quinta-feira, 17 de julho de 2014

NA CIDADE EM QUE VIVO




Na cidade em que vivo não há pessoas dentro dos veículos. Só assim se pode explicar o fato dos carros acelerarem em sua direção quando você cruza a via.

Da minha janela, na cidade em que vivo, vejo o sangue de 3, que nunca mais vão sorrir, nem beber nem trepar. Na cidade em que vivo a vida não vale nada, ou quem sabe valha 200 reais ou um pouco mais. Eu ouvi cinco estampidos. Ouvi o ruído do aço contra o aço da máquina de matar. Não havia dúvida. Eram tiros.

- Você é o Russo?
- Por que?
- Pow, Pow,Pow, Pow, Pow.

Todos no peito. Pistola automática. Foi por causa de mulher... traição, se comentou muito pelo bairro nos dias seguintes. Eu vi os executores fluindo calmamente, numa moto que se perdeu em meio ao caos cúmplice. Por um punhado de dinheiro mataram. E mataram o homem errado. O cara nem era o Russo.
 

Na cidade em que vivo somos todos bandidos. Os que matamos, os que roubamos, os que corrompemos, os que sujamos, os que calamos...

A cidade em que vivo é maltratada todos os dias por seus filhos legítimos e também por seus filhos adotados.

Na cidade em que vivo as mulheres são belas, porém tristes, talvez por que os homens não conquistem, e sim enganem.

Na cidade em que vivo existe o costume de colocar a palavra “porra” em todas as frases.

Pra viver aqui “hay que tener cojones”. Ninguém te afaga. E quando você tenta falar, sua frase é sempre interrompida por outra voz mais alta e animada que sempre tem algo mais interessante para dizer e que nunca o é. As pessoas estão possuídas pelo déficit de atenção na cidade em que vivo. Elas perderam a capacidade de ouvir.

Na cidade em que vivo, as “gentes” conseguem se comunicar através de diálogos sem sentido. Eu escuto as conversas e tenho geralmente uma vertigem. Penso que sou eu quem está a um passo da loucura.

A cidade em que vivo ficou cega, mas não como a justiça, e sim exatamente ao contrário.

A cidade em que vivo é uma centopeia gigante, ferida de morte, que agoniza e grita seus últimos fiapos de voz e já não há nenhum Deus que a possa ouvir. Ficou tarde. Tarde demais.


Fernando Corona   2013


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