me fez abri-la e pude ver que o jornal que estava caído ao solo trazia a manchete principal anunciando que a onda de calor persistiria e quando ergui os olhos, me surpreendeu ver o oceano ali tão perto, tão à minha frente, talvez aquilo fosse um hotel de veraneio, e me senti impelido a cruzar a soleira para caminhar pela beira mar com sapatos afundando na areia e água, até que, exausto, reparei que debaixo de um guarda sol alguém me acenava, me convidando a aproximar, e o senhor de barbas cristalinas que desfrutava da sombra e usava um leque com motivos chineses me perguntou se eu havia trazido a encomenda como fora combinado, o que me fez automaticamente sacar o dinheiro da calça e entregar a ele, que sorriu sem conferir o valor, e disse que eu era um bom menino, que sempre confiara em mim e me apontou o Dodge que estava estacionado na rambla e pediu que eu me fosse logo de uma vez, pois não havia mais razão alguma para ficar e que seu motorista já tinha instruções de me levar até o centro, e quando sentei no banco de trás ele deu partida sem dizer palavra e fomos pelo macio do asfalto e pelo ensolarado do dia, naquele carro tão negro e tão confortável e o sujeitinho não respondia a minhas perguntas, seria surdo ou impertinente, mas no final da alameda encostou o carro bruscamente em frente a um grande edifício quando imediatamente um homem de uniforme impecável abriu a porta e fez um gesto amável para que eu descesse, e o carro partiu sem mais, em alta velocidade, e o recepcionista, depois de condenar com um gesto vago a pouca educação do chofer, me conduziu até a porta de um elevador antiquíssimo no qual entrei e o ascensorista me deu um “bom dia” com todos os dentes e acionou o botão do 7, sem nada me perguntar, como se fizesse isto todas as manhãs, e já no 7, caminhei por tapetes vermelhos cheirando a mofo que cobriam um corredor vazio e pouco iluminado quando então desemboquei no vão de uma pequena sala onde uma senhorinha gorda, por detrás de um balcão, me fez um sinal de jocosa crítica, comunicando que sim, eu estava bastante atrasado, mas poderia entrar porque ainda estava sendo esperado e uma porta se abriu e pude ver ao fundo a cadeira já inclinada e o brilho dourado e irretocável dos instrumentos e ali, em primeiro plano estava ela, que bela figura, Thalita e sua lânguida silhueta, me filmando com olhos de pouquíssimos amigos e talvez isto já fosse um claro sinal de que algo raro poderia vir a acontecer, quem sabe aquilo que mais tememos, que a anestesia não funcione, que a anestesia repentinamente venha a falhar.


F. Corona – 4/6/2014


segunda-feira, 14 de julho de 2014

A Briga

- Acorda, amor, acorda!
- Hã...o que...o que que aconteceu, querida?
- Você brigou, Alberto!
- Eu?
- É. Com o Paulo. É isto que dá ficar bêbado desse jeito.
- Ah, sim, claro. Ele me disse algo desagradável.
- Eu assisti à cena. E você disse coisa pior ainda a ele.
- E?
- Ele te deu um tabefe na cara.
- Sério? E eu?
- Você deu um grito horroroso e deu um soco nele.
- Hum...só um?
- Ele bateu de costas na parede da churrasqueira e você deu mais um soco.
- Mas por que to caído aqui? Então, depois ele me bateu?
- Não. O segundo soco pegou o nariz dele, mas o resto do soco foi no tijolo.
- Acho que to lembrando. E aí?
- Aí que não sei se foi pela energia gasta com o golpe, ou por causa da batida que você deu na parede, você desmaiou.
- Caraca. E ele, cadê? E o pessoal?
- Ele arriou as pernas e desmaiou também. O pessoal tá lá fora botando ele num taxi.
- Quer dizer que ganhei a briga?
- Pode se dizer que sim.
- E este sangue na minha camisa. É dele?
- Não. É do seu beiço.
- Parius. Tá inchado. E cadê o sangue dele?
- Não tem.
- Como, não tem? Então não ganhei a briga!
- Ganhou sim, querido, ganhou. Levanta e vamos embora.
- Natália...
- Que?
- Acho que quebrei a mão.
- Quebrou, Alberto! Pelo baita barulho que fez, tá quebrada sim. Que vergonha, Alberto, me poupe! Um homem que já tem até bisneto, brigando desse jeito!
- Não é pela idade que tenho, que vou levar desaforo pra casa.
- Chega de conversa, levanta daí e vamos de uma vez. Te apoia aqui em mim.
- Que merda. Ganhei a briga e nem vi.
- Humpf...
- Natália...
- Que?
- Alguém filmou?


