Chimarrão, a meu ver, é destas coisas da vida que a primeira experiência que se tem, geralmente não é boa.
É algo como bebida alcoólica ou cigarro. A gente vai se acostumando e depois até vicia. Tem gente que não fica sem o mate.
É a única infusão que conheço que não esquenta, que não dá reação, ao contrário de outros chás. Por isto se bebe até no verão. É diurético e mexe com o aparelho digestivo.
Tem gaúcho que só faz cocô depois do mate. Toma em jejum. Bastam duas ou três cuias e o cara sai bem louco pela casa, atropelando gato e cachorro, correndo com o jornal na mão pra se atirar pra dentro do banheiro e gritar que a vida é boa.
Os gaúchos mateiam de manhã e fim de tarde geralmente, mas os maiores adeptos do chima são os uruguaios, que tomam o dia inteiro.
Um taxista de Montevidéu consegue dirigir e tomar mate ao mesmo tempo. Na mão esquerda leva a cuia e sob o braço esquerdo leva a térmica. Consegue servir a água com habilidade, fazendo um movimento preciso com o ombro. Com a mão direita faz as marchas e dirige.
Uruguaios tomam mate a toda hora e os mais pobres reaproveitam a erva, tirando-a da cuia e a deixando exposta ao sol. Depois de seca voltam a repô-la e vá mateamento de novo.
Tem gente que prefere não tomar mate de tarde, pois dá ligadeira e a pessoa não consegue pregar o olho de noite, e se a erva for a chamada “pura folha”, pode dar taquicardia e até “atacar” uma gastritezinha.
Tem gaúcho que gosta de tomar uma pinga junto, pra equilibrar, e tem outros que apreciam beliscar uma “rapadurita” acompanhando o chimas.
Uma vez ofereci um mate pra um músico espanhol e o cara tomou uma cuia pra experimentar. Ainda bem que foi só uma, o bastante pra fazer a barriga dele começar a conversar. Não sei o que aconteceu depois, quando ele se foi, mas enquanto estávamos batendo papo, as tripas do cara emitiam uns grunhidos agudos, longos e queixosos e outros mais graves, como um glissando de contrabaixo. Ficamos constrangidos e me senti culpado. Mas acho q ele sobreviveu.
Tenho um amigo, José Luis Calandria que é baterista uruguaio e um grande fã do chima. Sabia preparar um mate como ele só.
Nos conhecemos em Madrid, na década de 80. Num sábado pela manhã, na cidade de Vitória, no País Basco, por onde estávamos tocando com nosso quarteto chamado Maracatu, saímos com alguns espanhóis para "irmo-nos de copas".
"Ir-se de copas" é um hábito deles e consiste em reunir os amigos depois do trabalho, entrar num boteco, tomar uma taça de vinho, ou de cerveja, pagar, atravessar a rua , fazer a mesma coisa, andar uma quadra, entrar noutro boteco e assim por diante até o coma irreversível.
Estávamos ali, “indo de copas” os dois, mais Everson Vargas, amigo gaúcho baixista e mais a cantora americana Estaire Godinez.
José, sempre com sua pequena cuia na mão, começou a chamar a atenção da espanholada, até que um se aproximou, olhou fixo pra ele e disse:
-Tenho um amigo que perdeu tudo por causa disto.
Estava se referindo ao chimarrão. José deu uma gargalhada e respondeu:
- É meio difícil perder tudo. O quilo desta erva custa apenas 80 pesetas e ninguém vai à ruína por causa disto. Então, divertido, teve de contar pro espanhol sobre a tradição. Pra nós era um pouco cara a erva lá, talvez 20 vezes o preço do Brasil. Era difícil encontra-la também.
Andar com uma cuia pela Europa chamava muita atenção e colegas uruguaios foram parados na fronteira da Alemanha quando a polícia desconfiada, levou a erva para análise, mas a máquina disse que não era droga e eles puderam então seguir viagem.
O chimarrão também é chamado carinhosamente de “amargo”, pelos bem guascas, e está presente na celebração diária da vida, amigo e companheiro da conversa da gauchada. É aconselhável tomar entre duas, três ou quatro pessoas, no máximo. Mais do que isto, a cuia demora muito a voltar. Mas tem gente que até toma sozinha e eu, muitas vezes, preparo um mate só pra mim.
O termo usado pra preparar o mate é “cevar o mate”. Quem ceva o mate, geralmente, é quem derrama a água dentro da cuia e alcança pro próximo da vez.
Não é de bom tom ficar proseando muito com a cuia na mão. Tem que tagarelar e beber num bom ritmo, se não alguém sempre pode dizer: “Conheci um gaúcho que morreu de velho com a cuia na mão”!
Isto serve pro viviente apressar o passo e devolver a cuia logo, não sem antes fazer a bomba roncar. Quando a bomba ronca é porque a água acabou. Gaudério de verdade faz sempre a bomba roncar.
Às vezes, o cevador é cheio de mania e quer que a roda comece à sua direita ou esquerda, não sei bem. E uma coisa que não se deve fazer nunca, é mexer na bomba. O cevador, quando vê isto, pode ficar irritado e resolver sapecar um croque (uma espécie de mini soco) na cabeça de quem cometer tal heresia.
Tem o “mate curto” quando o cara erra na mão e bota muita erva na cuia e tem também o “mate longo” quando acontece o contrário. Tem o “mate entupido”, quando a erva é muito fina e entra pela bomba. Daí é um saco. Tem de tirar a bomba e dar um jeito de desentupi-la. Pra quem não sabe, a bomba é uma espécie de canudo de metal com um coador na ponta. Este coador permite que só a infusão chegue até a boca. Claro que sempre vem um pouco de erva junto mas não dá nada.
A água do mate não pode ferver, senão queima os beiços e também faz a erva perder o sabor. Água boa pro mate tem de chiar na chaleira. É assim, um pouco antes de ferver.
Resolvi escrever estas curiosidades porque postei dia destes no Face que “tinha tomado um mate e tava mais ansioso que anão em comício”. A galera curtiu e houve alguns comentários e brincadeiras sobre o assunto.
Então aproveitei os coments e fiz este textículo. Faltou falar das origens e otras cositas mas, mas daí começo a me sentir assim meio Wikipedia, então já tá de bom tamanho.
A gauchada vai achar aqui um monte de obviedades, é claro, mas o pessoal do resto do país pode achar interessante e quem sabe até experimentar o “amargo”. Chimarrão é muito bom. Tempera a amizade e acompanha na solidão.
Fernando Corona 2013
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