Fernando Corona




domingo, 13 de julho de 2014

NOSTALGIA


Nestor estava debruçado no balcão  servindo-se de cerveja, e já era sua terceira, o olhar vazio, a cabeça fervilhando que a vida tá uma merda, Neuza se foi e nunca mais deu notícias, e aquele tapa na cara que ela lhe desferiu por bons motivos ainda arde, e depois do tapa não houve palavra nenhuma, nenhuma linha de email ou mensagem.

Neuza se dissolveu no ar, e como se isto não bastasse, agora vem esta seca de trabalho que não termina, tocar um baile de 5 horas e ganhar míseros 80 reais, enfrentar o trem lotado carregando o trombone que precisa reforma urgente e neste momento, nesta cidade gigante e cruel que nunca lhe afaga, há tantas buzinas impertinentes que reverberam pelas paredes de azulejos encardidos
 deste boteco no centro da Lapa, e estes homens espalhados pelas mesas de metal que parecem seres que resistiram a um cataclismo nuclear, transformados seres que bebem cachaça barata em copos plásticos e murmuram palavras de saudação à feroz solidão que não há álcool nem cigarros que amenizem, e ainda tem este corpo que incomoda, as dores que se espalham por este corpo de 68 anos que só deixa de fitar o vazio quando escuta uma voz colada a seu ouvido.

- Que instrumento é este, baby?

É uma mulher de fisionomia quase brutal, de uma beleza rude escondida atrás da maquiagem pesada, cabelo basto e desgrenhado, roupa vulgaríssima e lábios de um vermelho saturado. Por certo ainda não chegou aos 50, apesar de parecer.

- É um trombone, moça.
- Toca uma coisa pa nóis então.

Este pedido, se fosse feito em qualquer outra ocasião, teria deixado Nestor encolerizado e possivelmente não teria dado a esta mulher qualquer tipo de resposta, mas seu inferno sem portas de saída era de tal tamanho, que sem tirar os olhos dos olhos dela, como num transe, sacou o instrumento do estojo e desprezando qualquer ajuste de embocadura passou a entoar as primeiras notas de um antigo tango chamado Nostalgia. Isto fez os malandros esquecerem um pouco de seus copos para jogarem sua atenção sobre aquele homem incomum que agora se postava no centro do bar e soprava seu trombone de pistos dourados com  fisionomia dolorida. Com sinuosos movimentos de corpo, o músico ia expressando todos os matizes e nuances que esta peça exige, os ralentandos trágicos, logo seguidos por exagerados rubattos que estavam  fazendo vibrar as vidraças nos momentos de maior sforzzato, e quando irrompeu no estribilho, o trombonista reparou que havia um bom número de pessoas aglomerando-se nas portas do boteco, atraídas que foram pelo tipo raro de sonoridade, mas mais do que isto, seduzidas pela execução tão exata em seu sofrimento, em seu abandono, a melodia de Cobián, riquíssima em paisagens acinzentadas,  fala de amores perdidos, irrecuperáveis amores, estas notas, todas elas, são afiadas adagas cravadas no peito e quando já se ouvia a repetição da última estrofe um tanto mais complexa (sua letra diz: Desde mi triste soledad veré caer las rosas muertas de mi juventud), sentiu-se uma bruma pairando no ar, o que fez Nestor com os olhos brilhando devido ao esforço, afastar o instrumento da boca, para poder ouvir o quanto de silêncio havia por trás daquela névoa insana, sim porque para os bons músicos o silêncio é o ouro mais valioso, e durante esta breve pausa, observou os olhares suspensos de sua excêntrica plateia, a respiração congelada das pessoas que em êxtase suplicavam por um final, como se isto fosse necessário para poderem seguir adiante com suas vidas, e então Nestor retomou o tema e entoou as últimas cinco notas que soaram com uma dramaticidade quase póstuma.

Os aplausos foram entusiasmados e o músico, enquanto agradecia, sentiu que a mulher lhe segurava pela manga da camisa e tinha os olhos chorosos.

- Que lindo este fado, baby.
- Não é fado. É tango.
- Pra mim é tudo fado. Pagode é fado, lambada é fado, mas este fado é muito triste, parece dor de amor.
- E é.

- Tu tem dor de amor, baby?
- Tenho. Também tenho dor de amor.
- Forte?
- Bem forte.
- O fado não tem letra, mas dá pra sentir que é de sofrimento.
- Tem letra sim.
- Fala pra mim, fala.
- É espanhol.
- Não sabe em português?
- Uma parte eu sei. Diz assim;

"Quero embriagar meu coração
Para esquecer um louco amor 

que mais que amor foi um sofrer.
E aqui venho para isto, 

para apagar antigos beijos 
com os beijos de outras bocas".

- É lindo.
- É sim, bem bonito.
- Baby, tu quer que eu ajude a apagar teus antigos beijos?
- Acho que quero.

Ali no centro do bar, beijaram um beijo longo e por isto foram aclamados por toda aquela gente que ainda esperava por um bis, mas a mulher, muito decidida, sujeitou Nestor pela mão e tirou-o do bar, não sem antes gritar:


- Ernesto! Amanhã eu pago a ceva dele!

Saíram trôpegos, de braços dados pela Men de Sá, o trombone na mão. O estojo havia ficado.

- Amanhã eu pego, quando for pagar tua bebida.
- Tá bom.

- Ai baby, eu adoro a Lapa! Tu não?

Nestor nada respondeu, pois estava admirando a bela estampa de Gardel nos grandes cartazes, o gentio alvoroçado, os casais alegres em sua embriaguez, exibindo suas roupas de fim de semana. Do fundo das casas velhas se podia ouvir o som das típicas, um bandoneon gemendo no acompanhamento de uma sofrida voz de mulher. Nestor não estava na Lapa. Nestor estava sy en Buenos Ayres, en el barrio de la Boca, era una noche caliente de febrero, quizá marzo. El año? 1940, seguro.

Fernando Corona


O tango Nostalgia foi composto por Enrique Cadicamo & Juan Carlos Cobián no ano de 1936 e teve na voz de Carlos Gardel uma de suas mais famosas versões.





                                       








The Personal Enchanter



Exatamente às seis da tarde, Lucíola entrou na academia, deitou-se nas almofadas macias e de olhos cerrados pressentiu seu Encantador  aproximando-se na ponta dos pés, como era de costume, e ele então recitou versos, contou contos e cantou cantos. Quando o silêncio se fez novamente, plenamente saciada, Lucíola levantou-se e sem dizer palavra, pois já não havia a quem falar, ganhou novamente a rua, e como todas as mulheres recém encantadas, riu plateias, chorou mares e sentiu todos os pelos do corpo eriçados quase como fosse febre e o sexo, este danado, ia gritando no peito suas melhores frases.

Momentos depois, Lucíola encontrou seu homem e já no primeiro abraço lhe transferiu um bom tanto de encantamento, mas ele, por sua visão pequena de menino, pensou que era apenas seu próprio talento que novamente brilhava. Depois de tudo terminado, a vaidade deste homem, agora bem alimentada, lhe deu a paz necessária para adormecer e sonhar com festas confusas. A seu lado, Lucíola apanhou um bombom que estava sobre a mesinha e sorrindo, com olhos fixos no teto, vislumbrou antigas ruelas e frescas alamedas carregadas de flor.

No exato instante em que o chocolate tocou sua boca, o encantador, a alguns quarteirões dali, fechava a academia e tomava o rumo de casa. No caminho, pode ver pela calçada os restos de purpurina deixados por Lucíola e outras encantadas e sentiu-se feliz pelo trabalho tão bem feito. Estava exausto e vazio e esta dor que doía bem no coração, ah, esta dor...teria de ver isto hora destas. Talvez até procurar ajuda, quem sabe. Mas não agora. Agora... ainda havia muito... muito o que encantar.


Fernando Corona

05/06/14